MORTE 1971
1 - 71-08-09-ie-bd> = ideia ecológica = bibliografia doméstica - scan - segunda-feira, 18 de Novembro de 2002
ADIANDO A MORTE (*)
[9 de Agosto de 1971] - Simpósios não faltam neste nossa mundo ocidental e cristão. Agora que a poluição nos ataca de frente e à retaguarda, reúnem-se os técnicos e especialistas por esse mundo fora a debater a grande vaga de lixo que nos atola e que vai, gradualmente, alterando o frágil, imperceptível equilíbrio biológico entre o ser vivo e o meio ambiente.
Perceptível só quando se transforma em desequilíbrio.
E a Ecologia - nova ciência - organiza-se, subdivide-se, institucionaliza-se. Discursam os especialistas. E tiram conclusões (moções). Depois voltam aos cochilos, aos laboratórios, às cátedras. Afinal, que mudou?
É esta hipocrisia - este desfasamento entre teoria e prática - que alguns grupos da contestação decidiram denunciar. E entram na prática. Enquanto nos simpósios se discursa e discute, os rebeldes praticam, efectuam, realizam o salto. São a reviravolta, sem falarem de revolução.
Um pouco gauche, a acção destes grupos out. Mas de certeza: com mil hesitações e erros: os jovens não têm, claro, nem a experiência, nem os mecanismos, nem o dinheiro da geração madura. Não têm poder. Não têm universidades, cursos e o poder do saber. Por isso, tão mal vistos são pelos que podem.
Depois, há também que enfrentar a polícia. E a força das mitologias. E a repressão, ora de cacetete, ora disfarçada de paternalismo.
Uma coisa é certa, porém, para eles e para a civilização que eles inauguram: a era dos simpósios está a findar. Em vez de magnas reuniões para tanta gente célebre ser ainda mais célebre e importante, e tanta gente importante ser ainda mais importante e célebre, os grupos de resistência, no anonimato, praticam a. reviravolta.
Antes disso, apenas um ou outro poeta visionário. Agora acontece que os poetas se agrupam, se amam, se unem, confraternizando e tornando-se, sem querer, uma força. Uma força poderosa que não quer o Poder para nada.
E quem diz simpósios, diz mesas redondas, seminários, congressos, falatório, parlatório, sempre. Ou «medidas de emergência» que deixam tudo na mesma, com a agravante de iludirem as populações a quem se convence de que tudo agora vai melhorar, vai mudar, vai ser diferente com os «remendos» aplicados.
Quanto à poluição, já se sabe: pequenas obras de fachada, «purificadoras» do ar, e pronto.
Outra maneira característica da «civilização» resolver os seus muitos apertos: mede ou manda medir. Desde que meça, parece que está tudo resolvido.
Como o doente que se julga ver livre da febre medindo-a com o termómetro, os agentes poluidores e seus agentes arranjam uns complicados mecanismos que medem a poluição, publicam os complicados resultados das complicadas e completas medições, arranjam uns complicados cronistas na Imprensa que vão dando uns complicados quadros mensais ou semanais da medição, e tudo se resolve por aí.
Característica inolvidável desta civilização: publicam-se nos jornais as estatísticas do cancro e todos ficam contentes porque um número (a magia de um número) resolve o que na prática, na realidade, no terreno efectivamente ficou na mesma e por resolver.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal diário «Notícias da Beira» (Moçambique), na sua coluna habitual «Notícias do Futuro», em 9 de Agosto de 1971
ADIANDO A MORTE (*)
[9 de Agosto de 1971] - Simpósios não faltam neste nossa mundo ocidental e cristão. Agora que a poluição nos ataca de frente e à retaguarda, reúnem-se os técnicos e especialistas por esse mundo fora a debater a grande vaga de lixo que nos atola e que vai, gradualmente, alterando o frágil, imperceptível equilíbrio biológico entre o ser vivo e o meio ambiente.
Perceptível só quando se transforma em desequilíbrio.
E a Ecologia - nova ciência - organiza-se, subdivide-se, institucionaliza-se. Discursam os especialistas. E tiram conclusões (moções). Depois voltam aos cochilos, aos laboratórios, às cátedras. Afinal, que mudou?
É esta hipocrisia - este desfasamento entre teoria e prática - que alguns grupos da contestação decidiram denunciar. E entram na prática. Enquanto nos simpósios se discursa e discute, os rebeldes praticam, efectuam, realizam o salto. São a reviravolta, sem falarem de revolução.
Um pouco gauche, a acção destes grupos out. Mas de certeza: com mil hesitações e erros: os jovens não têm, claro, nem a experiência, nem os mecanismos, nem o dinheiro da geração madura. Não têm poder. Não têm universidades, cursos e o poder do saber. Por isso, tão mal vistos são pelos que podem.
Depois, há também que enfrentar a polícia. E a força das mitologias. E a repressão, ora de cacetete, ora disfarçada de paternalismo.
Uma coisa é certa, porém, para eles e para a civilização que eles inauguram: a era dos simpósios está a findar. Em vez de magnas reuniões para tanta gente célebre ser ainda mais célebre e importante, e tanta gente importante ser ainda mais importante e célebre, os grupos de resistência, no anonimato, praticam a. reviravolta.
Antes disso, apenas um ou outro poeta visionário. Agora acontece que os poetas se agrupam, se amam, se unem, confraternizando e tornando-se, sem querer, uma força. Uma força poderosa que não quer o Poder para nada.
E quem diz simpósios, diz mesas redondas, seminários, congressos, falatório, parlatório, sempre. Ou «medidas de emergência» que deixam tudo na mesma, com a agravante de iludirem as populações a quem se convence de que tudo agora vai melhorar, vai mudar, vai ser diferente com os «remendos» aplicados.
Quanto à poluição, já se sabe: pequenas obras de fachada, «purificadoras» do ar, e pronto.
Outra maneira característica da «civilização» resolver os seus muitos apertos: mede ou manda medir. Desde que meça, parece que está tudo resolvido.
Como o doente que se julga ver livre da febre medindo-a com o termómetro, os agentes poluidores e seus agentes arranjam uns complicados mecanismos que medem a poluição, publicam os complicados resultados das complicadas e completas medições, arranjam uns complicados cronistas na Imprensa que vão dando uns complicados quadros mensais ou semanais da medição, e tudo se resolve por aí.
Característica inolvidável desta civilização: publicam-se nos jornais as estatísticas do cancro e todos ficam contentes porque um número (a magia de um número) resolve o que na prática, na realidade, no terreno efectivamente ficou na mesma e por resolver.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal diário «Notícias da Beira» (Moçambique), na sua coluna habitual «Notícias do Futuro», em 9 de Agosto de 1971
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