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2006-04-17

MARAVILHOSO 1984

1-4- 84-03-17-ie> = ideia ecológica - quinta-feira, 21 de novembro de 2002 – scan

“É INCRÍVEL” – À SEXTA-FEIRA PELAS 19 HORAS - O MARAVILHOSO MUDA DE HORÁRIO

[17-3-1984] - É incrível mas reconfortante que o melhor programa da R.T.P. seja em grande parte preenchido com "revelações" da mais antiga sabedoria tradicional, que só são incríveis para quem ainda acredita em bruxas e que tudo é obra do acaso.
Ora o acaso não existe, porque a Ordem do Universo é inalterável.
Inacreditável é que a ciência ocidental tivesse alguma vez acreditado no contrário, relegando a Ordem do Universo para o plano duvidoso das hipóteses místicas ou metafísicas. Desta perversão fundamental resulta o fracasso da ciência moderna, que se estarrece perante as mais elementares e óbvias manifestações do Logos universal.
A questão posta pela magia do chamado "insólito" - curiosamente antologiado nesse programa da R.T.P. - poderá traduzir-se nesta pergunta: como é que o mais científico se transformou, por magia da metafísica chamada ciência, em transcendente mística?
Este o mistério, este o insólito, este o incrível.
Outro mistério, mas esse indecifrável para todo o sempre, é porque o melhor programa da R.T.P passou de uma hora e dia nobres como lhe pertencia a uma hora e dia anodinos, às dezanove de sexta feira.

PODEROSOS E PIGMEUS

Alguns dos fenómenos maravilhosos ou insólitos que têm passado nesta Revista do pequeno ecrã, referem-se pura e simplesmente ao sistema científico do yin-yang, relacionam-se com os pontos chineses da Acupunctura ou (o que ainda é o mesmo) com o yoga da tradição budista e hindu.
Ao lado das maravilhas da ciência moderna, estas outras maravilhas da ciência antiga original não deixam de fazer boa figura. Sem sectarismo, eu diria mesmo que até fazem melhor figura.
Curar um cão com agulhas de acupunctura - como vimos na transmissão de 26 de Fevereiro - é tão normal como curar pessoas pelas mesmas agulhas de Acupunctura. Mas espanta os "incrédulos" que acreditam na medicina ocidental e por isso relegaram todas as outras que não integrassem o monopólio.
Quando os pigmeus da floresta africana - proeza vista na transmissão do dia 19 de Fevereiro - perseguem o elefante e com uma simples farpa no ponto mortal escolhido conseguem abatê-lo, apesar de pigmeus de nome, é ainda o sistema dos pontos chineses que funciona, sem os pigmeus naturalmente saberem disso, nem os grandes da ciência ocidental, que pigmeus na mentalidade também parecem ser.
O conhecimento dos pontos mortais fornecido pela Acupunctura permite não só espectaculares exibições de artes marciais como o Karate-do o Bu-Do ou o Judo, mas permite também que alguém, como os pigmeus, em aparente situação de inferioridade física, manifeste subitamente forças sobreHumanas e até "sobrenaturais”.
Quem conheça o sistema da Acupunctura considerará muito natural esse "sobrenatural".
Um mapa dos pontos especiais do elefante indiano, publicado em 1955 pelo Museu Nacional do Ceilão, dá uma pista elucidativa de que o sistema de energia vital conhecido há mais de 5000 anos pela Acupunctura do corpo humano, é extensível, pelo menos, a todos os mamíferos, incluindo o cão que o incrível programa da R.T.P. apresentou curado mercê das miraculosas agulhas.
"Miraculoso" é outro conceito que só revela a extensão da nossa ignorância. Toda a Natureza, afinal, é um permanente milagre para a ciência que decidiu estudá-la respeitando-a e colaborando com ela em vez de a tratar a pontapé.

OUTRAS MARAVILHAS DO REINO ANIMAL

Outras maravilhas do reino animal relatadas como insólitas podem igualmente relacionar-se com o sistema vibratório ou ondulatório que a energética oriental (yin-yang) estuda e aprofunda, sem esquecer nunca a prática imediata no concreto.
Por exemplo: a atracção que se estabelece pelo cheiro entre os dois sexos, na classe dos insectos, facilmente se identifica com a importância dada no Oriente aos cheiros e suas diferentes qualidades ou... comprimentos de onda.
Será uma grande novidade que a Aromoterapia, tal como a Homeopatia e a Oligoterapia (duas outras modalidades de medicina energética) surgissem há pouco tempo no Ocidente como grandes técnicas de cura?
Abra-se ao acaso um livro de Medicina Oriental, inspirado na cosmogonia Zen ou taoísta, e a linguagem é sempre em termos de realidade ondulatório, de ritmos, de vibrações e correntes energéticas.
Leia-se, por exemplo, o que Michio Kushi diz dos nossos cinco (?) sentidos à luz da ordem universal:

«Sendo o homem uma manifesta da infinita ordem do universo, dentro do universo infinito, alimenta-se de todas as coisas nele existentes.
Primeiro de acordo com a sua natureza biológica, o homem, tal como apareceu sobre este planeta, alimenta-se dos minerais e das águas da terra e de toda a vida biológica, como vimos no capitulo anterior.
Segundo, alimenta-se do ar e da atmosfera que envolve a terra, absorvendo-os através do sistema respiratório e de toda a superfície da sua pele.
Terceiro, alimenta-se de várias espécies de vibrações, desde as ondas longas, de baixa frequência, até às ondas curtas, de alta frequência, através dos seus receptores sensoriais e de toda a superfície ao seu corpo.
O sentido do tacto lida com as vibrações que se manifestam na matéria sólida; o sentido do gosto, com as vibrações manifestadas sob a forma líquida; o sentido do olfacto, com as vibrações que se manifestam sob a forma gasosa; o sentido da audição recebe vibrações transmitidas através da atmosfera; e o sentido da vista capta e interpreta as ondas luminosas. Estes alimentos, são alimentos sensoriais.»

SEGREDOS DO IOGA

E o programa maravilhoso continua.
O yogui que consegue parar, mais de meia hora, todas as funções orgânicas, metido numa caixa de vidro hermeticamente fechada, que por sua vez ainda pode ficar debaixo de água, deixa os ocidentais boquiabertos mas é apenas o limite máximo de um poder ou controle efectivo sobre o próprio corpo energético que o yogui consegue por técnicas espirituais de auto-gnose e auto-controle perfeitamente conhecidas, naturais e cientificamente comprovadas.
Não faltam os livros de cientistas ocidentais a dizerem, compenetrados, que o yoga é verdade, a acupunctura é verdade, a lei das 5 elementos é verdade, etc
Boquiabertos devíamos nós ficar, no entanto e entretanto, por saber que todo esse poder nos foi retirado por uma ciência e uma cultura escleróticas, raquíticas, caquéticas. Tratou-se, na cultura ocidental, de desapossar o homem dos seus poderes. Ficar 40 minutos numa caixa fechada sem ar, é apenas o aspecto circense de uma realidade que podia e devia ser rotina, se não tivéssemos tido o azar de haver uma coisa chamada Ocidente, Europa e etc
Boquiabertos, pois, parolos que somos, ficaremos a ver outras maravilhas do incrível programa.
O judoca que corta à mão um duro tijolo, como quem corta manteiga no Verão, ou suspende pesos de agulhas atravessadas no pescoço, igualmente está apenas a dominar técnicas rigorosas de auto-controle que derivam imediatamente dos pontos chineses e seu conhecimento, sua "manipulação" (passe o termo).
Os pontos vitais como os pontos mortais são tão conhecidos como os pontos de anestesia e nada teriam de incrível se incrível e colossal não fosse a nossa santa ignorância chamada ciência.

MARAVILHOSAS PROEZAS

Já com o horário do programa virado do avesso, assistimos às maravilhosas proezas de um vedor, no Arizona, que descobre água num ponto exacto em terra onde os hidrólogos juravam não haver água nenhuma. O “feiticeiro da varinha" conseguia ver onde os outros nada viam. E o casal deu saltos de contente quando viu jorrar água para a sua propriedade, logo que a perfuradora atingiu a profundidade de 80 metros.
No dia seguinte, sábado, "A Capital" publicava uma entrevista com o sr. Filipe Gomes, de Moçarria (Santarém), um dos vedores portugueses mais famosos. Um pouco de intuição, um pouco de experiência, mais vocação e alguma sorte produzem este "milagre": no fundo, trata-se de conhecer energeticamente a terra e a maneira como ela responde a um receptor previamente preparado, neste caso o vedor e sua varinha mágica.
A única diferença entre o feiticeiro português e o do Arizona, está na varinha: o nosso usa uma de aço, o outro de sabugueiro verde. Tanto faz: o sistema é imutável e funciona sempre.
Leva-nos tudo isto a concluir, mais uma vez, correndo o risco da redundância que o "incrível", na maior parte dos casos, deriva de um desconhecimento - ora deliberado e teimoso, ora involuntário - daquelas leis que a ordinária ciência ocidental desdenhou, embora agora não se coíba de recuperar de forma atabalhoada.
A ciência original, que se hostilizou e classificou com o anátema de mística, metafísica ou irracional, reaparece e faz negaças ao rigor da grosseira tecnologia que conseguiu lançar foguetões na Lua mas não conseguiu curar uma gripe ou aliviar uma ciática..
É óbvio o desafio subversivo que se contém nos fenómenos rotulados de insólitos, inexplicáveis ou incríveis. É óbvio de que maneira o formidável impacto de um programa como este se torna pedagógico e altamente educativo. É óbvio finalmente porque, após algumas semanas de pedagogia intensiva e subversiva, se pegou na série e meteu no buraco das 19 horas de sexta feira. E vá lá que não o afundaram de vez no canal 2.

NO CAMPO DO MARAVILHOSO

Mas uma pergunta , entretanto, se impõe quanto à orientação filosófica de fundo seguida nesta bela série televisiva: é evidente que a ciência ocidental também apresenta ali as suas maravilhas e a técnica lá está a provocar a nossa admiração. Digamos que se procura um certo pluralismo no campo do maravilhoso, com cedências a dois sistemas culturais em princípio antagónicos.
Todos os casos que enumerámos e mais alguns que não tivemos ocasião de lembrar, provam que não há sectarismo nesta equipa e que o realismo fantástico ali exibido é de boa cepa, deontologicamente honesto, pelo menos.
No entanto, impõe-se a pergunta: porque não se refere o sistema cultural que explicaria muitos dos fenómenos ali mostrados como inexplicáveis.
A menos que se trate de preservar, a todo o custo, a áurea do maravilhoso e inexplicado, necessários como encenação do espectáculo, aceita-se mal que sistematicamente não digam nem explicitem as razões meramente físicas que explicam tão "transcendentes", "miraculosos", "sobrenaturais" ou "metafísicos" fenómenos e exibições.
Já agora, e porque já deu boas provas, esta bela antologia do maravilhoso podia ser um pouco mais séria do que aqueles livros de vulgarização que hoje correm no mercado aconselhando as pessoas a pressionar certos pontos do corpo para se tratarem mas totalmente omissos quanto ao sistema energético que permite tratamentos e curas por pressão de pontos determinados do corpo.
No mercado há hoje vários livros de Digitopunctura (massagem de pontos chineses) que aconselham o doente a massajar aqui e ali mas nada explicam do como, do porquê, do onde e de onde vieram esses pontos, que não caíram do céu por acaso nem funcionam por capricho do destino mas obedecem apenas à Ordem do Universo e suas imutáveis leis.
E voltamos à questão posta de início: fado, acaso, destino, parecem afinal noções derivadas de um deliberado ou involuntário desconhecimento das leis que regem o Universo.
Os povos educados na íntima e ancestral prática dessas leis imutáveis, desconhecem o acaso, o destino, o fado ...tão português.
Conhecer a Ordem do Universo e obedecer-lhe é, assim, condição sine qua non de não sermos dominados pelo destino, pelo fado, pelo acaso.
Conhecer a Ordem do Universo e obedecer às suas leis é a fonte do poder que se revela, com tintas de espanto, nessas maravilhas que correm perante os nossos olhos através do canal 1, dantes aos domingos das 18 às 19 horas e agora - cuidado, silêncio, perigo - muito escondidinhas à sexta feira pelas 19 horas.
Quando no dia 26, após a cura espectacular de um cão (com agulhas) se seguem algumas experiências com fumadores inveterados, aos quais se injectam violentas e mirabolantes substâncias anti-tabágicas (procaína?) faltou dizer que o desmame do cigarro em particular e da droga em geral são operações de rotina em desintoxicação por acupunctura.
É o que ainda não percebemos no ecletismo deste espectáculo televisivo, sem dúvida perturbante, sem dúvida pedagógico, sem dúvida fora do contexto sensaborão e chatíssimo da rotina televisiva: se não se explicam certas coisas porque o inexplicável se vende bem e o público compra, ou se de facto tão viciados estão os produtores da série que vêm o incrível em coisas que já estavam explicadinhas, com pontos e tudo, há mais de cinco mil anos.
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