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2006-05-17

AMBIENTE 1980

1-3 - 80-05-17-ie-ecc> quinta-feira, 2 de Janeiro de 2003-scan

SERÁ SEMPRE O CONSUMIDOR QUEM PAGA AS DESPESAS POLUIÇÃO(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela deve ter ficado inédito, com a data indicada em que foi produzido

[17-5-1980]

O público será sempre quem paga os custos com os cuidados anti-poluição e a protecção do Meio Ambiente.

Por intermédio de impostos directos ou através dos produtos que compra, o consumidor será sempre a entidade "pagadora" dos custos que a poluição implica.

O célebre "Princípio do Poluidor Pagador" - conhecido pelos três P - é assim um mero slogan, uma ficção verbal, nunca realizada na prática, como largamente foi denunciado durante o colóquio sobre Poluição Industrial, realizado na FIL-80

Produzido pela OCDE e adoptado mais tarde pela CEE, o célebre "ppp", foi ainda proclamado (como se alguma vez tivesse estado vigente) por alguns participantes no colóquio, alheios à realidade ambiente...

Neste sentido, a intervenção do engº Joaquim Viseu, alto dirigente da Siderurgia, teve o mérito de pôr os pontos nos iis, desmistificar muitas afirmações meramente verbais ali feitas e mostrar a crua realidade dos factos. Particularmente elucidativa e não deixando lugar a dúvidas nem ilusões, foi a declaração do engº Joaquim Viseu:

" A nova aciaria do Seixal - disse ele - que vai custar seis milhões de contos
(no âmbito de uma ampliação que custará 40 milhões) terá de gastar meio milhão só em equipamento poluição para captação e despoeiramento."

Gasta-se, assim, com poluição 8% do investimento total da Aciaria:

" Iremos cobrar isso no preço do aço ao consumidor, que é sempre quem paga" concluiu aquele técnico português.

Posteriormente, o eng.º Bouscaren da CITEPA, seria ainda mais claro na sua comunicação sobre "Custos de Produção na Luta Poluição":

" É sempre o cidadão que acaba por pagar, embora não tenha muita consciência disso."

Consciência que os técnicos em poluição também não se esforçam muito por lhe despertar. Antes pelo contrário: o discurso anti-poluição tornou-se num dos mais poderosos narcóticos da opinião pública dos tempos modernos.

Distinguindo entre custos "internos da empresa" e custos "externos", Bouscaren reconheceu que "ninguém até hoje sabe o valor económico do silêncio, do ar, da paisagem, enfim, dos valores vivos e naturais.

"Mas ainda bem, acrescentou, ainda não chegou o tempo em que, ao ver um pôr do sol, as pessoas começam imediatamente a ouvir o tilintar da caixa do dinheiro, traduzindo em cifra monetária esse pôr do sol..."

Mais adiante e sem que houvesse resposta, ficaram no ar perguntas como esta:

"Quantos milhares de escudos serão necessários para melhorar as indústrias de cimento?"

Entre os especialistas da Poluição, há portanto as maiores dúvidas quanto à «rentabilidade da poluição". E na hora da decisão final, o mais provável é que continue a ser a Natureza, o Meio Ambiente e, afinal, o homem, quem continue, como até aqui, a pagar a despesa toda.

Proclamar que a tecnologia limpa tudo quanto a indústria suja, portanto, já não basta e não convence ninguém. Mesmo os técnicos abalizados que neste colóquio debateram o problema.

Como o Dr. F. Brandi, do BIAC não deixou de sublinhar, "é uma utopia acreditar que o homem do século XX possa viver sem a indústria". Ele lá sabe.

Referindo-se a Portugal, disse o técnico alemão:

"Há tarefas para o vosso País mais prioritárias do que a defesa do Meio Ambiente".

Como se falasse a subdesenvolvidos do Terceiro Mundo, afirmou que Portugal não tinha problemas de Meio Ambiente.

"Num País como o vosso é preciso saber se a protecção do Ambiente tem vantagens ou desvantagens para o desenvolvimento económico.''

Classificando "Portugal, pais de turismo", o especialista do BIAC considerou que os "riscos de polarização na política de defesa do Ambiente são enormes" e arregimentou os ambientalistas numa "emocionalização irracional", advertindo-nos contra uma "exagerada política de defesa do Ambiente" que se poderia "tornar utopia".

Tal política de Ambiente jamais poderia vir "restringir as forças do mercado" - disse - e na Alemanha ainda há pouco tempo tivemos oportunidade de reduzir o rigor das leis previstas.

Mas o Dr. Brandi foi ainda mais claro, e sem fumos, ao abordar o dilema "Miséria ou poluição":

"Eu gosto imenso de pescar e caçar, e por isso quero ter florestas e rios limpos. Mas sem dinheiro e, portanto, sem emprego, não se pode ir pescar nem caçar, nem ter o prazer de um bom meio ambiente."

Bem caçado, este Dr. Brandi.

Minutos antes, aliás, ao inaugurar o colóquio, a Dra Margarida Borges de Carvalho, secretária de Estado do Ambiente, membro de um Governo de um País que não é subdesenvolvido mas se prepara para entrar na Comunidade Económica Europeia, tinha assegurado, exactamente, que não admitia contradição entre defesa do Ambiente e crescimento económico.

Enquanto responsável governamental pelo Meio Ambiente, em Portugal, a secretária de Estado repudiou o falso dilema (com cheiro a chantagem) "miséria ou poluição".

Para os que ainda o consideram um antagonismo irredutível, aquele membro do Governo apresentou a tese alternativa conhecida por "ordenamento biofísico do território'', estratégia global de encarar o desenvolvimento.

"Aquela contradição" - disse, referindo-se à falsa antinomia "miséria ou poluição" – “existe apenas e só quando os objectivos do desenvolvimento económico e social se identificam com a simples produção de bens materiais e não com o desenvolvimento harmónico das três componentes essenciais do conceito de qualidade de vida, isto é, o nível de vida, as condições de vida e a qualidade do ambiente .
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(*) Este texto de Afonso Cautela deve ter ficado inédito, com a data indicada em que foi produzido.
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