BIOSFERA 1970
1-2-70-04-15-ie-et> sexta-feira, 29 de novembro de 2002-scan
PARA UMA POLÍTICA PLANETÁRIA (*)
(*) Este texto de Afonso Cautela, com este título, serviu de prefácio ao livro «O Suicídio da Humanidade», Nº 3 da colecção «Cadernos do Século», por ele dirigida na editorial «O Século», Abril de 1970 (data da tipografia)
[Abril de 1970 ] - Não falta quem considere bastante platónicos os apelos que, desde Setembro de 1968, por iniciativa da UNESCO, até Janeiro de 1970, por iniciativa do Conselho da Europa, foram lançados, no sentido de conservar a natureza e proteger o homem.
De facto, não se vê como é que uma civilização tão orgulhosa do seu poderio e tão empenhada em dominar a natureza, irá abdicar desse domínio e renunciar aos seus próprios detritos.
Há também quem veja nesses sinais de alarme e toques de reunir uma manobra de distracção política. Sendo o problema da poluição um problema de metapolítica (ou, na terminologia de Edgar Morin, antropolítica), porque respeita a toda a Humanidade e não a parcelas nacionais, a este ou àquele país ou continente ou bloco, falar dele antes que os imediatos conflitos e as próximas violências estejam sanados ou em vias de solução seria - para os mais duros, mais ortodoxos, mais míopes - uma embaladora maneira de nos iludirmos.
No entanto, e segundo os peritos que têm vindo a enriquecer o dossier Poluição (em parte transcrito no presente caderno), estamos muito mais próximos de um suicídio colectivo e de uma total destruição do que os distraídos ou optimistas supõem e do que as guerras locais e semilocais deixam perceber.
Daí que o Conselho da Europa tenha decidido lançar uma campanha contra a poluição e suas nefastas consequências sobre o habitat humano.
Trata-se, no fundo, menos de combater o próprio mal que se denuncia, do que mobilizar os espíritos, esclarecer a opinião (primeiro) e aproveitar (depois) a força que de muitas opiniões unânimes e conjugadas sobre um determinado alvo-objectivo pode advir.
Trata-se, inclusive, de pedir um cessar fogo imediato nos conflitos localizados e dizer, pedir à Humanidade, que, em vez de se entredestruir, em vez de se combater (todas as guerras são civis), tente a sua última oportunidade de sobreviver em conjunto e de em conjunto viver.
Se a biosfera se satura de venenos letais, se o meio ambiente se degrada e polui, se o encombrement ameaça sufocar, afogar e paralisar o homem, todos devem saber se ainda vão a tempo de emendar a civilização, de se defender e de preparar um mundo mais habitável aos que vierem.
Em Outubro de 1968, o semanário L'Express, a propósito da já citada conferência promovida pela UNESCO, escrevia:
« A Terra está em perigo! Eis o grito de alarme lançado por cerca de 300 peritos, representando uns 50 países, a fim de proporem «bases científicas para a utilização racional e para a conservação dos recursos da biosfera.»
Mas em 1968, o tema era ainda de lunáticos (sábios e cientistas, na emergência, mas lunáticos). Os sensatos, os do imediato, os do improviso, os do curto prazo, os do deixa andar, riam-se e duvidavam de que a poluição pudesse constituir problema, ou sequer tema de simpósios internacionais.
Vozes isoladas - o franco-atirador, o poeta, o filósofo, o pedagogo, o urbanista, o espírito prospectivo - teimavam em denunciar a situação, mas sem eco nos círculos da administração política. Em Janeiro de 1969, o Le Courier da UNESCO publicava um número especial com uma capa triste: um pinguim sucumbia, de asas pendidas como um símbolo, à invasão da toalha de óleo que, em qualquer oceano, deixara um cargueiro gigante. E perguntava: «Poderemos tornar o nosso planeta habitável?»
Dessa inabitabilidade surgiriam ecos cada vez mais insistentes, até que a administração Nixon (um homem político secundava, pela primeira vez, a inquietação dos lunáticos) fazia do combate à poluição um dos seus propósitos centrais (caso de vida ou de morte para muitas megalópolis norte-americanas) até 1980.
Dois anos, portanto, bastaram: através de manifestações na América e na Europa - campanhas de Imprensa, declarações de homens políticos e mesmo medidas governamentais - o homem da rua descobre, neste princípio de ano e de década, os perigos que impendem sobre o seu habitat natural.
Consagrado normalmente a problemas de instância política imediata, não é talvez por acaso que o mensário Le Monde Diplomatique resolve consagrar aos Perils de L'Environnement um dossier especial, no seu número de Fevereiro de 1970. Neste volume o reproduzimos, acrescentando-lhe alguns textos que possam completá-lo ou reforçar os pontos de vistas expostos.
Limitando-se à biosfera, esse dossier e, portanto, este caderno, não considera mas pressupõe outros capítulos igualmente importantes do ecossistema: a civilização industrial condiciona não só os corpos mas também as mentes dos indivíduos.
Quando Herbert Marcuse denuncia o processo ou circuito fechado, sem pontos de ruptura, está a referir-se, nem mais nem menos, do que à poluição mitológica ou cultural que envolve o grupo humano urbanizado - grupo que deixa de se poder auto-discutir e que, portanto, se autodestrói O problema Poluição é assim e finalmente um problema total, digamos mesmo global (relativo a globo terrestre) implicando, por isso, perspectivas e soluções de política planetária.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, com este título, serviu de prefácio ao livro «O Suicídio da Humanidade», Nº 3 da colecção «Cadernos do Século», por ele dirigida na editorial «O Século», Abril de 1970 (data da tipografia)
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PARA UMA POLÍTICA PLANETÁRIA (*)
(*) Este texto de Afonso Cautela, com este título, serviu de prefácio ao livro «O Suicídio da Humanidade», Nº 3 da colecção «Cadernos do Século», por ele dirigida na editorial «O Século», Abril de 1970 (data da tipografia)
[Abril de 1970 ] - Não falta quem considere bastante platónicos os apelos que, desde Setembro de 1968, por iniciativa da UNESCO, até Janeiro de 1970, por iniciativa do Conselho da Europa, foram lançados, no sentido de conservar a natureza e proteger o homem.
De facto, não se vê como é que uma civilização tão orgulhosa do seu poderio e tão empenhada em dominar a natureza, irá abdicar desse domínio e renunciar aos seus próprios detritos.
Há também quem veja nesses sinais de alarme e toques de reunir uma manobra de distracção política. Sendo o problema da poluição um problema de metapolítica (ou, na terminologia de Edgar Morin, antropolítica), porque respeita a toda a Humanidade e não a parcelas nacionais, a este ou àquele país ou continente ou bloco, falar dele antes que os imediatos conflitos e as próximas violências estejam sanados ou em vias de solução seria - para os mais duros, mais ortodoxos, mais míopes - uma embaladora maneira de nos iludirmos.
No entanto, e segundo os peritos que têm vindo a enriquecer o dossier Poluição (em parte transcrito no presente caderno), estamos muito mais próximos de um suicídio colectivo e de uma total destruição do que os distraídos ou optimistas supõem e do que as guerras locais e semilocais deixam perceber.
Daí que o Conselho da Europa tenha decidido lançar uma campanha contra a poluição e suas nefastas consequências sobre o habitat humano.
Trata-se, no fundo, menos de combater o próprio mal que se denuncia, do que mobilizar os espíritos, esclarecer a opinião (primeiro) e aproveitar (depois) a força que de muitas opiniões unânimes e conjugadas sobre um determinado alvo-objectivo pode advir.
Trata-se, inclusive, de pedir um cessar fogo imediato nos conflitos localizados e dizer, pedir à Humanidade, que, em vez de se entredestruir, em vez de se combater (todas as guerras são civis), tente a sua última oportunidade de sobreviver em conjunto e de em conjunto viver.
Se a biosfera se satura de venenos letais, se o meio ambiente se degrada e polui, se o encombrement ameaça sufocar, afogar e paralisar o homem, todos devem saber se ainda vão a tempo de emendar a civilização, de se defender e de preparar um mundo mais habitável aos que vierem.
Em Outubro de 1968, o semanário L'Express, a propósito da já citada conferência promovida pela UNESCO, escrevia:
« A Terra está em perigo! Eis o grito de alarme lançado por cerca de 300 peritos, representando uns 50 países, a fim de proporem «bases científicas para a utilização racional e para a conservação dos recursos da biosfera.»
Mas em 1968, o tema era ainda de lunáticos (sábios e cientistas, na emergência, mas lunáticos). Os sensatos, os do imediato, os do improviso, os do curto prazo, os do deixa andar, riam-se e duvidavam de que a poluição pudesse constituir problema, ou sequer tema de simpósios internacionais.
Vozes isoladas - o franco-atirador, o poeta, o filósofo, o pedagogo, o urbanista, o espírito prospectivo - teimavam em denunciar a situação, mas sem eco nos círculos da administração política. Em Janeiro de 1969, o Le Courier da UNESCO publicava um número especial com uma capa triste: um pinguim sucumbia, de asas pendidas como um símbolo, à invasão da toalha de óleo que, em qualquer oceano, deixara um cargueiro gigante. E perguntava: «Poderemos tornar o nosso planeta habitável?»
Dessa inabitabilidade surgiriam ecos cada vez mais insistentes, até que a administração Nixon (um homem político secundava, pela primeira vez, a inquietação dos lunáticos) fazia do combate à poluição um dos seus propósitos centrais (caso de vida ou de morte para muitas megalópolis norte-americanas) até 1980.
Dois anos, portanto, bastaram: através de manifestações na América e na Europa - campanhas de Imprensa, declarações de homens políticos e mesmo medidas governamentais - o homem da rua descobre, neste princípio de ano e de década, os perigos que impendem sobre o seu habitat natural.
Consagrado normalmente a problemas de instância política imediata, não é talvez por acaso que o mensário Le Monde Diplomatique resolve consagrar aos Perils de L'Environnement um dossier especial, no seu número de Fevereiro de 1970. Neste volume o reproduzimos, acrescentando-lhe alguns textos que possam completá-lo ou reforçar os pontos de vistas expostos.
Limitando-se à biosfera, esse dossier e, portanto, este caderno, não considera mas pressupõe outros capítulos igualmente importantes do ecossistema: a civilização industrial condiciona não só os corpos mas também as mentes dos indivíduos.
Quando Herbert Marcuse denuncia o processo ou circuito fechado, sem pontos de ruptura, está a referir-se, nem mais nem menos, do que à poluição mitológica ou cultural que envolve o grupo humano urbanizado - grupo que deixa de se poder auto-discutir e que, portanto, se autodestrói O problema Poluição é assim e finalmente um problema total, digamos mesmo global (relativo a globo terrestre) implicando, por isso, perspectivas e soluções de política planetária.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, com este título, serviu de prefácio ao livro «O Suicídio da Humanidade», Nº 3 da colecção «Cadernos do Século», por ele dirigida na editorial «O Século», Abril de 1970 (data da tipografia)
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