MEGAVITAMINA C 1971
1-3 - natural-1-os dossiês do silêncio – 5 estrelas em 1971
[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário « Notícias da Amadora», 15/Maio/1971 ]
[«Notícias da Amadora», 6/5/1971 ] - Diariamente, a grande Imprensa, sempre na vanguarda do progresso, se faz eco de opiniões mais ou menos desfavoráveis, proferidas pela Ciência a respeito daquilo que a ciência designa por alimentação natural, vegetarianismo, dieta racional, etc., etc.
Ao serviço dos grandes "trusts" - quer os da indústria químico-farmacêutica, quer os dos óleos e petróleos e gasóleos que poluem a biosfera, quer os dos motores automóveis que empestam as cidades, quer os das indústrias em geral que deterioram o meio ambiente, quer os das indústrias alimentares em particular que vêm coroar a acção desenvolvida por todas as outras - porque não há-de a grande imprensa criticar tudo quanto represente, neste nosso tempo e mundo, uma resistência objectiva e frontal à vaga desencadeada pela grande indústria contra o homem?
A situação é tão clarinha, que se não fosse também a lavagem ao cérebro diariamente perpetrada por outra grande indústria - a publicidade - através de outras grandes indústrias - os mass media, em geral e a TV em particular -, sobre o inocente consumidor, nem precisaria de mais explicações.
A coisa é tal, que temos que demonstrar, com algum jeito, que A é A e B é B, em matéria alimentar e reciprocamente. Porque na revolução alimentar - sabem alguns, desde que os hippies praticam a Macrobiótíca Zen - reside o núcleo da revolução existencial, logo humana e cultural.
Contra isto, estão atentos e nem podiam deixar de estar, os monopólios. Contra isto, há sempre meia dúzia de cientistas que, com a sua "autoridade na matéria", são convidados a pronunciar-se (por quem?) contra os novos hábitos alimentares, em expansão cada vez mais acelerada e "ameaçadora" e "perigosa" pelo mundo, à medida que aumenta a vaga das indústrias em geral e das alimentares em particular e das químicas muitíssimo em particular, indústrias que, evidentemente, só querem a felicidade, o bem estar, a liberdade e a saúde dos cidadãos.
Não valia a pena gastar tinta, se o caso, desta feita, não desse o flanco da maneira airosa como dá. Em exclusivo de The Los Angeles Times - jornal que, segundo as más línguas, poderia muito bem ter apoiado a candidatura Goldwater - publica um vespertino lisboeta (3 de Maio de 1971) um suculento artigo chamado "A Alimentação"natural" pode criar uma geração de deficientes mentais.»
E pode, caramba! Eu mesmo que o diga. Se não fosse agora o dr. Paul D. Saltman vir em auxílio da minha pobre e debilitada memória, cá por mim ainda não tinha percebido - debilitado mental que sou e estou - porque de há uns meses para cá se me acentuavam, assustadoramente, os sintomas de atraso e debilidade mental. Veio o dr. Saltman e pronto, tudo explicado.
Bons tempos esses em que, à base de libriuns e de alimentação forraginosa, da boa, da carnívora, da omnívora, da normal e sadia (não natural nem naturista, portanto) guiado eu por especialistas eminentes, tentava eu pôr ordem num desequilibrado sistema nervoso, a que um mundo apaziguador, uma cidade paradisíaca, um país e um tempo de florescente fomento humanista, tinham destrambelhado um tanto.
Bons tempos esses em que, com os pés para a cova, a única saída proposta pelos especialistas era o suicídio.
Bons tempos esses, vai para três aninhos, em que não conhecia as tentações, os erros, os vícios, os crimes, as taras, as carências da alimentação "natural" entre aspas.
Agora compreendo tudo: o Dr. Saltman - citado pela jornalista do “ The Los Angeles Times “- não deixa lugar a dúvidas. Os fanáticos do "regresso à natureza", no campo alimentar, são muito capazes de estar a contribuir para se criar uma futura geração de “deficientes mentais".
No fundo, até não interessa muito responsabilizar ninguém em particular pelas afirmações atribuídas ao dr. Saltman. O que importa é saber que a notícia se aproveita para puxar uma brasa mais à sardinha que convém, qual é a de fazer vigorar, entre os leitores, a ideia de que todos os regimes que não vão abastecer-se ao super-mercado são daninhos.
Verdadeiramente bom e certo é mergulhar o consumidor no celofane dos super-mercados, na marca registada, na caixinha vaporosa e multicor, na lata e na conserva, no refinado e no rotulado, no refrigerado e no congelado, no quimificado, o bom, o óptimo é descansar nossos cuidados e sintomas na grande e anónima autoridade da anónima indústria de irresponsabilidade ilimitada.
Onde o dr. Saltman (que é uma "autoridade no metabolismo do ferro e nas substâncias que prejudicam a sua utilização pelo corpo humano" entre aspas) quer chegar, a jornalista Jeanne Voltz e “The Los Angeles Tímes”, talvez a gente saiba: talvez à subtil insinuação de que na química está a grande salvação e na super-poluição do meio - a que os do regresso à natureza são os primeiros a opor resistência: - o paraíso reencontrado. Quantos mais fumos, escapes, óleos, resíduos, lixo, lixo e lixo nos deitarem por cima (quanto mais embalagens perdidas os nossos caixotes do lixo comportarem diariamente) mais satisfeito e aos pulos deve andar o dr. Saltman e a Jeanne jornalista.
Quanto mais carne e peixe congelado, margarina e corantes, pesticidas e sacarinas, ciclamatos e conservantes se consumirem, quanto mais químicos cancerígenos as indústrias utilizarem ou lançarem para a atmosfera, mais o Dr. goza e a Jeanne com ele.
A determinada altura da sua oração, o Dr. Saltman - segundo a jornalista sua porta-voz - vira-se contra Linus Pauling, a pretexto da teoria deste sobre a megavitamina. Belo pretexto, a megavitamina. Aqui é que a gente começa a perceber o que dói ao Dr. Saltman, professor de Biologia na secção de San Diego, na Universidade da Califórnia.
Para melhor esclarecimento dos interessados, relembra-se a biografia de Linus Carl Pauling: aos 70 anos de idade, Pauling é duas vezes prémio Nobel (da Química em 1954 e da Paz em 1962) e prémio Lenine da Paz em 1970, além de ter escrito uma obra chamada "Acabem com as Guerras".
Digam-me lá agora, fanáticos ou não do regresso à Natureza , se as vitaminas e proteínas não são um belíssimo pretexto de caça às bruxas e se não haverá motivos bem fortes para o Dr. Saltman, a jornalista e o “The Los Angeles Times” andarem tão chatiados com a mega-vitamina do nosso querido Linus Carl Pauling, que é tão conhecido em simpósios internacionais pelo seu desassombro como pela sua famosíssima boina basca. E principalmente pelas suas suspeitíssimas simpatias não só pela mega-vitamina C, como pela paz.
Pois, pois: quem ainda souber raciocinar, faz o favor de perceber o que dói ao Dr. Saltman e de que os fanáticos do “regresso à Natureza” entre aspas até são um belo pretexto para denunciar ao FBI personalidades tão incómodas e perigosas como Linus Carl Pauling .
Pena é que, quando se dá a ler notícia assim ao leitor, este não tenha logo à mão os dados essenciais do problema, porque então a notícia não surtiria 90% dos efeitos que pretende: condicionar ainda mais a condicionada mente do consumidor, para que até à morte e à consumição dos séculos, ele mais não faça do que consumir. E consumir.
Quando, também na Califórnia (lá onde o Dr. Saltman é autoridade em metabolismo do ferro entre aspas e professor de Biologia) nós sabemos, como Edgar Morim nos contou, que as comunas "hippies" não só praticam a agricultura biológica (crime dos crimes para a indústria dos pesticidas) como, em matéria de política, são adeptos da Macrobiótica Zen, compreendemos muito melhor ainda as fúrias do Dr. Saltman, da jornalista que lhe pesca o discurso e da Imprensa que os reaproveita. Ou não compreendemos?
- - - - -
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Notícias da Amadora», 15/Maio/1971
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A DEFESA DO CONSUMIDOR EM 1971
E DE COMO A MEGAVITAMINA C
DE LINUS CARL PAULING
É UM BOM PRETEXTO (*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário « Notícias da Amadora», 15/Maio/1971 ]
[«Notícias da Amadora», 6/5/1971 ] - Diariamente, a grande Imprensa, sempre na vanguarda do progresso, se faz eco de opiniões mais ou menos desfavoráveis, proferidas pela Ciência a respeito daquilo que a ciência designa por alimentação natural, vegetarianismo, dieta racional, etc., etc.
Ao serviço dos grandes "trusts" - quer os da indústria químico-farmacêutica, quer os dos óleos e petróleos e gasóleos que poluem a biosfera, quer os dos motores automóveis que empestam as cidades, quer os das indústrias em geral que deterioram o meio ambiente, quer os das indústrias alimentares em particular que vêm coroar a acção desenvolvida por todas as outras - porque não há-de a grande imprensa criticar tudo quanto represente, neste nosso tempo e mundo, uma resistência objectiva e frontal à vaga desencadeada pela grande indústria contra o homem?
A situação é tão clarinha, que se não fosse também a lavagem ao cérebro diariamente perpetrada por outra grande indústria - a publicidade - através de outras grandes indústrias - os mass media, em geral e a TV em particular -, sobre o inocente consumidor, nem precisaria de mais explicações.
A coisa é tal, que temos que demonstrar, com algum jeito, que A é A e B é B, em matéria alimentar e reciprocamente. Porque na revolução alimentar - sabem alguns, desde que os hippies praticam a Macrobiótíca Zen - reside o núcleo da revolução existencial, logo humana e cultural.
Contra isto, estão atentos e nem podiam deixar de estar, os monopólios. Contra isto, há sempre meia dúzia de cientistas que, com a sua "autoridade na matéria", são convidados a pronunciar-se (por quem?) contra os novos hábitos alimentares, em expansão cada vez mais acelerada e "ameaçadora" e "perigosa" pelo mundo, à medida que aumenta a vaga das indústrias em geral e das alimentares em particular e das químicas muitíssimo em particular, indústrias que, evidentemente, só querem a felicidade, o bem estar, a liberdade e a saúde dos cidadãos.
Não valia a pena gastar tinta, se o caso, desta feita, não desse o flanco da maneira airosa como dá. Em exclusivo de The Los Angeles Times - jornal que, segundo as más línguas, poderia muito bem ter apoiado a candidatura Goldwater - publica um vespertino lisboeta (3 de Maio de 1971) um suculento artigo chamado "A Alimentação"natural" pode criar uma geração de deficientes mentais.»
E pode, caramba! Eu mesmo que o diga. Se não fosse agora o dr. Paul D. Saltman vir em auxílio da minha pobre e debilitada memória, cá por mim ainda não tinha percebido - debilitado mental que sou e estou - porque de há uns meses para cá se me acentuavam, assustadoramente, os sintomas de atraso e debilidade mental. Veio o dr. Saltman e pronto, tudo explicado.
Bons tempos esses em que, à base de libriuns e de alimentação forraginosa, da boa, da carnívora, da omnívora, da normal e sadia (não natural nem naturista, portanto) guiado eu por especialistas eminentes, tentava eu pôr ordem num desequilibrado sistema nervoso, a que um mundo apaziguador, uma cidade paradisíaca, um país e um tempo de florescente fomento humanista, tinham destrambelhado um tanto.
Bons tempos esses em que, com os pés para a cova, a única saída proposta pelos especialistas era o suicídio.
Bons tempos esses, vai para três aninhos, em que não conhecia as tentações, os erros, os vícios, os crimes, as taras, as carências da alimentação "natural" entre aspas.
Agora compreendo tudo: o Dr. Saltman - citado pela jornalista do “ The Los Angeles Times “- não deixa lugar a dúvidas. Os fanáticos do "regresso à natureza", no campo alimentar, são muito capazes de estar a contribuir para se criar uma futura geração de “deficientes mentais".
No fundo, até não interessa muito responsabilizar ninguém em particular pelas afirmações atribuídas ao dr. Saltman. O que importa é saber que a notícia se aproveita para puxar uma brasa mais à sardinha que convém, qual é a de fazer vigorar, entre os leitores, a ideia de que todos os regimes que não vão abastecer-se ao super-mercado são daninhos.
Verdadeiramente bom e certo é mergulhar o consumidor no celofane dos super-mercados, na marca registada, na caixinha vaporosa e multicor, na lata e na conserva, no refinado e no rotulado, no refrigerado e no congelado, no quimificado, o bom, o óptimo é descansar nossos cuidados e sintomas na grande e anónima autoridade da anónima indústria de irresponsabilidade ilimitada.
Onde o dr. Saltman (que é uma "autoridade no metabolismo do ferro e nas substâncias que prejudicam a sua utilização pelo corpo humano" entre aspas) quer chegar, a jornalista Jeanne Voltz e “The Los Angeles Tímes”, talvez a gente saiba: talvez à subtil insinuação de que na química está a grande salvação e na super-poluição do meio - a que os do regresso à natureza são os primeiros a opor resistência: - o paraíso reencontrado. Quantos mais fumos, escapes, óleos, resíduos, lixo, lixo e lixo nos deitarem por cima (quanto mais embalagens perdidas os nossos caixotes do lixo comportarem diariamente) mais satisfeito e aos pulos deve andar o dr. Saltman e a Jeanne jornalista.
Quanto mais carne e peixe congelado, margarina e corantes, pesticidas e sacarinas, ciclamatos e conservantes se consumirem, quanto mais químicos cancerígenos as indústrias utilizarem ou lançarem para a atmosfera, mais o Dr. goza e a Jeanne com ele.
A determinada altura da sua oração, o Dr. Saltman - segundo a jornalista sua porta-voz - vira-se contra Linus Pauling, a pretexto da teoria deste sobre a megavitamina. Belo pretexto, a megavitamina. Aqui é que a gente começa a perceber o que dói ao Dr. Saltman, professor de Biologia na secção de San Diego, na Universidade da Califórnia.
Para melhor esclarecimento dos interessados, relembra-se a biografia de Linus Carl Pauling: aos 70 anos de idade, Pauling é duas vezes prémio Nobel (da Química em 1954 e da Paz em 1962) e prémio Lenine da Paz em 1970, além de ter escrito uma obra chamada "Acabem com as Guerras".
Digam-me lá agora, fanáticos ou não do regresso à Natureza , se as vitaminas e proteínas não são um belíssimo pretexto de caça às bruxas e se não haverá motivos bem fortes para o Dr. Saltman, a jornalista e o “The Los Angeles Times” andarem tão chatiados com a mega-vitamina do nosso querido Linus Carl Pauling, que é tão conhecido em simpósios internacionais pelo seu desassombro como pela sua famosíssima boina basca. E principalmente pelas suas suspeitíssimas simpatias não só pela mega-vitamina C, como pela paz.
Pois, pois: quem ainda souber raciocinar, faz o favor de perceber o que dói ao Dr. Saltman e de que os fanáticos do “regresso à Natureza” entre aspas até são um belo pretexto para denunciar ao FBI personalidades tão incómodas e perigosas como Linus Carl Pauling .
Pena é que, quando se dá a ler notícia assim ao leitor, este não tenha logo à mão os dados essenciais do problema, porque então a notícia não surtiria 90% dos efeitos que pretende: condicionar ainda mais a condicionada mente do consumidor, para que até à morte e à consumição dos séculos, ele mais não faça do que consumir. E consumir.
Quando, também na Califórnia (lá onde o Dr. Saltman é autoridade em metabolismo do ferro entre aspas e professor de Biologia) nós sabemos, como Edgar Morim nos contou, que as comunas "hippies" não só praticam a agricultura biológica (crime dos crimes para a indústria dos pesticidas) como, em matéria de política, são adeptos da Macrobiótica Zen, compreendemos muito melhor ainda as fúrias do Dr. Saltman, da jornalista que lhe pesca o discurso e da Imprensa que os reaproveita. Ou não compreendemos?
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Notícias da Amadora», 15/Maio/1971
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