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2006-08-06

DESECONOMIAS 1987

1-3 - schuma-1-ls> segunda-feira, 30 de Dezembro de 2002-scan c/anexos

UMA HERESIA DE F. SCHUMACHER OS DEUSES DA ECONOMIA (*)

[CPT, in «A Capital», 8-8-1987] - Um novo-riquismo, perceptível a olho nu, tem grassado desde há uns tempos no discurso alegadamente ecológico ou meramente ambiental. Todos descobriram, de repente, a pólvora. E o ambiente, a dois passos da uma, é bestial, grande amigo, um gajo porreiro, principalmente se der subsídios e tiver também mecenato.
Mas toda esta euforia pró-ambientalista de conjuntura não impede que o discurso economicista, do cifrão e dos per capita que já existia antes, que durante o salazarismo ocupou corporativamente todo o nosso espaço mental, sem falar obviamente do económico, esteja ainda de boa saúde e com grande vigor.
O nacional-ambientalismo, embora um tanto grotesco, não perturba os pan-economicistas, que já não sabem aprender discurso diferente daquele que beberam no leite maternal, como é patente nos discursadores dos partidos, todos convencidos de que nos convencem.
Ecologismo que não se fique pela rama, porém, ecologismo com o mínimo de autenticidade e coerência, é claramente perturbante, já que traz, para a plena luz pública, o que estava condenado a permanecer secreto para o resto da eternidade: a sífilis do sistema, as «des-economias externas», como às vezes lhe chamam. Os direitos ecológicos das pessoas, esses, são hoje tabu como eram no tempo do Marquês de Pombal.
O grande escândalo das correntes ecologistas autênticas, não é a denúncia das poluições e dos poluentes, com um discurso igualmente poluído, porque sintomatológico: o escândalo de um realismo ecológico coerente, independente, com princípio, meio e fim, é ir à causa, às raízes e não aos efeitos (poluições) do macrossistema que vive de nos ir assassinando.
O grande escândalo do realismo ecologista, defendido com unhas e dentes por meia dúzia de franco-atiradores clandestinos, é pura e simplesmente que o homem concreto, com sentimentos, pele, nervos, sofrimentos, riscos, stress, angústias, etc., irrompe na praça pública a dizer que é mais importante do que cifrões, dólares, produtividade, bolsas, planos quinquenais, dólares, produtividade, economia de mercado, colectivização socialista, etc.
Esta é a lição (o escândalo) que os viciados discursos economicistas de todas as tendências, desde a direita às esquerdas, ainda não aprenderam nem aprenderão tão cedo, mesmo que a casa (da economia) já esteja outra vez a arder com o renovo da chamada crise petrolífera.
Dizem-nos então, por reacção reflexa, que sem economia e sem petróleo, a sociedade se desmorona. E até talvez tenham razão. Mas por muito indispensável que a economia (do desperdício) se tivesse feito, por uma natural esperteza dos economistas e sua própria sobrevivência como classe, o que pisa hoje o risco vermelho do escândalo é a Ecologia Humana, porque põe as pessoas no lugar da Primeira Prioridade, no lugar onde têm estado e
continuam a estar os cifrões e as metas desenvolvimentistas.

UMA QUESTÃO DE VALORES

Dizer que a Economia é uma questão religiosa parece à primeira vista uma provocação. Uma blague de mau gosto.
Mas é talvez a afirmação mais rigorosa que hoje se pode fazer num tempo de acelerado apodrecimento da História.
O economista E. Frederic Schumacher, que alcançou os postos mais elevados na hierarquia tecnocrática ocidental, teve o arrojo de propor, no seu livro intitulado Small is Beautiful,(1) a economia budista como doutrina modelar de desenvolvimento.
A sua tese tem, entre outras vantagens, a de colocar a questão do crescimento económico no seu lugar exacto, quer dizer, onde nunca os economistas ditos ateus tiveram coragem de a colocar: no campo dos valores, dos princípios, da ética.
A maior religião do mundo e que conta com maior número de adeptos é hoje a religião do crescimento industrial. Basta ver quantos nomes se têm dado a este deus do pós-guerra que é o desenvolvimento. Progresso, bem-estar, felicidade nacional bruta, produto nacional bruto, metas do progresso, qualidade de vida, industrialização acelerada, tanto nome só para um deus.
Os mitos que o mito do progresso fez proliferar e alimenta, os subdeuses que propõe à adoração das massas, os intocáveis que governam as suas igrejas, as igrejas que, como cogumelos, se reproduzem por todos os LNEC do mundo, com seus sacerdotes, rituais, hóstias de enfiar pela boca, suas polícias políticas chamadas cientistas, confessores chamados psiquiatras, fiscais chamados técnicos de informática, inquisidores chamados engenheiros nucleares, que grande família de grandes patriotas!
O que adoradores e padres-curas do deus-economia, do deus-progresso, do deus-crescimento, do deus-etc., não têm, entretanto, coragem de confessar, por um fenómeno de recalcamento semelhante ao complexo de Édipo, eis que o ecologismo o aponta como o menino que grita que o rei vai nu, porque efectivamente o rei vai em pêlo.
O ecologismo faz da Economia uma questão moral. Fala de moral energética, igual a moral ecológica. Diz que o problema da fome não é de crescimento demográfico como repetem os maltusianos, mas um problema de decência. Enquanto um carnívoro ocidental comer por dia, em suínos tuberculosos, o que daria, em cereais, para alimentar 100 crianças esfomeadas do Terceiro Mundo, há aqui um problema de vergonha na cara.
Revolução ecológica terá de ser uma revolução ética, antes, durante e depois. Se quiserem, uma revolução religiosa.
Não sou eu que o digo. Têm-no dito alguns pilares da Mitologia do Crescimento, na hora da verdade em que batem com a mão no peito e gritam: «Mea culpa, mea grande culpa. Perdoai-me Senhor, que errei na minha estupidez tecnocrática.»
Assim berraram Sicco Mansholt, o já citado Schumacher, filósofos como Garaudy, René Dumont, Henri Lefèbvre, Edgar Morin e outros menos conhecidos, porque sussurraram as coisas mais em segredo para a galeria não ouvir. Porque ai daquele que, herege, se baldar da religião do crescimento. Nunca mais tem toca a que se aninhar.
Se o renascimento ecológico do planeta está hoje a realizar-se através de comunidades ditas laicas, também é um facto que as mais avançadas e duradouras, as mais enraizadas e radicais, são claramente de confissão religiosa, Nyima Dzong, nos Alpes, a Comunidade da L’ Arche fundada em França por Lanza dal Vasto, a cidade de Auroville, na Índia, fazem-nos compreender melhor porque é a Economia uma questão (de) Moral.
A ciência vai a reboque e descobre o que já estava descoberto desde o princípio do Mundo pela Sabedora Primordial Viva, a que alguns chamam Yoga. Tudo é energia. Tudo se liga a tudo. Na ordem do universo tudo é interdependente. A energia somos Nós. Nada se faz que não se pague.
Estes e outros aforismos de moral energética que se podem ler, em lista, num dos breviários do ecologista, provam que a ciência chega finalmente às banalidades de base que estavam inscritas no coração humano até ao momento em que a pulhice ocidental, nomeadamente europeia e nomeadamente lusitana, corrompeu quase todas as grandes culturas do mundo.
Por exemplo: o famoso controle cibernético é, afinal, a auto-regulação dos sistemas vivos, a que eles chamam um palavrão: homeostase. E por aí fora.
Quando os políticos se metem a legislar sobre questões morais, então, é um espectáculo chocante: ver-se como eles falam de objecção de consciência, é de fazer corar o diabo mais pornográfico.
Tentando mostrar que a questão ecológica é uma questão de vergonha na cara da gente que a tiver, andaremos nós a dizer, até que nos ouçam.
(1) Ernst Friedrich Schumacher, «Smal is Beautiful (Um Estudo de Economia em que as pessoas também contam)», Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1980
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(*) Este texto de Afonso Cautela, apesar de 5 estrelas, foi publicado
em «Crónica do Planeta Terra», jornal «A Capital», 8-8-1987

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