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2006-09-18

ECOROPA 1982

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SAIR DO ATOLEIRO UMA SÓ PORTA ENTREABERTA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», Crónica do Planeta Terra, 18-Setembro-1982

Há duas estratégias para (tentar) sair do atoleiro: uma ficou mais uma vez expressa na importante reunião realizada em Toronto das mais altas instâncias financeiras internacionais; a outra, que se conhece por omissão, pois dela os "mass media" nunca falam, fica implícita das reuniões a propostas que pensadores a organismos não governamentais têm apresentado em diversas circunstâncias, das quais a mais recente foi a reunião de Nairobi., realizada em 14 de Maio de 1982 (como já referimos em crónica anterior).

ONDE ESTÁ A UTOPIA?

A primeira destas estratégias, guiada pelo FMI e pelo Banco Mundial, respeita o status económico vigente (a ideologia do crescimento infinito), o sistema monetário internacional tal qual é e tal qual deseja continuar a ser, ainda que para isso tenha de exterminar até ao ultimo ser vivo da Terra; a outra estratégia respeita os ecossistemas a propõe uma ruptura pacífica com o sistema, a construção de uma sociedade paralela.

Qual das duas será mais utópica face aos recentes buracos e bancarrotas revelados pelo próprio sistema? Qual das duas evitará a catástrofe e para qual delas a catástrofe é estruturalmente inevitável? Qual das duas serve o Terceiro Mundo e propõe uma verídica ultrapassagem do chamado sub-desenvolvimento? Qual das duas leva à confrontação final de um holocausto nuclear?

A resposta parece clara, quando sabemos que países como o México, onde se dizia ainda há poucos meses que o petróleo instalaria verdadeiro Eldorado, abrem falência com estrondo e fecham os bancos, dizendo que vão nacionalizar a ...bancarrota.

Com exemplos destes, que pensar do sistema que se instalou e permanece a troco de ir destruindo os ecossistemas a adiando para as calendas o prometido paraíso?

Na chamada esfera socialista, Cuba e Polónia, por exemplo, apresentam dívidas externas colossais ao lado das quais a dívida portuguesa permite tornar o Dr. João Salgueiro um homem optimista e cheio de fé no grande e belo país que ainda pode vir a ser Portugal.
Mas a estratégia preconizada mais uma vez em Toronto não foi de alternativa ao sistema estabelecido, a Leste e a Oeste, foi de reformas dentro do sistema e no sentido da sua auto-reprodução. A mudança na continuidade, pois...
Embora todos os técnicos presentes fossem unânimes em considerar que o sistema está doente, as terapêuticas de quem o adoeceu continuam a ser exactamente as que lhes provocaram a doença. A técnica do Saridon, como dizia o outro.
Daí que a imagem de atoleiro não seja metáfora nada exagerada. Apagar fogos com gasolina ou tentar encher o tal balde roto, não é?
Entretanto, na linha realista de pensadores como Ivan I1lich e F. Schumacher (este ultimo economista iminente a nada suspeito de conluios ecologistas) a modesta proposta às pequenas comunidades a às regiões é que deixem o sistema moribundo (morrer) em paz e procurem eco-alternativas radicais, com base nas tecnologias apropriadas a no controle democrátïco das tecnologias intermédias, tentando construir uma sociedade paralela com as nossas próprias forças.
Uma coisa está provada, e a reunião de Toronto confirmou: o sistema encontra-se na maior crise depois de 1944, encontra-se no fundo do atoleiro e não sabe como sair dele, recomendando apenas aquilo que o afundou; entre afundar-se e (uma derradeira tentativa de) saltar do pântano, por mais utópico e dificil que este salto qualitativo pareça, surge evidente o caminho.
Porque não dar um pouco de ouvidos às propostas modestas, modernas, alternativas, que as Organizações Não Governamentais tiveram ocasião de apresentar em Nairobi a convite do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no passado mês de Maio?

A PORTA DA ESPERANÇA ESTÁ ENTREABERTA
O deserto progride cerca de 6 milhões de hectares por ano, dentro de 25 anos um bilião de pessoas poderá morrer à fome, a floresta desaparece à razão de 20 hectares por minuto...
Estas são apenas algumas das conclusões obtidas durante os encontros realizados para marcar os 10 anos decorridos sobre a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente, em Estocolmo.
Apesar das esperanças que nessa conferência nasceram e apesar do vasto programa intergovernamental lançado no quadro da ONU para salvar o essencial dos recursos naturais e o ambiente do homem (seria então criado o Plano das Nações Unidas para o Meio Ambiente, abreviadamente PNUMA), os Estados continuaram - como se nada se passasse e como se nada fosse com eles - a sua corrida concorrencial para a posse dos recursos naturais.
Assim o lembra, na sua mensagem de Junho último, o boletim do movimento "ECO-ROPA" que, ao traçar este negro quadro, não deixa no entanto de abrir imediatamente uma porta de esperança.
E o que vem a ser essa esperança?
Para Edouard Kressmann, que redige esta mensagem de "ECO-ROPA", se é evidente que os governos se demitiram (a lógica do sistema tecno-económico mundial não lhes deixa nenhuma outra escolha!) a esperança emerge, no entanto, das chamadas Organizações Não Governamentais , as O.N.G., que se multiplicaram por todo o Mundo na última década.
"Partindo da prática - escreve Kressmann - estes pioneiros do futuro lutam evidentemente contra as grandes ameaças urgentes e visíveis (deflorestação, pesticidas, armamento) mas sobretudo preparam o futuro.
"Em todos os continentes, inúmeros grupos locais inventam técnicas adaptadas às suas necessidades vitais, sociais a culturais. Isto passa-se mesmo no coração da luta de guerrilhas. Os "índios" de todos os países protegem-se contra o biocídio ao mesmo tempo que lutam contra o genocídio recriando micro-sociedades para a sobrevivência."

OS 10 ANOS DO PNUMA ENTRE O DESESPERO E A ESPERANÇA

Para o l0º aniversárdo do P.N.U.M.A. , os governos que integram a O.N.U. foram convocados para uma sessão de carácter particular, com o objectivo de estabelecer um balanço da acção passada e preparar o futuro. As já citadas O.N.G. foram também convidadas.

Vindas de 55 países dos cinco continentes - a maioria do Terceiro Mundo - as O.N.G. elaboraram, com dificuldade, um texto que apesar de tudo demonstra um certo consenso sobre alguns pontos importantes, ainda que o esquema de um "desenvolvimento diferente" continue por definir.
Quanto à sessão de carácter especial que, segundo a mensagem de Kressmann, "decorreu num certo torpor" - ela reuniu delegados de 105 Estados.
"Perante a impossibilidade de entrar em acordo num ponto - comenta ironicamente o texto de "ECO-ROPA" - foi-se para a solução habitual em casos semelhantes: uma comissão!"
Independente dos governos, ela tem por missão redigir um relatório até à Primavera de 1984.

A ENGRENAGEM SISTEMÁTICA

Entretanto, a mensagem número 44 de "ECO-ROPA" lembra que, por iniciativa desta organização, a dimensão global dos problemas originados pelo "sistema" foi constantemente acentuada no Encontro das O.N.G. a que o slogan que serviu de "leit-motiv" aos debates só não figurava na declaração final por ser demasiado agressivo...
Os leitores que julguem dessa agressividades " delapidação do Planeta, corrida aos armamentos, miséria e fome - a mesma engrenagem sistemática."
Implícito, no entanto, esse conceito serviu de pressuposto à aprovação do número 13 da Declaração das O.N.G. , ponto que pede aos governantes a constituição de uma direcção do Ambiente em cada Ministério ou Administração do Estado, ficando o conjunto submetido a um órgão de coordenação ao mais alto nível."
Com efeito - sublinha o texto - "não há nenhum domínio, nenhuma disciplina que não esteja relacionada com o Ambiente."
Os especialistas, entretanto e evidentemente, recusam esta evidência...


"EM SOCORRO DA VIDA"

Que este encontro da O.N.U, para marcar os 10 anos da conferência de Estocolmo e do P.N.U.M.A., não tivesse praticamente eco na opinião pública portuguesa, é significativo de uma apatia que nem mesmo a predominância dos habituais assuntos "prioritários" da nossa retórica política poderá justificar.
A declaração das O.N.G. - " Em Socorro da Vida" é o seu título - é demasiado importante para que nos demos ao luxo de ignorá-la.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», Crónica do Planeta Terra, 18-Setembro-1982