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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-06-05

5 DE JUNHO

1-6 - 73-06-05-ie> = ideia ecológica

AS COBAIAS DO BARREIRO E A AGONIA DE UM MÉTODO(*)

[(*) Transcrito do «Diário de Lisboa», 11 de Junho de 1973, este texto de Afonso Cautela, que o Afonso Cautela subscreveria com a mesma lata no dia de hoje, foi publicado no livro «Ecologia e Medicina», edição «Gazeta do Sul» (Montijo), 1977, por favor e gentileza do meu inesquecível e querido amigo Dr. Rocha Barbosa, a quem fiquei devendo mil
atenções ]
[22-06-1973, in «Diário de Lisboa»] - Lançada em grande força a campanha demagógica dos poluentes (com vista à industrialização dos antipoluentes), por iniciativa dos porta-vozes dos maiores poluidores, eis em marcha a manobra de distracção e adiamento que, ao lado de tantas outras, contribuirá definitivamente para afastar a já afastada opinião pública da verdadeira questão e consciência ecológica, que se não faz de poluentes e antipoluentes.

Pode afirmar-se assim e por isso que hoje a melhor forma de distrair as massas do Ecocídio é falar de poluentes. Assim se tem visto, lido e ouvido, ultimamente, em mesas redondas, artigos da Imprensa, audições radiofónicas e acima de tudo em polémicas lindas, cartas e contra-cartas, ora sobre taxas de toxicidade (um mar morto e podre que nunca se acaba de esgotar) ou de inquéritos, quer ad hoc quer epidemiológicos.

Todos sem excepção falam do «combate à poluição». Estes sofistas do século XX quando não «combatem», estão a «lutar contra» e, quando não combatem nem lutam, defendem, protegem.
«Defesa do meio ambiente», «protecção da Natureza» são as dominantes paternalistas (às vezes mesmo maternalistas) da terminologia usada nos telegramas das agências e nos artigos de fundo de eminentes pensadores do quotidiano que, entre nós, do dia para a noite, se investiram no papel de mentores de massas em matéria de Meio Ambiente.

Escusado será repetir que nunca ninguém sai (nem convém que saia) desse ciclo vicioso, pois lá se meteram todos, uns a pretexto apologético, outros a pretexto crítico.

Deter-me-ei hoje nos que descobriram agora a pólvora com os inquéritos epidemiológicos, os quais serão em breve e felizmente uma nova e alegre epidemia. Outra e também.

Medições e dosagens constituem um dos sofismas fundamentais em que assenta a estrutura do sistema, conforme largamente demonstrei no meu ensaio sobre Os Sofistas do Século XX.

Enquanto se mede, não se está obrigado a agir. Enquanto se inquire, folgam as costas! Enquanto se pesa e sopesa a célebre «poluição», vai-nos ela, já célebre, subindo do pescoço para os olhos, nariz e boca, até ao cocoruto. E quanto o fogo nos invade o rés-de-chão a gente prepara urna mesa redonda no primeiro andar para discutir se o fogo é de palha ou se de maravalha, «distinguo» importantíssimo para os planos de acção que hão-de seguir-se; e se há hipótese de o fogo nos chegar ao primeiro andar ainda antes do meio dia ou se só lá para as duas da tarde. Nesta última hipótese, como se verifica, ainda nos dará tempo de papar um lauto almoço.

O ruído tornou-se a peste que já ninguém comenta, de tão óbvia, as motoretas roncam desenfreadas e trasformam todos os interstícios do País num verdadeiro cano de esgoto de Ruídos, os cães chiam e ladram, os supersónicos abafam as conversas, o sono, a tranquilidade, qualquer hipótese de reflexão ou de pensamento, a construção civil invadiu desenfreada todo e qualquer espaço, enfim, o ruído é sem dúvida o causador de uma em cada cinco hospitalizações por loucura (asseveram estatísticas francesas mas como não há decibelímetros para confirmar a peste em decibéis e para demonstrar se o incêndio é na cozinha se na casa de banho, vamos tranquilamente e entretanto dormindo o soninho dos justos, ou repimpados fazer em paz a digestão do último almoço!)

Falei de estatísticas: eis o outro sofisma que se anexa sempre aos anteriormente referidos. Sem estatística, o sistema fica sem o melhor alibi para os seus crimes. E o inquérito epidemiológico busca a confirmação estatística do óbvio abuso para o desculpar como abuso e eventualmente como crime. Amortece o choque, digamos, pois de qualquer maneira, e embora a opinião pública esteja suficientemente cloroformizada pelos mass media que a servem, há que dar uma satisfação à opinião pública. Para isso são feitas as estatísticas, forma científica de mentir. Apenas

Claro que esse óbvio abuso (ou crime?) que se pretende mostrar pelo inquérito e demonstrar pela estatística, ficará indefinidamente em estado teórico; enquadrado numa «filosofia» terapêutica que teima e reteima na Sintomatologia ou na Profilaxia da vacina, metendo em tribunal os que defendem uma Medicina causal e ecológica, a pretexto de que são estes os charlatães...
Os resultados dos tais famosos inquéritos, se em si mesmo já valem menos do que nada, menos ainda valem se enquadrados nessa tal «filosofia» que teima e reteima em ir aos efeitos e nunca e jamais às causas, que sistematicamente rechaça o «terreno» para se aplicar sobre o vírus. Porque o vírus dá vacina industrializável e o terreno desemboca numa solução revolucionária das sociedades. É que para modificar o «terreno», há que mudar toda a estrutura e todo o sistema!

Se não, pergunto: depois do inquérito às populações infantis do Barreiro, que tencionam fazer? Um inquérito aos velhos do Seixal? Ou um inquérito aos intoxicados de Lisboa? Depois do inquérito, que se segue? Vão aumentar o número de chaminés? E de fábricas? Ou vacinar todas as crianças contra as emanações tóxicas?...

Quem não anda nisto desde ontem (data em que os jornais começaram a berrar poluição) sabe muito bem que os inquéritos, e todos os prognósticos e diagnós
ticos em geral, não têm outro propósito do que protelar e adiar, distrair e adiar, dilatar e enganar. Apenas têm uma vantagem, mostrar que a única Medicina progressista é ambiental e ecológica, e já que 90 %das doenças são doenças de Ambiente!

Mas para reconhecer isto, quantos anos demoraram? E será que já o reconheceram, até pelo menos às médias consequências disso? E quando o reconhecerem em teoria, quantos anos vão demorar a aplicar a teoria coerentemente na prática? Quer dizer, sem se proclamar por um lado uma coisa e desdizê-la logo a seguir ?

Para quem anda nestes tombos e enganos há muito, a famosa poluição tem apenas um mérito: revelar, sem contemplações, onde estão as contradições mortais de Sistema, os seus absurdos e sofismas.
O que não se quer reconhecer mas os inquéritos epidemiológicos fatalmente hão-de revelar, é de que toda a terapêutica do remedeio está errada! E de que se o problema por um lado é de erradicar ambientes contaminados e não doenças (endemias), por outro lado o problema é de aumentar as defesas naturais de crianças e adultos, em vez de as depauperar com vacinas, medicamentos e mais arsenal tóxico autorizado, ajuntar à lista de todos os tóxicos proibidos, ou semi.

O mérito dos inquéritos é não permitirem nunca mais (pelo menos sem que a contradição seja flagrantíssima) a demagogia de estar a dizer que se elimina por um lado o que se está autenticamente a fabricar por outro. Aceite o princípio (final e fatalmente) da causa ambiental para as doenças, há que seguir raciocinando até ao fim dentro desta lógica inflexível. Ambiente contaminado não é só o ar e não é só na vila do Barreiro. O inquérito epidemiológico terá de fazer-se a todos os ambientes e atendendo a todos os poluentes, que são centenas entre os não catalogados e milhares entre os catalogados...

Tão grave como a poluição da chaminé B na vila do Barreiro é, de um ponto de vista estritamente epidemiológico, o tipo de pensamento sofístico e respectiva terminologia de poluentes, antipoluentes, «defesa contra», «combate», «luta», quando não se trata de combater ou de lutar contra coisíssima nenhuma, porque se trata pura e simplesmente de fazer a revolução terapêutica que, evidentemente, equivale à mudança da sociedade desde os seus fundamentos, incluindo os mitos terminológicos que a Imprensa e seus responsáveis é a primeira a alimentar.

É ainda o sofisma numérico - o número estatístico, o inquérito ad hoc, o critério estritamente quantitativo para avaliar fenómenos qualitativos como são os da vida, da saúde e da doença - que explica uma notícia de Londres, onde se afirma esta coisa espantosamente cínica:

«Geoffrey Cowley, perito do meio ambiente do condado de Bedford, sugeriu uma solução romanesca para a poluição auditiva: isolamento das crianças.
« Ao falar numa conferência sobre o «controle» da poluição, 37 por cento dos inquiridos consideraram as crianças os principais fautores de ruído, seguindo-se o tráfego rodoviário, com 22 por cento e os aviões com 11 por cento. Para solucionar o problema, Cowley sugeriu que as crianças sejam isoladas de toda a gente, de modo a diminuir o barulho das cidades.»

Antes de retirar qualquer conclusão de ordem moral, que num caso destes muito importa tirar, para a gente saber finalmente a quem chamar assassinos ou advogados de defesa de assassinos, registemos apenas dados inertes:

- o senhor Cowley é «perito»: (há algum filho da mãe que não seja perito?);

- o senhor Cowley não se baseia em critérios subjectivos suspeitos mas recorre ao método objectivo do inquérito;

- o senhor Cowley deve pura e simplesmente ter escamoteado à partida os ruídos que não lhe convinham
que figurassem na lista final, porque além de objectivo, de perito e de científico é senhor muito sério e de boas famílias;

- o senhor Cowley é perito do ambiente no condado (é ou não a melhor forma de corromper a problemática Ambiente esta de ser perito ?).

Retiremos agora a esplêndida lição moral: os tais inquéritos ad hoc, mas objectivos que se fartam, provaram ser crianças o pior foco de ruído. Há aí alguém para pasmar? Ou está tudo rendido à infalibilidade da objectividade? De cães, não se fala (excepto quando se fala do senhor Cowley). Claro que a omissão é deliberada, se quisermos ler a notícia criticamente. E serve um objectivo preciso. Omitindo-se pura e simplesmente o ruído mais odioso do Orbe, salienta-se o ruído das crianças sobre as quais se transfere o odioso que deveria cair sobre os cães.

Obra-prima do cinismo, tinha de ser obra-prima do sofisma, este caso do senhor Cowley, semelhante àquele de que tive experiência própria: um dia bate-me à porta o vizinho de cima protestando contra o Mahler que nesse dia, propositadamente, à laia de teste, pus no máximo volume do pick-up, vizinho que diária, consecutiva, ininterruptamente enchia o prédio e as redondezas com o ladrar dos seus dois rafeiros de estimação com os quais dormia, sem falar de outros eflúvios que é costume exalarem-se deste tipo de gente.

Pois foi: o vizinho dos dois rafeiros protestava contra Mahler, como o senhor Cowley contra as crianças. Algo se passará aqui por acaso, ou o sofisma não é já hoje apenas um erro de raciocínio e antes (desde os crematórios) o melhor aliado nazi-fascista?

Poluição não é só questão de medição e vamos para casa todos satisfeitos com a soma. A problemática ambiente é fundamentalmente questão qualitativa (subjectiva se quiserem e sem que eu tenha nenhum medo à palavra) e dela só estão autorizados a falar os que se especializaram em qualidade: poetas, por exemplo, músicos, ou gente dessa que não serve para nada...
Ambiente não consente nem admite mãos mercenárias de senhores Cowley.
O Mahler pode atingir os 90 decibéis que não incomoda homens humanos e sensíveis, mas 20 decibeis de uma cadela histérica e desentoada, roufenha, estúpida como o dono, é para um homem fonte patogénica a radicalmente eliminar. É esta ordem, queiram ou não os medidores profissionais, venham os inquéritos que vieram a tentar provar que o ruído de uma criança é pior do que o ruído de um cão.

Não julguem os demagogos dos poluentes rolhar-nos mais uma vez a boca e o raciocínio com as suas máquinas de medir, as suas pesquisas de laboratórios com ratinhos, os seus diagnósticos e prognósticos, as suas estatísticas abstractas, os seus critérios aritméticos e numéricos, não julguem poder continuar desprezando sob os rótulos pejorativos de empírico e qualitativo o critério dos que efectivamente e unicamente podem fazer sondagens qualitativas sobre o que desta vez e finalmente se trata de avaliar: a qualidade da vida, que os profissionais da quantidade completamente degradaram.
Ah! não, não pensem que a ditadura continuará e se prorrogará até às calendas. As crianças do Barreiro, cobaias vivas das suas experiências in vitro, dos seus laboratórios de nazi-fascistas, saberão ainda a tempo quem eles são.

Forçados pelo escândalo das endemias, pelas situações de congestionamento e cul-de sac intoleráveis, pelos travões naturais, pela resistência instintiva e orgânica que os próprios indivíduos oferecem ao ecocídio e biocídio, ao etnocídio e genocídio, à vaga de terror e de sofismas com que a ciência coadjuva o terror político, económico, tecnológico, eis que os especialistas da quantidade se lançam nos inquéritos epidemiológicos, uma manobra mais de distracção e adiamento, porque não integrada no conjunto global que os explicaria e na cadeia causal que os tornaria coerentes.
Tomar determinada zona (e separá-la), determinado poluente (e separá-lo), é manobra isolacionista de confusão e adiamento, porque se há problemática que obrigue a uma constante visão de conjunto em função das partes e das partes em função do conjunto (e portanto uma teoria unitária do Todo) é exactamente o Ambiente. A Poluição torna a dialéctica inevitável, e inadiável.

Indagar se o ar (só o ar), do Barreiro (só do Barreiro) determina surtos endémicos nas crianças (só nas crianças), são três ordens de restrições amputantes que contrariam desde a raiz a metodologia ecológica.

Para só referir o capítulo dos poluentes, e na impossibilidade prática de enumerar aqui todos os milhares que estão catalogados, faço questão de apresentar uma amostra daqueles que normalmente não são indicados, os que não figuram nas listas clássicas dos poluentes porque à respectiva demagogia só interessa denunciar aqueles para os quais a indústria já preparou antipoluentes...

Já que gostam de listas em geral e de listas de poluentes em particular, pois aí terão material que muito os irá enriquecer. Segue em apêndice deste ensaio, para não quebrar o ritmo.

E que, como desencadeantes das doenças, além dos poluentes arqui-clássicos - micróbios do ar, água das torneiras, esgotos por acondicionar - há centenas de outras determinantes, entre as quais é justo destacar, porque se «esquecem» sempre, os próprios medicamentos e as doenças que de efeitos passam novamente a causas.

O que os inquéritos epidemiológicos vão de certeza ocultar é que entre os factores ambienciais desencadeantes de endemias devem contar-se as próprias doenças que, sendo efeitos, se tornam por sua vez causas de outros efeitos. Só o suicídio não é novamente causa de outros efeitos: é a única resultante final de todas as outras doenças.

Exemplo deste factor causa/efeito? As doenças nervosas em geral; ou as toxicomanias por drogas farmacêuticas.

No dia em que os autores de inquéritos incluírem entre os poluentes os medicamentos e as vacinas, cá estamos para acreditar. Até lá...

Forçados, pois, por certas evidências que se tornam escandalosas, alguns especialistas começam a falar de um reino «flutuante», outros referem uma certa realidade «ondulante» e outros ainda falam de «turbulência», e nem só a propósito da mecânica dos fluidos.

Teimando em usar métodos, instrumentos unicamente quantitativos não podem evidentemente abarcar: por um lado o carácter totalizante, movediço, maleável do fenómeno Ambiente (da Realidade) e por outro o seu carácter qualitativo. Isto só torna evidentemente explosiva a necessidade de um método dialéctico, quer dizer, revolucionário, que faça explodir por dentro os sofismas numérico-matemáticos.

Se o método se abalança a estudos epidemiológicos, correndo o risco de uma contradição mortal com as suas próprias e inamovíveis premissas sintomatológicas, reformistas, tenhamos a certeza de que o método está no último grau da sua ruína.
«Diário de Lisboa», 22/Junho/1973
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(*)Transcrito do «Diário de Lisboa», 11 de Junho de 1973, este texto de Afonso Cautela, que o Afonso Cautela subscreveria com a mesma lata no dia de hoje, foi publicado no livro «Ecologia e Medicina», edição «Gazeta do Sul» (Montijo), 1977, por favor e gentileza do meu inesquecível e querido amigo Dr. Rocha Barbosa, a quem fiquei devendo mil atenções.
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NO DIA MUNDIAL DO AMBIENTE - ECOLOGIA E REVOLUÇÃO

4-05-2001 - Não sei francamente o que dizer deste texto irremediavelmente datado (o auge do gonçalvismo) mas cheio de utopias e relâmpagos raros que continuam hoje, 27 anos depois, perfeitamente válidos. Era o clima do MFA e o entusiasmo «revolucionário» tudo justificava: até que, no meio das asneiras, se dissessem coisas acertadíssimas.
O facto de ter sido publicado, só se explica porque o jornal «O Século» era então o órgão dos gonçalvistas e aproveitava tudo o que cheirasse a esquerdismo anti-capitalista, até um artigo do Afonso Cautela que se chamava «Ecologia e Revolução». Nos folhetos da «Frente Ecológica» ainda se disseram enormidades maiores, mas a tiragem desses folhetos não ia além de 100 exemplares e ninguém os lia. Há textos ainda mais bombásticos do que este, nesses cadernos, mas não se expunham tanto ao ridículo porque ficaram praticamente inéditos.
Enfim, já que o passei no scanner, pois que fique por aí, como peça de arqueologia das ideias que não sei se valeria a pena exumar. Um aspecto é relativamente relevante: este «manifesto» apoiava-se num trabalho de reportagem sobre o mapa verde e negro de Portugal (as muitas reportagens que publiquei exactamente em «O Século») que, esse sim, valeria a pena ser exumado, já que as poluições contra as populações foi tema sucessivamente esquecido, até chegarmos à retórica da incineração.
Uma coisa é certa: este texto é um rico repositório de todos os neologismos que a fúria anarquizante do momento me faziam expelir pela esferográfica fora.



5/6/1975 - A estratégia apontada pela revolução cultural é a das alternativas contra os monopólios.
É a estratégia da imaginação criadora contra o imobilismo de tecnocratas e partidários empedernidos.
É a estratégia das soluções simples, práticas e de urgência, a estratégia da microeconomia, contra o alibi de que só os grandes planos macroeconómicos são capazes de resolver tudo, com soluções «gigantescas» que absorvem tempo, energia, dinheiro e capacidades, acabando por desembocar também e regra geral em gigantescos falhanços (pois, como a história não pára, os planos a longo prazo sofrem regra geral de miopia prospectiva, estando irremediavelmente ultrapassados quando chegam, se é que chegam, a ser postos em prática).
É a estratégia da socialização e do socialismo bioecológico, da descentralização comunitária, da autogestão anarcopacifista e anarco-sindicalista.
É a estratégia dos valores humanos sobrepondo-se intransigentemente aos valores materiais, da qualidade de vida sobrepondo-se à rendibilidade e à produtividade, da saúde pública acima dos interesses, lucros e tácticas particulares (indústrias privadas), do qualitativo acima do quantitativo, da vida acima dos números, do afecto acima da violência e dos conflitos ou atritos entre grupos, etc.
É a estratégia da simplificação e da imediata solução, porque é a estratégia da causalidade ecológica contra a sintomatologia reformista e reaccionária, da prevenção contra o remedeio de última hora, da antecipação prospectiva contra o facto inesperado e consumado, do debate franco e do diálogo aberto contra as tácticas do facto consumado a nível de cúpula.
É a estratégia da verdadeira economia (ecologia) contra as solicitações, tentações e armadilhas da sociedade do desperdício e da pilhagem, do lixo e do luxo, do supérfluo e do aleatório, sociedade do congestionamento também e por tudo isso.
Ao falarmos na estratégia da simplificação, é preciso não esquecer de que a complicabilidade é inerente, à sintomatologia reaccionária, à exploração e à manipulação do homem pelo homem; é preciso nunca nos esquecermos de que os exploradores e privilegiados vivem dessa «complicabilidade», vivem do aleatório e do inflacionário que lhes é inerente, vivem do congestionamento e das pseudo-soluções «fabricadas» para o combater (sic), vivem da multiplicação de doenças (sociais e individuais) e de «sintomas» patogénicos; é preciso nunca nos esquecermos de que é no ciclo vicioso do poluente e do antipoluente que radica a infernal máquina da sintomatologia nazi-fascista, reaccionária, contra-revolucionária.
Porque: só a casualidade ecológica é revolucionária.
É a estratégia da investigação fundamental, desde que se revolucione, desde a base, o conceito de investigação e de pesquisa científica, mormente no capítulo das ciências humanas, que a ecologia veio repor no grau zero: a investigação fundamental, neste momento, diz respeito à crise ecológica mundial e à maneira global de lhe fazer frente.
Uma estratégia da investigação «científica», mas não ao serviço da proliferação cancerígena da hiperespecialização de matérias e tarefas, não ao serviço da sintomatologia capitalista e consequente congestionamento (de dados, informações, ciências, serviços, especialidades, burocracias, etc), não ao serviço de interesses, lucros e indústrias monopolistas; uma estratégia fundamental que, evidentemente, não se limite a reciclar detritos e dejectos, mas que pratique a reconversão total da sociedade do desperdício numa autêntica sociedade do equilíbrio, da economia e da sabedoria ecológica.

ECONOMIZAR - ESTRATÉGIA GERAL EM TODOS OS SECTORES DA REVOLUÇÃO

Se se fala de economizar energia, é preciso generalizar esse princípio a todos os sectores vitais, para a sobrevivência portuguesa e planetária.
Não é só energia o que precisamos de poupar, reconvertendo todos os nossos hábitos individuais e nacionais, impondo a nós próprios uma autodisciplina voluntária de gastos supérfluos.
Também precisamos de poupar tempo, palavras, energias, gente, trabalho.
Também precisamos de poupar papel, para que as fábricas de celulose não continuem hiperpoluindo irremediavelmente rios e águas, e também para evitar que se continuem destruindo florestas e matas pelo mundo fora.
Também precisamos de poupar cimento, de proibir que se destruam arbitrariamente e por força da lei capitalista, casas e prédios que podiam perfeitamente servir: para que se poupe ao martírio das poeiras silicóticas muitos trabalhadores, mas também populações inteiras como a da Maceirinha, freguesia de Maceira, onde 10 mil pessoas sofrem, há cinquenta anos, o flagelo do cimento.
Também precisamos de poupar energias humanas e tempo, tornando os cursos de formação profissional menos compridos e complicados, mais práticos e menos teóricos, vencendo os mitos do hipertecnicismo, vencendo a inércia e a preguiça dos hábitos ancilosados.
Precisamos de poupar alimentos, não só porque há milhões de crianças no Mundo a morrer de fome, não só porque no mundo capitalista se antevê também uma crise de alimentos, mas também porque, no Globo, as reservas alimentares, como aliás, as reservas de todos os bens indispensáveis à vida são esgotáveis e estão em vias de esgotar-se: e para poupar alimentos, há que abrir os olhos com lucidez, em vez de estupidamente os fechar, às alternativas alimentares, aos regimes e dietas de equilíbrio e racionalidade.
Precisamos de poupar a saúde das populações - porque na saúde de um povo está o seu melhor e mais seguro «seguro de vida» - e manter a saúde em vez de combater a doença; para isso, é toda uma estratégia ecológica a pôr em prática, contra as tácticas de «combate à doença», é todo um condicionalismo ambiental da saúde a criar contra as tácticas de morte e «fábricas de doenças», que são os ambientes industrializados ou infradesenvolvidos.
Precisamos de poupar horas de trabalho e por isso não podemos dar-nos ao luxo de que as gripes produzam absenteísmos catastróficos; contra um modelo alimentar provocador de carências e desequilíbrios e que expõe a saúde pública aos riscos banais de uma gripe, como se fosse a arma mais mortífera - é necessário apontar a verdadeira estratégia preventiva, a verdadeira profilaxia (alimentar) contra as falsas e criminosas profilaxias da vacina (sintomatológicas, reaccionárias).
Precisamos poupar tempo e por isso urge uma verdadeira campanha nacional contra os empatocratas e as empatocracias.
Precisamos de poupar o futuro, e a fé no futuro, e por isso não podemos desiludir as novas gerações com modelos económicos ultrapassados, com imagens viciadas de experiências falidas, de sofismas e mitos, e erros que só os que com eles negoceiam (lucram), teimam em manter vigentes.
Precisamos de poupar mão-de-obra e, por isso, é necessário não desperdiçar braços, inteligências, capacidades, impedindo que emigrem, que estagnem, que fiquem no limbo dos esquecidos e dos colonizados. Só vencendo a mitologia do «especialismo», se pode pôr a trabalhar em termos do máximo rendimento humano e revolucionário um povo que espera.
Precisamos de poupar homens, criando brigadas de «revolucionários» profissionais. Brigadas de boa vontade. Brigadas cívicas.
Precisamos poupar capacidades, não deixando abandonados e no gueto os autodidactas, os que se fizeram à sua custa, os sem diploma, os sem «curriculum» e sem cunhas. É necessária uma verdadeira campanha nacional de redescoberta e aproveitamento de valores.
Precisamos poupar até o que se deita fora. Na China Popular, as técnicas de reciclagem de detritos atingiram um grau extraordinário de vigência e perfeição.
Trata-se, em Portugal, e na Revolução Portuguesa, de compreender até que ponto o lixo é uma fonte de riqueza, uma «matéria-prima», uma disponibilidade potencial a exigir de nós imaginação para a reciclar, para a recriar, para nos reconduzir a uma efectiva, total e realista política de poupança, a uma política de economia... económica.

IMAGINAR SOLUÇÕES ALTERNATIVAS PARA VENCER O DESEMPREGO

O capitalismo oscila entre o engodo e a chantagem.
Por um lado, ao implantar unidades industriais hiperpoluentes e que vão, por norma, corromper o equilíbrio biológico e ecológico da região, acena com os postos de trabalho (dezenas, centenas, milhares) que promete ao povo da região.
Mas, por outro lado, quando o povo começa a sentir que lhe chovem pós tóxicos, dia e noite, em cima de casa, que não pode respirar, nem comer, nem beber, nem dormir, a fábrica joga com o argumento/chantagem que é: ou o povo aguenta a poluição e paga, em saúde, segurança e sobrevivência um alto preço pelo benefício do emprego, ou então arrisca-se a ficar sem (a escravidão do) emprego.
Haja em vista que o capitalismo só alega com e alude ao «perigo do desemprego» quando são potenciais razões ecológicas que podem estar eventualmente na sua base.
Quando se verificam vagas de desempregados por motivos de recessão económica, que têm directamente a ver com as crises do capitalismo e a crise do capitalismo com a crise de energia que o capitalismo «inventou» e por outras crises, nessa altura não se preocupa e limita-se a dar o facto do desemprego epidémico como consumado.
Ora o que o trabalhador tem a fazer é tomar uma de duas vias: ou faz a revolução, liquida o capitalismo e com ele as vagas cíclicas de desemprego que lhe são inerentes; ou inventa formas de luta que, mesmo dentro do capitalismo permitam dar ocupação a todas as pessoas, ocupação compatível económica e ecologicamente não só com os interesses de ócio e trabalho de cada qual mas com os interesses da região e os direitos do meio ambiente preservado dessa região.
O que o trabalhador tem a fazer é não desligar o seu direito ao trabalho do direito a um habitat (casa, rua, vila, aldeia ou cidade, campo ou praia, serra ou planície) habitável na sua globalidade.
O que o povo trabalhador tem de fazer é aliar-se ao militante das alternativas, que trabalha (também) para dispensar os monopólios, antes mesmo de o movimento histórico os liquidar (os monopólios) pela revolução de massas.
O que a revolução ecológica preconiza é um habitat saudável para já e uma saudável ocupação, para já também.
Não há argumentos económicos que possam sobrelevar os ecológicos, não há argumento quantitativo que possa e deva absorver, estrangular, asfixiar, adiar o argumento da qualidade (de vida).
Se queremos «o aumento acelerado da qualidade de vida dos portugueses» - como proclama e muito bem o Programa do MFA - esse aumento acelerado faz parte integrante de um processo imaginativo que dispensa as soluções mecânicas e de rotina com que se pretende dar solução ao desemprego crescente.
Se há um povo a educar, se há um solo que necessita de braços e de afinco, de trabalho e de luta, se há crianças a educar e adultos a reciclar, se há velhos e reformados vivendo na mais feroz e absoluta pobreza envergonhada, na mais absoluta solidão, no abandono mais total, se há, no campo das actividades não clássicas e até agora não integradas nos esquemas do capitalismo predador, tanto a fazer , - o que o Movimento Ecológico preconiza, para ocupar os portugueses sem ocupação, são as actividades prementes e prioritárias da nossa própria sobrevivência, a reconversão imediata de algumas indústrias e, principalmente, a reconversão das indústrias em actividades humanamente e directamente produtivas.

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(*) Publicado no jornal «O Século», 5/6/1975 (Dia Mundial do Ambiente)
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1-3 - 80-06-05-ie> = ideia ecológica - sexta-feira, 3 de Janeiro de 2003-scan

O 5 DE JUNHO DE 1980 NA FUNDAÇÃO GULBENKIAN (*)

[5 DE JUNHO DE 1980]

Quando se quer iludir o inimigo principal com inimigos secundários, funciona a 100% o eufemismo: e temos a palavra "agressões ambientais" para designar o que são pura e simplesmente crimes.

Aliás, o velho eufemismo "poluição" para significar a "Merda" em português de lei, dá indícios de como o técnico aborda os assuntos. Com luvas.

Tratando-se do estuário do Tejo (mais uma vez!) para justificar os lindos estudos com patrocínio da UNESCO, é preciso afirmar que nada se sabe desse ignorado Rio. A gente chega a não saber se ele se chama Tejo e se corre para o Atlântico.

Embora o Dr. Antunes Dias, in extremis, tivesse lembrado que uma coisa é a "correlação específica" entre causa e efeito - que nem sempre se poderá delimitar com rigor - e outra coisa é saber-se a priori que determinadas causas têm necessariamente determinados efeitos (nefastos), a ladaínha continua.

"Não se conhece o input do montante fluvial - diz um engº - não se conhece o que se passa do lado do mar, não se conhece o que há de esgotos industriais."

Quando são todos a poluir para o mesmo penico, é difícil (é impossível) saber o que polui mais e o que polui antes do outro. Isto ajuda muito, claro, a não se poder provar que A, B e C são os culpados de X,Y,e Z, respectivamente. Mas não isenta A,B e C de serem, antes, durante e depois culpados.

Quando não se quer apontar o inimigo principal, é vê-los e ouvi-los, técnicos e especialistas, por esses colóquios além, inventando terríveis inimigos da civilização e do Meio Ambiente.

Tais como: as folhagens rasteiras das florestas, por exemplo, seriam as "culpadas" dos incêndios..

Isto porque o contarelo de fadas do pirómano maníaco já estava, pelo inverosímil, a atingir as raias do grotesco e do ridículo: desistiram do piro-maluquinho da área, mas falam agora da folhagem rasteira ou das pontas de cigarro.

Se formos para a tragédia fluvial chamada "estuário do Tejo", é ver os engenheiros, arquitectos, ornitologistas, paisagistas, inventando os inimigozinhos:

o caçador que não distingue as espécies protegidas das espécies a abater;

o pescador de tapa-esteiros do Montijo, que usa rede de malha estreita e é "culpado" de dizimar o peixe do Rio;

o professor primário que ensina as crianças da escola a não gostar de formigas e a não ter amor pelas avezinhas.

Mas as "salinas" e "marinhas" - quase todas em extinção - também aparecem a estes "ecólogos" de colóquio como um incalculável prejuízo para o ambiente e a paisagem. Quem sabe se não serão as salinas "culpadas" seculares de o peixe no Tejo estar morto?...

O empreiteiro que não respeita o moinho de marés como relíquia da arqueologia industrial (viva o património, agora que está na moda!) e decidiu construir sobre um deles, no Seixal, foi também lembrado pelo eng.º Bettancourt como terrível desfeador da paisagem e predador do património.

Uma "atomização" de 1800 pequenas e médias indústrias só em Lisboa – claro! - quem não vê aí uma ameaça terrível, comparativamente aos gigantes da Petroquímica, da Quimigal, da Lisnave?

O DIA MUNDIAL DO AMBIENTE VISTO DO BRASIL

"Gazeta de Cotia", jornal que se publica nesta povoação dos arredores de São Paulo (Brasil), a propósito desse Dia Mundial do Ambiente que foram os próprios destruidores dele a inspirar, escrevia estas palavras de antologia:

" A sociedade em que vivemos caracteriza-se por um desprezo total por tudo o que não é dinheiro. A minoria que possui esse dinheiro arroga-se o poder para tudo decidir, explorando no dia-a-dia o trabalho da maioria, de forma que, no mais curto espaço de tempo, lhe garanta a maior acumulação de riqueza.

" Assim, decidindo de tudo, explora o que na Natureza é susceptível de dar dinheiro, já, a curto prazo, sem pensar nas consequências do futuro, sendo-lhe indiferente a segurança dos trabalhadores, a saúde da população, o esgotamento das matérias-primas, das fontes de energia, da terra pela agricultara industrial, de todas as coisas que não são infinitas.

"O mesmo acontece com a ciência e a técnica em que especialistas são pagos para que investiguem apenas o que interessa aos senhores de hoje, e realizem investigações técnicas que contribuem cada vez mais para dar cabo do nosso ambiente:

1 - as cidades crescem enorme e desordenadamente, originando problemas de habitação, saneamento, poluição, ficando as populações dos campos cada vez mais isoladas;

2 - as terras vão sendo esgotadas com adubos químicos e insecticidas que envenenam lenta e progressivamente os seres vivos e os homens;

3 - a vida de rios e mares vai sendo destruída pelo lançamento de detritos e lixos provenientes de indústrias e aglomerados urbanos;

4 - a utilização de técnicas cada vez mais complicadas que só podem ser utilizadas por uma minoria especializada, impede que a maioria da população intervenha na resolução dos seus problemas.

Exemplo típico: instalação de um polo nuclear no eixo Rio - São Paulo, decisão esta que fatalmente contraria o interesse do povo

a - representa um perigo real para a saúde (leucemia, câncer...);

b - mata toda a ictiofauna da região;

c - é antieconómica, pois que a energia fornecida por hidroeléctrica é bem mais barata.

d - é contrária à independência nacional, já que o urânio terá que ser enriquecido noutros países, e toda a tecnologia é importada;

e - ao fim de 20 anos será inutilizada, ficando um enorme foco de radioactividade que durará milhares de anos.

f - orienta por tudo isto o nosso futuro, fechando as possibilidades que o povo poderia ter um dia de controlar a técnica, criar uma sociedade harmoniosamente desenvolvida em todas as regiões, gerir efectivamente a organização da vida colectiva, e estabelecer relações com a Natureza que não sejam de destruição e exploração.

Aqueles que decidem e optam por tais tecnologias são os mesmos que criam um dia mundial do ambiente. Para quê? Para encobrir a destruição que praticam ao longo dos outros 364 dias?

Para apunhalar directamente a Natureza, emporcalhando o Mundo?
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(*) Este texto de Afonso Cautela terá ficado inédito no ano de um projecto não concretizado: Agência de Informação Ecológica e em que o autor colaborava nos jornais: «Voz do Povo», «Jornal de Anadia», «Barlavento»
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1-3 - 73-06-05-ie-mk> terça-feira, 3 de Dezembro de 2002-scan

TRISTES RECORDAÇÕES DE UM DIA MUNDIAL(*)


[73-06-05] - Entre os vários e distintos oradores que, por dever de ofício, tive ensejo de ouvir e devidamente apreciar durante as comemorações do Dia Mundial do Ambiente, em 1973, o Dr.. Arnaldo Sampaio, Director-Geral de Saúde, foi o único a deixar-me optimista. O único que não desiludiu a esperança de alguma coisa se ir modificar na mentalidade com que temos vindo a proceder em relação à vida e aos fenómenos da vida, na sua inter-relação complexa com o Ambiente.
Se até aqui a mentalidade dominante o que fez foi separar os dois mundos - Ambiente a um lado, Homem a outro - a grande reviravolta consiste precisamente em recusarmos essa separação e com a Ecologia reformularmos tudo de novo à luz dessa indissolúvel unidade.

Mau grado o «absoluto optimismo» com que Monsieur Philippon (orador convidado às comemorações e alto funcionário do Ministério do Ambiente francês) classificou a política do seu País nesse domínio, mau grado a Era ecológica a que ele se referiu e à completa mutação de consciência em que os últimos acontecimentos nos mergulharam, a mentalidade que verificamos ainda existir em certos especialistas (que continuam profundamente empenhados na separação abismal dos dois mundos - Ambiente e Homem, a pretexto de objectividade científica), abordando com uma cínica calma aquilo que eles próprios minimizam sob a designação de «poluentes» para aqui e de anti poluentes para acolá, deixou-me verdadeiramente aterrado, mais do que surpreendido.
Evito citar nomes dos que mais me aterrorizaram, esperando apenas que essa raça de técnicos míopes que nos conduziu ao caos actual não continue a prevalecer e que o seu especialismo, o seu dogmatismo dito científico, a sua « objectividade» que é apenas escapismo e desculpa para não enfrentar de frente e na globalidade os problemas que só existem globalmente e para se furtarem aos compromissos de uma ideologia radical, - estejam em vias de desaparecer, trucidados pelos acontecimentos. De contrário, são eles quem nos conduzirá definitivamente ao charco; precisamente porque nada mudou na mentalidade que lá nos conduziu, antes pelo contrário.

Levar uma noite inteira, perante uma assembleia que, inquieta, espera notícias claras e urgentes sobre o Apocalipse ecológico, a discutir mecânica de fluidos, dispersão de efluentes, taxas máximas admissíveis de toxicidade, até onde e como se pode poluir o resto que resta desta imundície toda, deixa francamente pessimista e desesperado o mais pintado.
Perante uma tal minúcia de poluentes, quem pode acreditar numa alternativa inteligente e humana, numa saída possível para este impasse de porcaria em que já estávamos mas onde se empenham em nos afundar ainda mais?
Se alguma coisa tem demudar e de raiz e depressa é esta microcefalia dita científica, o coisismo técnico, a soberba dos computadores que podem, sabem e querem tudo.
Se alguma coisa tem de mudar é esta esperança cega no computador e de que só ele resolve o que a inteligência e a imaginação do homem nunca poderão, porque os computadores nos classificam de empiristas e de cálculos qualitativos. É o cúmulo!

Se a polémica tem de estalar, pois que seja aqui e já, nesta antinomia de base: ecologia contra poluentes. Quem está de um lado, não pode estar do outro e reciprocamente.

Voltando à exposição do Dr. Arnaldo Sampaio, um dos poucos oradores além do Eng.. Correia da Cunha e do Dr. Marcelo Rebello de Sousa, onde se vislumbra o desejo, embora inseguro, de mudar, frisou, ele suficientemente que já hoje é universalmente admitida a causalidade ambiencial no desencadear da doença.
Segundo os neo-hipocráticos, essa tese já vem de Hipócrates... e ontem como hoje a tese de que 90 %. das doenças são doenças de Ambiente, não constitui surpresa em si mesma. Surpresa foi, para mim, ouvi-la na boca de um técnico a quem está confiada em Portugal Continental a Direcção-Geral de Saúde, e portanto a Medicina Alopática ou Sintomatológica que, por definição, se opõe a Medicina causal, ambiencial ou ecológica.

Entre os factores ambienciais da doença não é desdenhável o factor medicamentoso, assim como o alimentar (indústria alimentar) e aquilo a que se podem chamar os « alimentos» ou o «consumo provocante» próprio das sociedades de consumo: marijuana, tabaco, chá, café, estimulantes, açúcar, alucinogéneos, estupefacientes, etc

Por certo que o Dr. Arnaldo Sampaio não levou tão longe as suas ilações, mas o que eu pretendo ao tomar a liberdade de as tirar é justificar o meu optimismo, a partir do momento em que vejo, num alto posto da Saúde Pública em Portugal, finalmente admitida a tese mais humanista e mais progressista deste século: a génese ambiencial da Doença. Só não compreende o alcance verdadeiramente fantástico dessa tese quem não possua, mesmo rudimentar, uma teoria geral do Ambiente.

Diga-se, em abono da verdade, que entre os muitos e ilustres oradores do Dia Mundial do Ambiente, também não vislumbrámos que houvesse tal teoria para lá de um pragmaticismo bastante rudimentar e empírico... Esse, sim, empírico.

Sem tal teoria, porém, não há Ecologia nem se abre a porta da tal «era ecológica» de que falou Jean Baptiste Philippon. «A história do ambiente confunde-se com a história do Mundo».
É verdade, mas há que aplicar sempre e em todas as circunstâncias essa extraordinária verdade! Sem ela, sem uma teoria geral do Ambiente que é uma teoria geral da «civilização» onde temos o azar de estar, nada mudará. Porque só muda algo ao nível da estrutura, da raiz. E a estrutura, a raiz é, neste caso, o sistema de mitos a substituir, a alterar, a revolucionar!

O alibi estatístico, o alibi do especialismo, o alibi da tecnicidade e da objectividade, o alibi da ciência a um lado e da ideologia a outro, o alibi da infinita divisão das ciências (a cada um sua especialidade e a responsabilidade para nenhum), enfim, os alibis que cuidadosamente se encontram sumariados, um a um, nuns ensaios de gaveta que talvez sobrevivam ao apocalipse, são os sintomas infelizmente seguros de uma mentalidade retrógrada.

Aos que verdadeiramente querem definir posição é aqui que têm de a definir. O que se prepara com tais alibis, o que se pretende preparar é um mundo onde o terror deste esteja apenas computarizado, é um mundo onde os índices de toxicidade dos poluentes sigam aumentando, matando, adoecendo, sufocando populações, enquanto sobre os cadáveres e os doentes e a vida, os especialistas - talvez de máscara aperrada ao focinho - continuam medindo, medindo, medindo, discutindo acesamente os índices máximos admissíveis, cujas tabelas ainda por cima dizem cada uma o seu e como já se assistiu recentemente em semanário de prestígio, a propósito dos índices que um disse do ar do Barreiro e o outro veio rebater, levando nisso até de manhã!

Ou recusamos este tipo de polémica suicida sobre os nossos cadáveres, sobre a doença dos nossos filhos e sobre a morte institucionalizada porque os computadores a determinaram, ou teremos de facto direito a que nos façam, sob o alibi do número, sob o alibi da ciência, sob o alibi da matemática, sob o alibi do cálculo, sobre o alibi dos computadores (todos espertíssimos e bons rapazes) o lindo funeral em que estão empenhados e que já começaram a fazer-nos.

Sofistas do século XX, devemos saber que estes necrófatas têm resposta para tudo: menos para a posição radical de recusa aos seus dejectos mentais, se começarmos e acabarmos por em bloco os rejeitar Ou eles, ou a vida: eis a escolha, o embaraço da escolha!
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(*) Este texto de Afonso Cautela, que o Afonso Cautela subscreveria com a mesma lata no dia de hoje, foi publicado no livro «Ecologia e Medicina», edição «Gazeta do Sul» (Montijo), 1977, por favor e gentileza do meu inesquecível e querido amigo Dr. Rocha Barbosa, a quem fiquei devendo mil atenções.
(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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dgac-1> diario geral de ac muito pessoal DIÁRIO PARTICULAR

5/6/1996

ABSTENHAM-SE, MENINOS:MAS NÃO SE ABSTENHAM DE CONSUMIR

Lisboa, 5/6/1996 - Quando em 1969 publiquei, na colecção «Cadernos do Século», o primeiro dossiê ecológico que apareceu em Portugal, e por isso fui apelidado de fascista perigoso, ninguém, evidentemente, iria acreditar que, em 5 de Junho de 1996, os jornais proliferassem de anúncios , com proliferantes escolas que dão proliferantes cursos de ciências do ambiente, educação ambiental, protecção do ambiente, ordenamento do território, saneamento básico.
Isto, claro, no meio de proliferantes matérias que muito contribuem
para a proliferante destruição do ambiente,
para desordenar o território
para extinguir as espécies
para cometer constantes atentados ao equilíbrio ecológico
Como, por exemplo,
barragens e superbarragens
ciências químicas
engenharia
engenharia civil
finanças
gestão empresarial
international business
marketing
reengenharia
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