ENERGÍVOROS 1979
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OS ENERGÍVOROS
30/5/1979 - O que foi decidido terça-feira, 22 de Maio de 1979, no final da reunião dos vinte países da Agência Internacional de Energia, toca quase o surpreendente.
O que foi decidido daria, pelo menos, para queimar vivo qualquer contestatário que, aqui há um ano ou dois ou cinco, ousasse levantar a voz para dizer que não havia nem haverá outra maneira senão «poupar energia».
Pois bem: não só a AIE decidiu que todos os países reduzissem os seus consumos de petróleo em 5 porcento, como lança uma vintena de projectos visando explorar e requintar, até à técnica mais sofisticada, todas as eco-energias, não só solar, o que seria mais do que evidente, mas geotérmica também e expressamente. Sabendo nós que solar é uma maneira eufemística de dizer, ao mesmo tempo, solar propriamente dita e todas as suas (indirectamente) derivadas, temos que a AIE preconiza as ondas, o vento, o biogás e as marés como energias que os vinte países se irão afincar em produzir.
Será que ainda mandam cães para perseguir o ecologista?
Será que não pestanejam sequer ao adoptar precisamente as linhas mestras dos planos energéticos de transição há muito propostos por todos os movimentos ecologístas ou apenas pelas pessoas de bom senso?
Será que nem sequer confessam que plagiaram tudo?
Tudo - menos uma coisa, ponto da reviravolta que define ecologismo e o distingue de todas as suas contrafacções. Tudo menos o modelo de desenvolvimento no qual todas essas (novas) tecnologias e fontes de novas energias se terão de integrar.
É evidente que para os países da AIE, que consome dois terços do petróleo do mundo não comunista, o caminho será adoptar as técnicas e as tecnologias, deixando o sistema ou modelo exactamente na mesma. E teremos assim um capitalismo moribundo, caquético, explorador, alienante, entoucado com as últimas maravilhas das eco-técnicas e das eco-energias. Tudo isto, sem cair em mortal contradição.
Ao sistema tudo é possível: ele é capaz de digerir pedras. E, desta feita, enquanto afina os processos de extracção do petróleo, para levar ao máximo rendimento as restantes pinguinhas dele, enquanto regressa em cheio ao carvão e preconiza mistura carvão-petróleo para caldeiras e centrais de energia eléctrica, enquanto diz uma ténue palavra sobre a «barraca» nuclear, ei-lo «atacando» o campo completo do ecologismo energético. Roubando à descarada. Copiando e plagiando sem moral nem tino.
É assim: e por cá, entre nós, tudo se apronta para repetir o esquema: os eco-tecnocratas já perceberam que podem pintar a fachada do decrépito capitalismo com as soluções ecológicas, de modo a que no fundo nada mude e tudo permaneça igual.
Com a vantagem, para os capitalistas, de assim viverem mais tempo.
É o grande perigo das eco-tácticas desligadas de uma eco-estratégia ou modelo global de eco-desenvolvimento: vai permitir ao moribundo sistema do desperdício e da destruição durar mais tempo.
É o grande perigo genialmente denunciado por Murray Buckchin, e que «ataca» agora numa grande frente de técnicos solares, por aí, com os ecologistas todos em retirada, pois nada têm agora a fazer, recolhidos que foram os cães-polícia às canelas, a pedido dos energívoros senhores que na Europa, em Portugal, continuam assolando-nos e gritando: vamos gastar muito, muito, muito e construir portanto muita central que tal consumo satisfaça.
Chama-se a isto a triunfal entrada de Portugal no Mercado Comum, na Europa que, reunindo agora em Paris, resolveu abdicar de ser Europa e passar à defensiva adoptando, ponto por ponto, o programa energético dos ecologistas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «Correio da Manhã», 30/5/1979
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OS ENERGÍVOROS
30/5/1979 - O que foi decidido terça-feira, 22 de Maio de 1979, no final da reunião dos vinte países da Agência Internacional de Energia, toca quase o surpreendente.
O que foi decidido daria, pelo menos, para queimar vivo qualquer contestatário que, aqui há um ano ou dois ou cinco, ousasse levantar a voz para dizer que não havia nem haverá outra maneira senão «poupar energia».
Pois bem: não só a AIE decidiu que todos os países reduzissem os seus consumos de petróleo em 5 porcento, como lança uma vintena de projectos visando explorar e requintar, até à técnica mais sofisticada, todas as eco-energias, não só solar, o que seria mais do que evidente, mas geotérmica também e expressamente. Sabendo nós que solar é uma maneira eufemística de dizer, ao mesmo tempo, solar propriamente dita e todas as suas (indirectamente) derivadas, temos que a AIE preconiza as ondas, o vento, o biogás e as marés como energias que os vinte países se irão afincar em produzir.
Será que ainda mandam cães para perseguir o ecologista?
Será que não pestanejam sequer ao adoptar precisamente as linhas mestras dos planos energéticos de transição há muito propostos por todos os movimentos ecologístas ou apenas pelas pessoas de bom senso?
Será que nem sequer confessam que plagiaram tudo?
Tudo - menos uma coisa, ponto da reviravolta que define ecologismo e o distingue de todas as suas contrafacções. Tudo menos o modelo de desenvolvimento no qual todas essas (novas) tecnologias e fontes de novas energias se terão de integrar.
É evidente que para os países da AIE, que consome dois terços do petróleo do mundo não comunista, o caminho será adoptar as técnicas e as tecnologias, deixando o sistema ou modelo exactamente na mesma. E teremos assim um capitalismo moribundo, caquético, explorador, alienante, entoucado com as últimas maravilhas das eco-técnicas e das eco-energias. Tudo isto, sem cair em mortal contradição.
Ao sistema tudo é possível: ele é capaz de digerir pedras. E, desta feita, enquanto afina os processos de extracção do petróleo, para levar ao máximo rendimento as restantes pinguinhas dele, enquanto regressa em cheio ao carvão e preconiza mistura carvão-petróleo para caldeiras e centrais de energia eléctrica, enquanto diz uma ténue palavra sobre a «barraca» nuclear, ei-lo «atacando» o campo completo do ecologismo energético. Roubando à descarada. Copiando e plagiando sem moral nem tino.
É assim: e por cá, entre nós, tudo se apronta para repetir o esquema: os eco-tecnocratas já perceberam que podem pintar a fachada do decrépito capitalismo com as soluções ecológicas, de modo a que no fundo nada mude e tudo permaneça igual.
Com a vantagem, para os capitalistas, de assim viverem mais tempo.
É o grande perigo das eco-tácticas desligadas de uma eco-estratégia ou modelo global de eco-desenvolvimento: vai permitir ao moribundo sistema do desperdício e da destruição durar mais tempo.
É o grande perigo genialmente denunciado por Murray Buckchin, e que «ataca» agora numa grande frente de técnicos solares, por aí, com os ecologistas todos em retirada, pois nada têm agora a fazer, recolhidos que foram os cães-polícia às canelas, a pedido dos energívoros senhores que na Europa, em Portugal, continuam assolando-nos e gritando: vamos gastar muito, muito, muito e construir portanto muita central que tal consumo satisfaça.
Chama-se a isto a triunfal entrada de Portugal no Mercado Comum, na Europa que, reunindo agora em Paris, resolveu abdicar de ser Europa e passar à defensiva adoptando, ponto por ponto, o programa energético dos ecologistas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «Correio da Manhã», 30/5/1979
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