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2006-05-18

MEANDRIZAÇÃO 1980

lnec-1> eco-ecos 1980 – quase inédito ac de 1980 – ecos da capoeira - sábado, 13 de Julho de 2002

GENERAIS EUROPEUS PREPARAM NO L.N.E.C.A GRANDE GUERRA DO AMBIENTE(*)

18-19/ Maio/ 1980 - A presença de eminentes personalidades estrangeiras em ordenamento do território, deu o maior brilho ao Seminário organizado pelo Serviço de Estudos do Ambiente, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, dias 18 e 19 de Maio de 1980.
Neste seminário que se proclamou de "Conservação da Natureza", é caso para dizer que foram os estrangeiros a dar cartas. Pelo menos, foram eles a ensinar aos portugueses os segredos da cartografia ecológica, arma de guerra até agora desconhecida dos nossos ambientalistas e que não deixou, por isso, de causar a maior surpresa e a mais curiosa expectativa em todos os presentes.
Não fomos defraudados. Os dois “generais" que se apresentaram no campo de batalha, mereceram todas as medalhas e ordens de Santiago que este País tiver para lhes dar, a troco do Mercado Comum.
Durante muitos anos, os portugueses hão-de lembrar-se deste Seminário no L.N.E.C., tal como se lembram da tomada de Lisboa aos mouros e da queda de Alcácer Quibir. Os nomes de Gunther Schneider e Oscar Knoblich ficarão muito mais ligados ao Portugal dos anos 80 do que os nossos bisavós poderiam sonhar. A entrada do Mercado Comum acelera-se, mas começa a ver-se muito bem quem comanda as tropas.

O RESSAIBO GERMÂNICO DE GUNTER SCHNEIDER

Para que a Europa possa organizar de maneira planificada o aproveitamento de recursos naturais de países pobres e subdesenvolvidos como Portugal, o Dr. Gunter Schneider advoga com entusiasmo a "cartografia ecológica".
De facto, para que a economia europeia ultrapasse os becos sem saída onde está metida, necessita da Ecologia: e os que planificam o espaço vão necessitar de saber o terreno que pisam.
O espaço para poluir já rareia na Europa e daí a urgente necessidade de exportar a poluição para a periferia, com meios terrestres mas principalmente aéreos de fotografar a topografia: tal como os exércitos para atacar necessitam de cartas em escala particularmente minuciosa, a batalha económica, que se chama "entrada de Portugal no Mercado Comum", vai necessitar a reprodução do território em escalas extraordinariamente ampliadas.
A cartografia implica também o inquérito às populações, tornado obrigatório, caso estas ofereçam resistência à devassa oficial dos serviços que pretendem saber como tudo se passa.
Espécie de "intellígence service'', o inventário e a cartografia ecológica pretende ficar em dia com o estado do ambiente: ar, água, solos, paisagem, vida selvagem, riscos naturais.
Os primeiros sintomas da degradação entusiasmam os planificadores e o Dr. Schneider referiu a eventual necessidade de reforçar “os indicadores seleccionados que podem eventualmente ser substituídos pelos indicadores auxiliares.”
Há sempre sobresselentes até levar a cartografia à "vitória final".
Fazendo fé na tese clássica dos "riscos naturais", enumerou erosão, deslizamento de terreno, inundações, avalanches, acidentes climáticos, fogo, tremores de terra, toda uma série de acidentes que hoje, em 1980, alguns consideram exactamente fabricados pela acção humana de algumas superpotências com muitas megatoneladas para gastar em rebentamentos subterrâneos chamados testes nucleares..
A exigência europeia com uma informação minuciosa sobre os países da periferia como o nosso, parece assim chocar-se com uma filosofia algo antiquada do fenómeno ecológico.
"Deslizamento de terreno", "avalanches" e "tremores de terra", por exemplo, há 16 anos que são mais vezes acidentes fabricados do que ocorridos naturalmente, desde que os testes subterrâneos com bombas nucleares se realizam.
Para uma política do ambiente europeia que se reclama tão actualizada, trata-se, sem dúvida, de um acidental anacronismo. Ou de um mero caso de surdez mental.

OS DESLISES CLÁSSICOS E OS MEANDROS MODERNOS

Houve deslizes, no LNEC, em Abril de 1980, mas por parte dos ambientalistas clássicos, ainda não habituados ao troar dos canhões europeus e às vezes de comando dos grandes estrategas do "ordenamento".
Quando o prof. Caldeira Cabral, pai de uma geração de arquitectos paisagistas, alude no seu discurso ao "progresso da civilização industrial", perdeu evidentemente uma boa ocasião de estar calado. Já ninguém, ao ritmo europeu, comete uma destas.
Outro clássico, o Dr. Fernando Carneiro, também se mostrou pouco diplomata ao inventariar os "benefícios do progresso" e ao constatar, logo a seguir, que "o preço destes benefícios é bastante elevado, mesmo no campo da saúde". Que é, sabe a gente. Mas ninguém o deve dizer num colóquio de engenheiros, feito exactamente para calar o que devia ser dito.
O Dr. Fernando Carneiro também não pareceu muito capaz de liderar a nossa entrada no Mercado, quando referiu o "progresso industrial, extremamente acelerado nas últimas décadas". É que já ninguém, mesmo os trogloditas, tem a lata de chamar progresso à Barbárie de Merda com que nos afogam.
Desde que não se metam, nisto da política, no entanto, os arquitectos paisagistas são bastante verdes e agradáveis. Caldeira Cabral é mesmo professor quando ensina e alguns conceitos brilharam no seu discurso. Ouçamos.

A MEANDRIZAÇÃO

Caldeira Cabral falou de "continuum naturale", a que associou a noção clássica de homeostase e equilíbrio estável.
A complexidade dos sistemas naturais passa por várias noções de conjunto, sublinhadas ao longo da sua lição.
"O mundo biológico, com efeito (disse Baker Cook) é uma vasta rede de populações vivas em estado de equilíbrio dinâmico, reflectindo mudanças no seu meio ambiente e nas suas mútuas relações.”
"Rede", "equilíbrio dinâmico","mútuas relações", eis outras tantas palavras-chave que, segundo Caldeira Cabral, convergem na definição de conceitos fundamentais como "variedades", "diversidade", "continuidade", "elasticidade" e "meandrização", todos eles antónimos do que define hoje a mecanização moderna, abusivamente designada "técnica".
Resulta daqui difícil saber como é que uma política de conservação vai conciliar estes dois opostos e que estratégia vai seguir para a terceira via preconizada por Caldeira Cabral.
Aludindo às duas posições extremistas, ele acusa "ambas as tendências de inviáveis: a dos que tudo querem conservar como está e a dos que tudo querem transformar e arrazar para depois construírem o mundo ideal da técnica."
Segundo o orador, "as técnicas modernas, sobretudo mecânicas, tendem para a simplificação" mas - sublinham alguns - a palavra exacta não é "simplificação", antes pelo contrário: a concepção mecanicista do Mundo tende, exactamente, para a complicação desnecessária, que o actual espectáculo de confusão e barbárie "tecnológica" traduz. Enquanto a vida e os processos vivos são, simultaneamente, simples e complexos, o mecanismo é complicado e simplório, extasiando os parolos com as "falsas maravilhas da técnica".
Segundo o conferencista, aliás, essa complexidade evidencia-se através da noção de "homeostase", inventada pelo investigador americano Walter B. Cannon.
Essencial na compreensão ecológica dos fenómenos vivos, "homeostase" define o dinamismo interno dos ecossistemas, "não implica uma situação fixa e imóvel, uma estagnação quer significar uma condição que pode variar mas que é relativamente constante."
Lamentando a incompreensão generalizada destas situações, o prof. Caldeira Cabral explica: "em relação à água, é frequente não se entender a todos os níveis que o que se chama ciclo da água é um sistema coerente e por isso um rio não é somente a água que corre livremente no leito visível mas sim um sistema de que esse leito e essa água fazem parte em conjunto com toda a água que circula no leito subterrâneo, com a água dos braços mortos do rio, com a água freática das encostas e o escoamento de toda a bacia."
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(*) Este texto de 5 estrelas terá sido, provavelmente, publicado no semanário «Gazeta do Sul», pelo menos acho que o enviei ao Dr. Rocha Barbosa, director da «Gazeta».
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