NUCLEAR 1986
1-4 - domingo, 19 de Janeiro de 2003 - chernobyl-2> os dossiês do silêncio
TECNO-TERROR NUCLEAR EM CENA O DIABO NÃO DORME (*)
«Não houve reacção em cadeia em Chernobyl.» (Mas se tivesse havido? E quando houver?)
«Sacos de areia, chumbo e boro foram atirados de helicóptero.» (Quem seria o humano, mesmo da melhor defesa civil do mundo, capaz de se chegar às radiações?)
10/5/1986 - Chernobyl agora é que paga as favas todas. Não é justo.
Radioactividade que se detecte a mil ou cem mil quilómetros, é logo atribuída ao desastre ocorrido em 26 de Abril de 1986, na União Soviética, a 120 quilómetros de Kiev.
Não é justo mas compreende-se. Dado o alarme e todo o mundo se põe a farejar os roentgens a mais por minuto, de contador Geiger em punho.
Resultado: como andam à procura, encontram. Aliás, fala-se das percentagens registadas relativas ao nível «normal», mas não se diz que «nível normal» é esse: há muito que se sabe que em matéria de radiações, não são os níveis ou doses menores só por isso e por si, menos graves.
Em muitos locais, não encontram agora mais do que encontrariam antes de Chernobyl. Só que, agora, dado o alarme, é que se lembram de ir cheirar, de ir medir...
Esta história faz lembrar a outra: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
E ALMARAZ?
De singular e inédito, em mais este acidente com reactores nucleares, apenas o facto de a notícia ter transpirado para a opinião pública mundial e de a agência noticiosa soviética Tass ter confirmado o acidente, embora sem adiantar pormenores.
De resto, os acidentes em centrais nucleares entraram há muito na rotina (e, portanto, no silêncio das agências de informação). A comprovar a «banalização» do fenómeno está o silêncio que, na península Ibérica, tem rodeado e continua a rodear o caso da central nuclear de Almaraz, debruçada sobre o rio Tejo, onde despeja resíduos radioactivos, a 200 quilómetros da fronteira portuguesa.
A Associação Amigos da Terra, em comunicado de há poucos dias, chamava a atenção para a «falha no sistema de refrigeração da Central Nuclear de Almaraz», o que pode dar um acidente semelhante ao que acaba de acontecer na UniãoSoviética, ou ao que deu brado, em 1979, nos Estados Unidos, com a Central Nuclear de Three Mile Island (Pensilvânia).
Como não podia deixar de ser e porque o diabo não dorme (Deus é que sim e a sono solto), o «terror nuclear» volta à cena informativa nacional e internacional, por mais que os ,,lobbies,, do Plutónio quisessem fazer correr uma cortina de silêncio sobre o assunto.
E o assunto é que, nos EUA e na União Soviética, primeiros países no mundo a construir centrais nucleares, os reactores estão, na sua maior parte, a entrar no período final de «vida» e, tal como se previa, acusam fugas e falhas por tudo o que é sítio. Se o caso, na União Soviética, pode ser por «velhice», não significa que centrais «jovens», como a de Almaraz, em Espanha, não tenham logo na infância e ao nascer, problemas tão ou mais graves do que as da primeira geração, agora moribundas.
A maior cortina de silêncio sobre o nuclear acaba de ser rompida, na União Soviética, com o reconhecimento do acidente: estamos, de facto, perante um facto histórico (a notícia), significando esta «quebra do segredo» uma viragem na política desinformativa em vigor desde há muitos anos em todo o mundo.
POR CÁ TUDO BEM
Em Portugal, felizmente, e como sempre, estamos livres de perigo. As autoridades tranquilizaram logo todo o País, de Leste a Oeste e de Norte a Sul.
Não sabíamos que Portugal estava tão bem apetrechado de ,,monitoring,, radioactivo. Vi na televisão os aparelhos que detectam tudo quanto é radioso e rabioso. Também não sabia que essa sofisticadíssma aparelhagem consegue, desde o LNETI, onde está instalada, ali, no Império do Paço do Lumiar, rastrear o País todo de lés-a-lés, de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Deve ser como as sondagens, é por amostragem...
As coisas que Chernobyl e por causa de Chernobyl fomos saber!
O Dr. António Manuel Baptista, por exemplo, com o exemplo que deu do cigarro, disse que, afinal, as irradiações à distância e a longo prazo pouca diferença fazem de um cigarro já que, como dizia o outro, «a longo prazo estamos todos mortos».
Quanto aos indícios de cancro que inevitavelmente irão subir, na área de Chernobyl, os Drs.. Baptistas são mais discretos e nada dizem.
Aliás, não estamos nós «irradiados» sempre e desde toda a eternidade... de radiação natural?
Mas este sofisma que veio de novo à tona por causa de Chernobyl, é já habitual e clássico no discurso dos nucleocratas.
Verdadeiramente novo para as novas gerações foi saberem que existe uma última e subtil poluição (radioactiva), além daquelas todas que o sr. professor lá na escola já teve ocasião de lhes descrever. Poluições, ópios do povo e da juventude!
Mas esta radioactiva, foi novidade para muitos. Os manuais escolares são parcos em denunciá-la. Preferem encher os ouvidos da juventude com fumos e esgotos.
Qualquer esperança que houvesse de um desastre como o de Chernoby1 servir para alguma coisa - servir para fazer recuar o terror nuclear, por exemplo e os vendedores de reactores - perdeu-se com a Cimeira de Tóquio, onde apenas se reforçaram medidas de segurança (!!!) radioactiva.
Os sete grandes industriais não vão desistir do terror nuclear, vão é arranjar (dizem) máscaras antigás, contadores Geiger para o menino e para a menina e pílulas de iodo para distribuir defensivamente à população civil.
O que poderia ter sido um dissuasor da provável guerra nuclear e um atenuador da «escalada», acaba por ser uma «boa experiência» (com a Humanidade por cobaia), capaz de encorajar o programa de novos reactores, logo de mais resíduos, logo de mais plutónio, logo de mais bombas e logo de mais probabilidades de guerra atómica.
«Arrumada» a radioactividade de Chernoby1 (quando? como?), com mais ou menos esforço e sacos atirados de helicóptero, a palavra de ordem será cada vez mais segurança (?) para cada vez mais centrais nucleares e já que ainda não foi desta que aconteceu a tão esperada «reacção em cadeia» que os teóricos atómicos desde o princípio dizem poder acontecer.
Segurança nas centrais nucleares não falta, isso já nós sabíamos de tanto nos gritarem tão gritante mentira. Mas, como o Miguel Calado Lopes escreveu neste jornal: «Uma central é absolutamente segura até ao momento em que o acidente acontece.»
HIPÓTESES LOUCAS
Alguns cronistas do planeta Terra puseram, a propósito de Chernobyl, hipóteses loucas de pasmar.
Imagine-se que, com os três falhanços do programa espacial norte-americano, desde o princípio do ano, já falam de «sabotagem» antiamericana, havendo logo quem fale de sabotagem anti-soviética em Chernobyl.
Mais: desastres industriais como o de Chernobyl, em indústrias de morte como é, do princípio ao fim do circuito, a indústria nuclear, podiam muito bem ser atribuídas a sabotadores «verdes» que querem, cada vez mais, ver desacreditada a desastrosa e desastrada sociedade industrial.
Perspectiva animadora, mesmo para optimistas incuráveis como nós em matéria de progresso, é que Chernoby1 comprova, mais uma vez, o que já se suspeitava: nada mais vulnerável do que uma central nuclear.
Se a luta contra o terrorismo internacional, tão badalada na sua acepção estrita e unilateralmente apontada só contra Kadhafi, transformado em bode expiatório, não descobre essa vulnerabilidade, deixando-a presa do terrorismo, em sentido estrito, já pensaram como vai ser divertido?
Que serviços secretos, aliás, serão capazes de distinguir entre «acidente planeado» e «acidente ocasional»?
Pergunta aterrorizadora: onde está o terrorismo e contra qual deles as populações civis têm, acima de tudo, que se precaver?
Qual dos terrorismos preferir? Em sentido estrito ou em sentido lato?
ACIDENTE MÁXIMO E MÁXIMA SEGURANÇA
Mais coisas ficámos a saber com o acidente «máximo» da Ucrânia: só as radiações que matam logo, são perigosas, quer dizer, só as grandes doses prejudicam o ser vivo.
Ora, há muito que os maiores radiobiologistas demonstraram o sofisma: as baixas radiações trazem sequelas, a curto e médio prazos, que, nem por serem fulminantes e mortais no imediato instante, são menos prejudiciais à célula viva, animal ou vegetal.
Chernobyl veio pôr na ordem do dia esta realidade: teremos que nos habituar a viver entre radiações e suas consequências, pois os quatrocentos reactores que existem hoje no mundo, por muito seguros que estejam, debitam sempre alguma radioactividade para o ambiente e, se há coisas que se sabem há muito, é que a radioactividade tem efeitos cumulativos, uma vez que o ambiente não a digere.
Sem falar dos resíduos atirados para a fossa dos Açores e outras fossas, ou para minas de sal-gema ou para... não admira que, postos os contadores Geiger a farejar o ambiente, o «bip-bip» cresça por tudo quanto é sítio.
Se o «acidente máximo» aconteceu no país que todos concordam ser o mais apetrechado em segurança nuclear, é bom que todos reflictam nas próximas consequências deste elogio. Nas menos apetrechadas como a Espanha, por exemplo, como será?
FUGAS DE INFORMAÇÃO, SOLIDARIEDADE RADIOACTIVA
Não é justo que se atire com o odioso para Chernobyl, quando todos os grandes e médios, a Leste e a Oeste, têm tantas ou mais culpas (e acidentes) no cartório do que a URSS.
A diferença é só de informação. O silêncio de Estado, neste país, torna qualquer fuga (de informação), muito mais sensacional do que a táctica-técnica adoptada pelos Estados-papagaios das liberais democracias que, ao fim e ao resto, como temos vindo a dizer nesta crónica, «banalizaram o terror nuclear», figurando os acidentes nucleares em breves três linhas de uma página de anúncios...
Se é verdade que a informação sobre Chernobyl veio tarde e filtrada (e filtrada continuará), será que temos mais a congratular-nos com os «barretes» como os que, aqui em Portugal, nos enfiam, dizendo que está tudo normal e as radiações todas medidas, uma semana depois de a central de Almaraz estar avariada pela onésima vez?
Entre o silêncio imposto por uma superpotência fechada e este insulto feito à população pela tecnocracia radioactiva que temos em Portugal, que mais censura prévia admirar?
As novidades mais excitantes do processo Chernobyl, com efeito, verificaram-se no campo informativo, ou seja, no refinamento radioactivo da intoxicação desinformativa, tão habitual sempre que se trate de noticiar desastres da desastrosa e abjecta sociedade industrial.
Célebre ficou o desfasamento entre os dois mortos da versão oficial e os dois mil das fontes não oficiais.
Mas as colorações diferentes dadas à notícia, conforme a cor partidária dos informadores, foram até ao requinte: enquanto um diário matutino falava do auxílio pedido à AIE (Agência de Energia Atómica), pela URSS, outro matutino frisava que Moscovo pedira auxílio... a Pretória.
Uma das novidades que se evidenciaram com o caso Chernobyl, foi a implícita solidariedade internacional subitamente expressa entre irmãos do peito: para lá da ideologia aparente (e como sempre sublinhámos nestas crónicas) com que nos divertem e distraem, há uma ideologia profunda, o imperialismo industrial, que une todos, no mesmo lugar comum radioactivo, o Leste e o Ocidente.
- - - - -
(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra),10/5/1986
***
TECNO-TERROR NUCLEAR EM CENA O DIABO NÃO DORME (*)
«Não houve reacção em cadeia em Chernobyl.» (Mas se tivesse havido? E quando houver?)
«Sacos de areia, chumbo e boro foram atirados de helicóptero.» (Quem seria o humano, mesmo da melhor defesa civil do mundo, capaz de se chegar às radiações?)
10/5/1986 - Chernobyl agora é que paga as favas todas. Não é justo.
Radioactividade que se detecte a mil ou cem mil quilómetros, é logo atribuída ao desastre ocorrido em 26 de Abril de 1986, na União Soviética, a 120 quilómetros de Kiev.
Não é justo mas compreende-se. Dado o alarme e todo o mundo se põe a farejar os roentgens a mais por minuto, de contador Geiger em punho.
Resultado: como andam à procura, encontram. Aliás, fala-se das percentagens registadas relativas ao nível «normal», mas não se diz que «nível normal» é esse: há muito que se sabe que em matéria de radiações, não são os níveis ou doses menores só por isso e por si, menos graves.
Em muitos locais, não encontram agora mais do que encontrariam antes de Chernobyl. Só que, agora, dado o alarme, é que se lembram de ir cheirar, de ir medir...
Esta história faz lembrar a outra: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
E ALMARAZ?
De singular e inédito, em mais este acidente com reactores nucleares, apenas o facto de a notícia ter transpirado para a opinião pública mundial e de a agência noticiosa soviética Tass ter confirmado o acidente, embora sem adiantar pormenores.
De resto, os acidentes em centrais nucleares entraram há muito na rotina (e, portanto, no silêncio das agências de informação). A comprovar a «banalização» do fenómeno está o silêncio que, na península Ibérica, tem rodeado e continua a rodear o caso da central nuclear de Almaraz, debruçada sobre o rio Tejo, onde despeja resíduos radioactivos, a 200 quilómetros da fronteira portuguesa.
A Associação Amigos da Terra, em comunicado de há poucos dias, chamava a atenção para a «falha no sistema de refrigeração da Central Nuclear de Almaraz», o que pode dar um acidente semelhante ao que acaba de acontecer na UniãoSoviética, ou ao que deu brado, em 1979, nos Estados Unidos, com a Central Nuclear de Three Mile Island (Pensilvânia).
Como não podia deixar de ser e porque o diabo não dorme (Deus é que sim e a sono solto), o «terror nuclear» volta à cena informativa nacional e internacional, por mais que os ,,lobbies,, do Plutónio quisessem fazer correr uma cortina de silêncio sobre o assunto.
E o assunto é que, nos EUA e na União Soviética, primeiros países no mundo a construir centrais nucleares, os reactores estão, na sua maior parte, a entrar no período final de «vida» e, tal como se previa, acusam fugas e falhas por tudo o que é sítio. Se o caso, na União Soviética, pode ser por «velhice», não significa que centrais «jovens», como a de Almaraz, em Espanha, não tenham logo na infância e ao nascer, problemas tão ou mais graves do que as da primeira geração, agora moribundas.
A maior cortina de silêncio sobre o nuclear acaba de ser rompida, na União Soviética, com o reconhecimento do acidente: estamos, de facto, perante um facto histórico (a notícia), significando esta «quebra do segredo» uma viragem na política desinformativa em vigor desde há muitos anos em todo o mundo.
POR CÁ TUDO BEM
Em Portugal, felizmente, e como sempre, estamos livres de perigo. As autoridades tranquilizaram logo todo o País, de Leste a Oeste e de Norte a Sul.
Não sabíamos que Portugal estava tão bem apetrechado de ,,monitoring,, radioactivo. Vi na televisão os aparelhos que detectam tudo quanto é radioso e rabioso. Também não sabia que essa sofisticadíssma aparelhagem consegue, desde o LNETI, onde está instalada, ali, no Império do Paço do Lumiar, rastrear o País todo de lés-a-lés, de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Deve ser como as sondagens, é por amostragem...
As coisas que Chernobyl e por causa de Chernobyl fomos saber!
O Dr. António Manuel Baptista, por exemplo, com o exemplo que deu do cigarro, disse que, afinal, as irradiações à distância e a longo prazo pouca diferença fazem de um cigarro já que, como dizia o outro, «a longo prazo estamos todos mortos».
Quanto aos indícios de cancro que inevitavelmente irão subir, na área de Chernobyl, os Drs.. Baptistas são mais discretos e nada dizem.
Aliás, não estamos nós «irradiados» sempre e desde toda a eternidade... de radiação natural?
Mas este sofisma que veio de novo à tona por causa de Chernobyl, é já habitual e clássico no discurso dos nucleocratas.
Verdadeiramente novo para as novas gerações foi saberem que existe uma última e subtil poluição (radioactiva), além daquelas todas que o sr. professor lá na escola já teve ocasião de lhes descrever. Poluições, ópios do povo e da juventude!
Mas esta radioactiva, foi novidade para muitos. Os manuais escolares são parcos em denunciá-la. Preferem encher os ouvidos da juventude com fumos e esgotos.
Qualquer esperança que houvesse de um desastre como o de Chernoby1 servir para alguma coisa - servir para fazer recuar o terror nuclear, por exemplo e os vendedores de reactores - perdeu-se com a Cimeira de Tóquio, onde apenas se reforçaram medidas de segurança (!!!) radioactiva.
Os sete grandes industriais não vão desistir do terror nuclear, vão é arranjar (dizem) máscaras antigás, contadores Geiger para o menino e para a menina e pílulas de iodo para distribuir defensivamente à população civil.
O que poderia ter sido um dissuasor da provável guerra nuclear e um atenuador da «escalada», acaba por ser uma «boa experiência» (com a Humanidade por cobaia), capaz de encorajar o programa de novos reactores, logo de mais resíduos, logo de mais plutónio, logo de mais bombas e logo de mais probabilidades de guerra atómica.
«Arrumada» a radioactividade de Chernoby1 (quando? como?), com mais ou menos esforço e sacos atirados de helicóptero, a palavra de ordem será cada vez mais segurança (?) para cada vez mais centrais nucleares e já que ainda não foi desta que aconteceu a tão esperada «reacção em cadeia» que os teóricos atómicos desde o princípio dizem poder acontecer.
Segurança nas centrais nucleares não falta, isso já nós sabíamos de tanto nos gritarem tão gritante mentira. Mas, como o Miguel Calado Lopes escreveu neste jornal: «Uma central é absolutamente segura até ao momento em que o acidente acontece.»
HIPÓTESES LOUCAS
Alguns cronistas do planeta Terra puseram, a propósito de Chernobyl, hipóteses loucas de pasmar.
Imagine-se que, com os três falhanços do programa espacial norte-americano, desde o princípio do ano, já falam de «sabotagem» antiamericana, havendo logo quem fale de sabotagem anti-soviética em Chernobyl.
Mais: desastres industriais como o de Chernobyl, em indústrias de morte como é, do princípio ao fim do circuito, a indústria nuclear, podiam muito bem ser atribuídas a sabotadores «verdes» que querem, cada vez mais, ver desacreditada a desastrosa e desastrada sociedade industrial.
Perspectiva animadora, mesmo para optimistas incuráveis como nós em matéria de progresso, é que Chernoby1 comprova, mais uma vez, o que já se suspeitava: nada mais vulnerável do que uma central nuclear.
Se a luta contra o terrorismo internacional, tão badalada na sua acepção estrita e unilateralmente apontada só contra Kadhafi, transformado em bode expiatório, não descobre essa vulnerabilidade, deixando-a presa do terrorismo, em sentido estrito, já pensaram como vai ser divertido?
Que serviços secretos, aliás, serão capazes de distinguir entre «acidente planeado» e «acidente ocasional»?
Pergunta aterrorizadora: onde está o terrorismo e contra qual deles as populações civis têm, acima de tudo, que se precaver?
Qual dos terrorismos preferir? Em sentido estrito ou em sentido lato?
ACIDENTE MÁXIMO E MÁXIMA SEGURANÇA
Mais coisas ficámos a saber com o acidente «máximo» da Ucrânia: só as radiações que matam logo, são perigosas, quer dizer, só as grandes doses prejudicam o ser vivo.
Ora, há muito que os maiores radiobiologistas demonstraram o sofisma: as baixas radiações trazem sequelas, a curto e médio prazos, que, nem por serem fulminantes e mortais no imediato instante, são menos prejudiciais à célula viva, animal ou vegetal.
Chernobyl veio pôr na ordem do dia esta realidade: teremos que nos habituar a viver entre radiações e suas consequências, pois os quatrocentos reactores que existem hoje no mundo, por muito seguros que estejam, debitam sempre alguma radioactividade para o ambiente e, se há coisas que se sabem há muito, é que a radioactividade tem efeitos cumulativos, uma vez que o ambiente não a digere.
Sem falar dos resíduos atirados para a fossa dos Açores e outras fossas, ou para minas de sal-gema ou para... não admira que, postos os contadores Geiger a farejar o ambiente, o «bip-bip» cresça por tudo quanto é sítio.
Se o «acidente máximo» aconteceu no país que todos concordam ser o mais apetrechado em segurança nuclear, é bom que todos reflictam nas próximas consequências deste elogio. Nas menos apetrechadas como a Espanha, por exemplo, como será?
FUGAS DE INFORMAÇÃO, SOLIDARIEDADE RADIOACTIVA
Não é justo que se atire com o odioso para Chernobyl, quando todos os grandes e médios, a Leste e a Oeste, têm tantas ou mais culpas (e acidentes) no cartório do que a URSS.
A diferença é só de informação. O silêncio de Estado, neste país, torna qualquer fuga (de informação), muito mais sensacional do que a táctica-técnica adoptada pelos Estados-papagaios das liberais democracias que, ao fim e ao resto, como temos vindo a dizer nesta crónica, «banalizaram o terror nuclear», figurando os acidentes nucleares em breves três linhas de uma página de anúncios...
Se é verdade que a informação sobre Chernobyl veio tarde e filtrada (e filtrada continuará), será que temos mais a congratular-nos com os «barretes» como os que, aqui em Portugal, nos enfiam, dizendo que está tudo normal e as radiações todas medidas, uma semana depois de a central de Almaraz estar avariada pela onésima vez?
Entre o silêncio imposto por uma superpotência fechada e este insulto feito à população pela tecnocracia radioactiva que temos em Portugal, que mais censura prévia admirar?
As novidades mais excitantes do processo Chernobyl, com efeito, verificaram-se no campo informativo, ou seja, no refinamento radioactivo da intoxicação desinformativa, tão habitual sempre que se trate de noticiar desastres da desastrosa e abjecta sociedade industrial.
Célebre ficou o desfasamento entre os dois mortos da versão oficial e os dois mil das fontes não oficiais.
Mas as colorações diferentes dadas à notícia, conforme a cor partidária dos informadores, foram até ao requinte: enquanto um diário matutino falava do auxílio pedido à AIE (Agência de Energia Atómica), pela URSS, outro matutino frisava que Moscovo pedira auxílio... a Pretória.
Uma das novidades que se evidenciaram com o caso Chernobyl, foi a implícita solidariedade internacional subitamente expressa entre irmãos do peito: para lá da ideologia aparente (e como sempre sublinhámos nestas crónicas) com que nos divertem e distraem, há uma ideologia profunda, o imperialismo industrial, que une todos, no mesmo lugar comum radioactivo, o Leste e o Ocidente.
- - - - -
(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra),10/5/1986
***
<< Home