ECO-MEDICINA 1975
1-5 - 94-04-13-ah> = abordagem holística da saúde - 17236 caracteres - ces-ecopatol>revista>
[«Vida & Natureza»: «Know-how» inédito e estritamente confidencial]
13-4-1994
INTUIÇÕES DE ECOLOGIA HUMANA (HOLÍSTICA) EM 1975-1980
ALGUMAS CONDIÇÕES SINE QUA NON PARA QUE UMA POLÍTICA DE SAÚDE NÃO SEJA UMA POLÍTICA DE DOENÇA
[Este texto chegou a ser proposto à candidatura presidencial de Otelo[em que data foi?] Apesar dos cortes já efectuados, o texto, até agora inédito, (29/10/1990), tem resquícios ainda de um radicalismo contemporâneo da época «revolucionária» em que foi escrito.]
SAÚDE E AMBIENTE:PEDRA DE TOQUE DE UMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA
[PREMISSAS DEMOCRÁTICAS(QUER DIZER:ECOLÓGICAS) DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE]
Pedra de toque de uma Democracia, pela política de saúde se conhecem os partidos e governos. Sendo a actual política a que se chama de saúde apenas uma política da doença (de aparente combate à doença) pode imaginar-se o estado em que continua a encontrar-se a nossa democracia.
Pedra de toque da mentalidade que anima a classe política, as elites dirigentes e os respectivos e vigentes discursos, terá de se concluir, com alguma tristeza, pelo trogloditismo inerente a esse discurso, a essa classe, a essa elite, a essa política.
Todos eles, no fundo, andam empenhados no «combate à doença» - menos empenhados, mesmo assim, do que nos querem fazer crer - combate esse que pressupõe deixar proliferar primeiro aquilo que depois se vai, bombeiralmente, combater. E nunca se acaba o combate, nunca se acaba a guerra. Uma vez por outra, o Estado, através da chamada Segurança Social, através da chamada Comunicação social, diz que a «saúde está caríssima». Mas o que está caríssimo, excelentíssimas excelências, são os medicamentos, porque as multinacionais farmacêuticas não são parvas, não perdoam, e fazem elas muito bem. Aproveitam-se. Agora que os medicamentos e as multinacionais farmacêuticas não têm nada a ver com saúde, é mais que óbvio e notório. Não é, pois, a saúde que está cara. O que está caro e nos sai dos bolsos de contribuintes pategos é a estupidez dos políticos coadjuvados pela esperteza das multinacionais farmacêuticas.
Esta política bombeiral de saúde revela assim a mentalidade vigente nas grandes e pequenas opções propostas ao eleitorado, onde a sintomatologia, o reformismo, as sopas depois do almoço fazem regra.
PARÂMETROS ECOLÓGICOS
Política de saúde que não entre em linha de conta com os parâmetros ecológicos e ambientais da higiene, da profilaxia e da prevenção é, de facto, um absurdo. Um grotesco absurdo. É que, perante um sintoma - a que chamam doença - manda a lógica que se faça o diagnóstico para indagar das causas que produzem os efeitos chamados sintomas, chamados doenças. Ora sendo hoje ambiental a causa predominante das doenças, impunha-se, antes de mais nada, uma despistagem desses factores ambientais, se por acaso na política se funcionasse logica e cientificamente. Ou pouco mais ou menos. Mas despistagem ambiental da doença é matéria que todos os profissionais da «saúde» continuam, prudentemente, ignorando. O mais lógico, conveniente e económico - se alguma coisa fosse lógica neste reino - seria, pois, conservar a saúde enquanto ela existe e não esperar pela doença para a combater. Ora para conservar a saúde não é preciso gastar grandes verbas, há apenas que fazer stop, já, aos múltiplos factores endógenos e exógenos que a degradam - os factores que «fabricam» doenças - a começar nos políticos obtusos que são uma das principoais causas de morte, toxicose e doença em Portugal.
Uma política de saúde que não pressuponha uma política do ambiente é assim uma caricatura e uma invenção paranóica. Como o programa de política de saúde de todos os partidos ilustra.
CONDIÇÕES SINE QUA NON
Não há política de saúde sem levar em consideração o poder de pressão exercido no sector médico pelos monopólios que de raiz comprometem e alienam a saúde: as indústrias químico-farmacêuticas, açucareira e alimentar (o «agrobusiness»), são as que mais substancialmente contribuem para uma degeneração acentuada da saúde pública.
Não há política de saúde sem infraestruturas sanitárias de base (sobre as quais as populações possam exercer total controle), sem condições higiénicas mínimas, sem modificação estrutural de uma política de construção habitacional totalmente ao serviço das classes até agora exploradas.
Não há política de saúde, também, sem abrandamento das tensões produzidas pela divisão e luta de classes, pelo mundo concentracionário das cidades, pelo stress do trabalho, pelas violências e alienações da máquina de consumo e da máquina publicitária anexa.
Não há política de saúde sem uma política radical de descentralização do povoamento (uma política agrícola de repovoamento rural, sem mitos tecnocráticos)e a progressiva eliminação dos cancros urbanos.
Não há política de saúde sem uma política agrícola de base ecológica, cujo primeiro efeito é atrair maior número de braços ao campo (e novos postos de trabalho) e cujos objectivos sejam efectivamente alimentar bocas, em vez de atingir metas de produção impostas pelos padrões euroimperialistas das OCDE e CEE. Quer dizer: não há política de saúde sem que se defina como prioridade a qualidade nutritiva dos produtos retirados da terra, ainda que em detrimento (mas não fatalmente) da quantidade produzida.
Não há política de saúde sem uma política educativa que reconverta os meios de comunicação social - venenos da opinião - em escolas abertas, sem uma política educativa que destine parte importante da aprendizagem básica às técnicas autocurativas e de autosuficiência, à educação alimentar, ao autodiagnóstico e às técnicas de autoconhecimento e autorealização (biofísica e biopsíquica), enfim, à descolonização do doente,[ factor preponderante da descolonização cultural que uma revolução implica.]
Não há política de saúde baseada exclusivamente no «combate à doença». Uma política de saúde, por definição, será radical e prioritariamente preventiva, no sentido mais científico, preparando todas as condições para que a doença não ecluda e para que a população conserve o seu capital natural de saúde, só em última instância havendo que recorrer à medicina sintomática, em casos crónicos ou herdados de anteriores situações sociais anómalas (degradadas), mas sem jamais admitir a exploração do homem pelo homem, do doente pelo médico.
Será preventiva, também, num sentido totalmente diferente daquele em que a política de vacinação actual é considerada a única medicina preventiva.
[Ao reescrever este texto, em 30/Outubro/1990, constato que as afirmações nele feitas permanecem válidas mas, tal como quando foram escritas, utópicas. De facto, uma política de saúde que não seja uma política de combate à doença, é condicionada por uma série de outras políticas - agrícola, ambiental, educativa, económica, social - e só existe, só faz sentido se elas de facto existirem e se funcionar em consonância com elas: uma política de saúde, na prática, é decorrência de outras políticas.
Como esta harmonia de vários ministérios é impensável em qualquer governo do mundo, concluir-se-á que em nenhum país do mundo existe uma política de saúde e que ela é, portanto, utópica.
Mas não é tão utópica como isso, se, entretanto, o conceito de sociedade paralela ou sector alternativo da sociedade for introduzido. No dia em que um governo conseguir adoptar uma política de saúde, é porque os parâmetros ecológicos assumiram a predominância e foram estabelecidos como prioritários e não os da economia, da produtividade, da quantidade ou do número. No dia em que a qualidade (de vida) for de facto a prioridade de qualquer governo, teremos a almejada política de saúde. Só que não é previsível um governo com capacidade de manobra para se desembaraçar de todas as pressões dos «lobbies» que vão vivendo de matar, vão ganhando lucros com a proliferação da doença, vão enriquecendo com o definhamento e degeneração das populações.
Uma única esperança existe de que esta situação tenda a inverter-se: é que a doença hoje trepa a todas as classes e quando atingir em cheio a classe dos lobbies, talvez os filhos, as esposas dos poderosos os convençam a desistir de pressionar governos a favor das suas indústrias de morte e doença.]
PREMISSAS DEMOCRÁTICAS
Uma política de saúde em democracia pluralista, dará prioridade às condições de habitabilidade, não só no aspecto de alojamento (direito e garantia de) mas no da higiene urbana ou rural, providenciando para que todos os focos de contaminação (lixeiras, pocilgas, esgotos) sejam eliminados, sujeitando-os a rigorosa e pormenorizada regulamentação legal.
Uma política de saúde de base democrática dará às populações e ao poder local um papel preponderante no controle da poluição ambiente, tornando-as activas e organizadas não só no acondicionamento dos lixos mas na selecção de detritos que conduzam, por sua vez, a uma política económica de reciclagem sistemática de materiais, quer orgânicos e biodegradáveis, quer de origem celulósica (papel), quer de origem química (plásticos).
Essa actividade local [do poder popular], porém, será enquadrada por legislação de âmbito nacional, a que corresponda uma clara política sanitária. Estações centrais de tratamento (por incineração ou outros processos postos à prova pela experiência) de lixos serão criadas pelo poder central, sempre que as pequenas unidades de autoconstrução por iniciativa local não satisfaçam as necessidades da respectiva densidade populacional.
Uma política de saúde não pode esquecer que muitos dos problemas criados por condições anti-higiénicas são especificamente de ordem social e decorrem das condições aviltantes em que a população é obrigada a habitar.
Uma política de saúde é, por isso, automatica e grandemente estimulada pela modificação das condições gerais de vida em que as populações pobres se encontram enquanto classe explorada. Mas terá ainda que ser «construída» na parte positiva da Reciclagem e Reaproveitamento.
Para lá dos lixos domésticos, cuja recolha, selecção e reciclagem será um problema de política local,
Para lá dos esgotos urbanos e seu tratamento, que será um problema de política inter-regional,
Para lá de uma política económica de reciclagem e reaproveitamento sistemático que enquadrará todas essas políticas regionais e inter-regionais,
há o propósito de assumir o mesmo critério de reciclagem para casos como o da sucata automóvel ( a remover e a centralizar em parques fechados de âmbito provincial e inter-provincial, através de campanhas que, emanadas do poder central, receberiam ânimo e apoio das populações, agentes activos dessas campanhas).
AUTODEFESA DO CONSUMIDOR
Sem esquecer que a violência exercida sobre o consumidor é inerente à violência de uma sociedade dividida em classes, acreditamos que é possível, desde já, uma consciência cívica cada vez mais desperta que vá tornando inviáveis e caducos os aspectos mais ostensivos da opressão que a máquina do poder exerce sobre o consumidor: as vacinas e a pílula anticoncepcional seriam duas dessa violências.
Movimentos que visem reconverter os consumos em termos de economia ecológica, suprimindo supérfluos e valorizando o fundamental, terão que ser energicamente incentivados pelo poder central e as populações orientadas para seguir a mais correcta política de consumos,[ destruída que seja a infernal máquina publicitária, substituída então por uma verdadeira escola em que os meios de comunicação social terão que se transformar.]
Não há política alimentar que sirva o consumidor sem a destruição dos monopólios[?] que dirigem os consumos em geral e os consumos alimentares em particular, para objectivos que tenham apenas em vista os lucros das empresas, a eles imolando o interesse, a saúde, a segurança e a economia do consumidor.
Não há política alimentar sem uma concepção definida do alimento principal e sem uma dieta declarada pela experiência como a dieta simultaneamente mais completa, económica, nutritiva e saudável.
Neste sentido, uma política alimentar de base democrática dará apoio e fomentará movimentos que, já organizados, têm provas dadas pela experiência, no campo de uma alimentação mais racional, saudável e conservadora [?] das condições de saúde.
SEGURANÇA QUOTIDIANA
Desde o quotidiano de ruas e estradas (que dão o maior contingente de mortos e estropiados ao País, depois da guerra colonial) até às «unidades de alto risco» como centrais nucleares, gasómetros no meio da cidade, indústrias explosivas, etc,. a insegurança não deixa de constituir uma constante da sociedade de violência que tem nela, além do mais, um factor de guerra de nervos. Não deixa também a insegurança de constituir um factor condicionante da qualidade de vida da população e, no campo dos postos de trabalho, um assunto perfeitamente tabu para todas as correntes políticas, incluindo as de esquerda.
As medidas adoptadas sob o nome de segurança, ou são comandadas por objectivos meramente propagandísticos (a campanha «circular é viver», por exemplo) ou não passam, quase sempre, de remendos num pano totalmente esburacado.
Se a segurança, em bairros de habitação degradada, já não é um problema de ambiente por ser antes um problema de desigualdades sociais, eis que no caso das indústrias com graves problemas de insegurança, é já um problema de política e planificação económica global, que não sacrifique o concreto das vidas humanas ao abstracto de congeminações, fantasmas, mitos e lucros em que o tecnocrata político se masturba[?].
URGÊNCIAS
É urgente lembrar a importância de uma política de saúde como vector fundamental de uma ética política e de um Estado de Direito. É urgente, pois:
- Que as instituições de saúde respondam claramente ao desafio posto pelas chamadas «doenças da civilização», ao respectivo diagnóstico ecológico e às respectivas terapêuticas naturais/causais adequadas
- Que as élites governantes, especialmente no campo médico [?], desfossilizem as suas posições, abdiquem do seu trogloditismo nato e vejam que é vanguarda europeia dar atenção aos métodos ecológicos de conservar a saúde, muito mais económicos para o orçamento geral do Estado do que o famigerado combate à doença
-[Que se ponha cobro ao escândalo do pão-borracha, à sua inferior qualidade, aos vários produtos químicos que, ilegal ou legalmente, se adicionam no seu fabrico]
- Que se tomem a sério medidas, até agora raras e tímidas, para a diversificação de horários em Lisboa e localidades onde o congestionamento é também um factor determinante da saúde pública;
- Que se ponham imediatamente a funcionar as «comissões de gestão do ar», criadas por decreto-lei 255/80, de 30 de Julho, e cujo adiamento é mais um sinal do comprovado desprezo pela saúde pública, quando o dilema for entre saúde e interesses corporativos de uma determinada indústria
- Que os esquemas de previdência [segurança social] cubram imediatamente os tratamentos e terapêuticas naturais/causais, como acupunctura, homeopatia, etc.
- Que se dê apoio a cooperativas de medicina tradicional chinesa
- Que se reformule a chamada política de saúde e que mais não tem sido do que política de [promoção da]doença
- Que seja posta em prática uma política de agricultura biológica, introduzindo gradualmente projectos-piloto viáveis, campos experimentais, zonas de produção alternativa, para que experimentalmente se verifiquem os princípios e métodos defendidos pelos ecologistas realistas, na certeza de que maior proditividade só será conseguida, a médio e longo prezo, pela defesa biológica dos solos, obviando à sistemática esterilização provocada pela hecatombe química
MOÇÃO CONTRA O RUÍDO
Considerando que o ruído, para lá dos prejuízos já verificados sobre a saúde mental e psíquica dos cidadãos, é um factor inenarrável de embrutecimento e aviltamento quotidiano,
Considerando que há ruídos perfeitamente desnecessários, que nem sequer têm a desculpá-los serem provocados por qualquer serviço considerado de utilidade pública,
Considerando que a indústria dos motores de explosão parece interessada em corromper a saúde mental [de todo um povo] das populações,
Considerando a falta de «vontade política» e de medidas enérgicas que as entidades responsáveis pela ordem e pela saúde públicas têm manifestado relativamente ao flagelo do ruído e outros flagelos do ambiente português,
Considerando a timidez e ineficácia das campanhas levadas a efeito até agora, por entidades que não parecem muito interessadas em debelar a violência nazifascista da poluição acústica e seus principais responsáveis,
declaramos que uma política de saúde e de qualidade de vida deve ter, como pedra de toque e na sua lista de prioridades, um controle enérgico sobre todos os focos de poluição acústica, que, por sua vez, é índice nítido do nível de civilização e civismo da populações e do grau de subtileza qualitativa que uma democracia se mostra capaz de atingir.
---------
[Este texto foi (parcialmente) publicado na «Revista Alentejana», editada pela Casa do Alentejo?
Para efeito de eventual publicação em anexo de um volume sobre o «movimento ecológico-uma polémica amigável - diário de um jornalista», é importante saber se teve a contraprova da publicação.
De que data ou época foi a campanha de segurança rodoviária «circular é viver», citada no texto?]
***
[«Vida & Natureza»: «Know-how» inédito e estritamente confidencial]
13-4-1994
INTUIÇÕES DE ECOLOGIA HUMANA (HOLÍSTICA) EM 1975-1980
ALGUMAS CONDIÇÕES SINE QUA NON PARA QUE UMA POLÍTICA DE SAÚDE NÃO SEJA UMA POLÍTICA DE DOENÇA
[Este texto chegou a ser proposto à candidatura presidencial de Otelo[em que data foi?] Apesar dos cortes já efectuados, o texto, até agora inédito, (29/10/1990), tem resquícios ainda de um radicalismo contemporâneo da época «revolucionária» em que foi escrito.]
SAÚDE E AMBIENTE:PEDRA DE TOQUE DE UMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA
[PREMISSAS DEMOCRÁTICAS(QUER DIZER:ECOLÓGICAS) DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE]
Pedra de toque de uma Democracia, pela política de saúde se conhecem os partidos e governos. Sendo a actual política a que se chama de saúde apenas uma política da doença (de aparente combate à doença) pode imaginar-se o estado em que continua a encontrar-se a nossa democracia.
Pedra de toque da mentalidade que anima a classe política, as elites dirigentes e os respectivos e vigentes discursos, terá de se concluir, com alguma tristeza, pelo trogloditismo inerente a esse discurso, a essa classe, a essa elite, a essa política.
Todos eles, no fundo, andam empenhados no «combate à doença» - menos empenhados, mesmo assim, do que nos querem fazer crer - combate esse que pressupõe deixar proliferar primeiro aquilo que depois se vai, bombeiralmente, combater. E nunca se acaba o combate, nunca se acaba a guerra. Uma vez por outra, o Estado, através da chamada Segurança Social, através da chamada Comunicação social, diz que a «saúde está caríssima». Mas o que está caríssimo, excelentíssimas excelências, são os medicamentos, porque as multinacionais farmacêuticas não são parvas, não perdoam, e fazem elas muito bem. Aproveitam-se. Agora que os medicamentos e as multinacionais farmacêuticas não têm nada a ver com saúde, é mais que óbvio e notório. Não é, pois, a saúde que está cara. O que está caro e nos sai dos bolsos de contribuintes pategos é a estupidez dos políticos coadjuvados pela esperteza das multinacionais farmacêuticas.
Esta política bombeiral de saúde revela assim a mentalidade vigente nas grandes e pequenas opções propostas ao eleitorado, onde a sintomatologia, o reformismo, as sopas depois do almoço fazem regra.
PARÂMETROS ECOLÓGICOS
Política de saúde que não entre em linha de conta com os parâmetros ecológicos e ambientais da higiene, da profilaxia e da prevenção é, de facto, um absurdo. Um grotesco absurdo. É que, perante um sintoma - a que chamam doença - manda a lógica que se faça o diagnóstico para indagar das causas que produzem os efeitos chamados sintomas, chamados doenças. Ora sendo hoje ambiental a causa predominante das doenças, impunha-se, antes de mais nada, uma despistagem desses factores ambientais, se por acaso na política se funcionasse logica e cientificamente. Ou pouco mais ou menos. Mas despistagem ambiental da doença é matéria que todos os profissionais da «saúde» continuam, prudentemente, ignorando. O mais lógico, conveniente e económico - se alguma coisa fosse lógica neste reino - seria, pois, conservar a saúde enquanto ela existe e não esperar pela doença para a combater. Ora para conservar a saúde não é preciso gastar grandes verbas, há apenas que fazer stop, já, aos múltiplos factores endógenos e exógenos que a degradam - os factores que «fabricam» doenças - a começar nos políticos obtusos que são uma das principoais causas de morte, toxicose e doença em Portugal.
Uma política de saúde que não pressuponha uma política do ambiente é assim uma caricatura e uma invenção paranóica. Como o programa de política de saúde de todos os partidos ilustra.
CONDIÇÕES SINE QUA NON
Não há política de saúde sem levar em consideração o poder de pressão exercido no sector médico pelos monopólios que de raiz comprometem e alienam a saúde: as indústrias químico-farmacêuticas, açucareira e alimentar (o «agrobusiness»), são as que mais substancialmente contribuem para uma degeneração acentuada da saúde pública.
Não há política de saúde sem infraestruturas sanitárias de base (sobre as quais as populações possam exercer total controle), sem condições higiénicas mínimas, sem modificação estrutural de uma política de construção habitacional totalmente ao serviço das classes até agora exploradas.
Não há política de saúde, também, sem abrandamento das tensões produzidas pela divisão e luta de classes, pelo mundo concentracionário das cidades, pelo stress do trabalho, pelas violências e alienações da máquina de consumo e da máquina publicitária anexa.
Não há política de saúde sem uma política radical de descentralização do povoamento (uma política agrícola de repovoamento rural, sem mitos tecnocráticos)e a progressiva eliminação dos cancros urbanos.
Não há política de saúde sem uma política agrícola de base ecológica, cujo primeiro efeito é atrair maior número de braços ao campo (e novos postos de trabalho) e cujos objectivos sejam efectivamente alimentar bocas, em vez de atingir metas de produção impostas pelos padrões euroimperialistas das OCDE e CEE. Quer dizer: não há política de saúde sem que se defina como prioridade a qualidade nutritiva dos produtos retirados da terra, ainda que em detrimento (mas não fatalmente) da quantidade produzida.
Não há política de saúde sem uma política educativa que reconverta os meios de comunicação social - venenos da opinião - em escolas abertas, sem uma política educativa que destine parte importante da aprendizagem básica às técnicas autocurativas e de autosuficiência, à educação alimentar, ao autodiagnóstico e às técnicas de autoconhecimento e autorealização (biofísica e biopsíquica), enfim, à descolonização do doente,[ factor preponderante da descolonização cultural que uma revolução implica.]
Não há política de saúde baseada exclusivamente no «combate à doença». Uma política de saúde, por definição, será radical e prioritariamente preventiva, no sentido mais científico, preparando todas as condições para que a doença não ecluda e para que a população conserve o seu capital natural de saúde, só em última instância havendo que recorrer à medicina sintomática, em casos crónicos ou herdados de anteriores situações sociais anómalas (degradadas), mas sem jamais admitir a exploração do homem pelo homem, do doente pelo médico.
Será preventiva, também, num sentido totalmente diferente daquele em que a política de vacinação actual é considerada a única medicina preventiva.
[Ao reescrever este texto, em 30/Outubro/1990, constato que as afirmações nele feitas permanecem válidas mas, tal como quando foram escritas, utópicas. De facto, uma política de saúde que não seja uma política de combate à doença, é condicionada por uma série de outras políticas - agrícola, ambiental, educativa, económica, social - e só existe, só faz sentido se elas de facto existirem e se funcionar em consonância com elas: uma política de saúde, na prática, é decorrência de outras políticas.
Como esta harmonia de vários ministérios é impensável em qualquer governo do mundo, concluir-se-á que em nenhum país do mundo existe uma política de saúde e que ela é, portanto, utópica.
Mas não é tão utópica como isso, se, entretanto, o conceito de sociedade paralela ou sector alternativo da sociedade for introduzido. No dia em que um governo conseguir adoptar uma política de saúde, é porque os parâmetros ecológicos assumiram a predominância e foram estabelecidos como prioritários e não os da economia, da produtividade, da quantidade ou do número. No dia em que a qualidade (de vida) for de facto a prioridade de qualquer governo, teremos a almejada política de saúde. Só que não é previsível um governo com capacidade de manobra para se desembaraçar de todas as pressões dos «lobbies» que vão vivendo de matar, vão ganhando lucros com a proliferação da doença, vão enriquecendo com o definhamento e degeneração das populações.
Uma única esperança existe de que esta situação tenda a inverter-se: é que a doença hoje trepa a todas as classes e quando atingir em cheio a classe dos lobbies, talvez os filhos, as esposas dos poderosos os convençam a desistir de pressionar governos a favor das suas indústrias de morte e doença.]
PREMISSAS DEMOCRÁTICAS
Uma política de saúde em democracia pluralista, dará prioridade às condições de habitabilidade, não só no aspecto de alojamento (direito e garantia de) mas no da higiene urbana ou rural, providenciando para que todos os focos de contaminação (lixeiras, pocilgas, esgotos) sejam eliminados, sujeitando-os a rigorosa e pormenorizada regulamentação legal.
Uma política de saúde de base democrática dará às populações e ao poder local um papel preponderante no controle da poluição ambiente, tornando-as activas e organizadas não só no acondicionamento dos lixos mas na selecção de detritos que conduzam, por sua vez, a uma política económica de reciclagem sistemática de materiais, quer orgânicos e biodegradáveis, quer de origem celulósica (papel), quer de origem química (plásticos).
Essa actividade local [do poder popular], porém, será enquadrada por legislação de âmbito nacional, a que corresponda uma clara política sanitária. Estações centrais de tratamento (por incineração ou outros processos postos à prova pela experiência) de lixos serão criadas pelo poder central, sempre que as pequenas unidades de autoconstrução por iniciativa local não satisfaçam as necessidades da respectiva densidade populacional.
Uma política de saúde não pode esquecer que muitos dos problemas criados por condições anti-higiénicas são especificamente de ordem social e decorrem das condições aviltantes em que a população é obrigada a habitar.
Uma política de saúde é, por isso, automatica e grandemente estimulada pela modificação das condições gerais de vida em que as populações pobres se encontram enquanto classe explorada. Mas terá ainda que ser «construída» na parte positiva da Reciclagem e Reaproveitamento.
Para lá dos lixos domésticos, cuja recolha, selecção e reciclagem será um problema de política local,
Para lá dos esgotos urbanos e seu tratamento, que será um problema de política inter-regional,
Para lá de uma política económica de reciclagem e reaproveitamento sistemático que enquadrará todas essas políticas regionais e inter-regionais,
há o propósito de assumir o mesmo critério de reciclagem para casos como o da sucata automóvel ( a remover e a centralizar em parques fechados de âmbito provincial e inter-provincial, através de campanhas que, emanadas do poder central, receberiam ânimo e apoio das populações, agentes activos dessas campanhas).
AUTODEFESA DO CONSUMIDOR
Sem esquecer que a violência exercida sobre o consumidor é inerente à violência de uma sociedade dividida em classes, acreditamos que é possível, desde já, uma consciência cívica cada vez mais desperta que vá tornando inviáveis e caducos os aspectos mais ostensivos da opressão que a máquina do poder exerce sobre o consumidor: as vacinas e a pílula anticoncepcional seriam duas dessa violências.
Movimentos que visem reconverter os consumos em termos de economia ecológica, suprimindo supérfluos e valorizando o fundamental, terão que ser energicamente incentivados pelo poder central e as populações orientadas para seguir a mais correcta política de consumos,[ destruída que seja a infernal máquina publicitária, substituída então por uma verdadeira escola em que os meios de comunicação social terão que se transformar.]
Não há política alimentar que sirva o consumidor sem a destruição dos monopólios[?] que dirigem os consumos em geral e os consumos alimentares em particular, para objectivos que tenham apenas em vista os lucros das empresas, a eles imolando o interesse, a saúde, a segurança e a economia do consumidor.
Não há política alimentar sem uma concepção definida do alimento principal e sem uma dieta declarada pela experiência como a dieta simultaneamente mais completa, económica, nutritiva e saudável.
Neste sentido, uma política alimentar de base democrática dará apoio e fomentará movimentos que, já organizados, têm provas dadas pela experiência, no campo de uma alimentação mais racional, saudável e conservadora [?] das condições de saúde.
SEGURANÇA QUOTIDIANA
Desde o quotidiano de ruas e estradas (que dão o maior contingente de mortos e estropiados ao País, depois da guerra colonial) até às «unidades de alto risco» como centrais nucleares, gasómetros no meio da cidade, indústrias explosivas, etc,. a insegurança não deixa de constituir uma constante da sociedade de violência que tem nela, além do mais, um factor de guerra de nervos. Não deixa também a insegurança de constituir um factor condicionante da qualidade de vida da população e, no campo dos postos de trabalho, um assunto perfeitamente tabu para todas as correntes políticas, incluindo as de esquerda.
As medidas adoptadas sob o nome de segurança, ou são comandadas por objectivos meramente propagandísticos (a campanha «circular é viver», por exemplo) ou não passam, quase sempre, de remendos num pano totalmente esburacado.
Se a segurança, em bairros de habitação degradada, já não é um problema de ambiente por ser antes um problema de desigualdades sociais, eis que no caso das indústrias com graves problemas de insegurança, é já um problema de política e planificação económica global, que não sacrifique o concreto das vidas humanas ao abstracto de congeminações, fantasmas, mitos e lucros em que o tecnocrata político se masturba[?].
URGÊNCIAS
É urgente lembrar a importância de uma política de saúde como vector fundamental de uma ética política e de um Estado de Direito. É urgente, pois:
- Que as instituições de saúde respondam claramente ao desafio posto pelas chamadas «doenças da civilização», ao respectivo diagnóstico ecológico e às respectivas terapêuticas naturais/causais adequadas
- Que as élites governantes, especialmente no campo médico [?], desfossilizem as suas posições, abdiquem do seu trogloditismo nato e vejam que é vanguarda europeia dar atenção aos métodos ecológicos de conservar a saúde, muito mais económicos para o orçamento geral do Estado do que o famigerado combate à doença
-[Que se ponha cobro ao escândalo do pão-borracha, à sua inferior qualidade, aos vários produtos químicos que, ilegal ou legalmente, se adicionam no seu fabrico]
- Que se tomem a sério medidas, até agora raras e tímidas, para a diversificação de horários em Lisboa e localidades onde o congestionamento é também um factor determinante da saúde pública;
- Que se ponham imediatamente a funcionar as «comissões de gestão do ar», criadas por decreto-lei 255/80, de 30 de Julho, e cujo adiamento é mais um sinal do comprovado desprezo pela saúde pública, quando o dilema for entre saúde e interesses corporativos de uma determinada indústria
- Que os esquemas de previdência [segurança social] cubram imediatamente os tratamentos e terapêuticas naturais/causais, como acupunctura, homeopatia, etc.
- Que se dê apoio a cooperativas de medicina tradicional chinesa
- Que se reformule a chamada política de saúde e que mais não tem sido do que política de [promoção da]doença
- Que seja posta em prática uma política de agricultura biológica, introduzindo gradualmente projectos-piloto viáveis, campos experimentais, zonas de produção alternativa, para que experimentalmente se verifiquem os princípios e métodos defendidos pelos ecologistas realistas, na certeza de que maior proditividade só será conseguida, a médio e longo prezo, pela defesa biológica dos solos, obviando à sistemática esterilização provocada pela hecatombe química
MOÇÃO CONTRA O RUÍDO
Considerando que o ruído, para lá dos prejuízos já verificados sobre a saúde mental e psíquica dos cidadãos, é um factor inenarrável de embrutecimento e aviltamento quotidiano,
Considerando que há ruídos perfeitamente desnecessários, que nem sequer têm a desculpá-los serem provocados por qualquer serviço considerado de utilidade pública,
Considerando que a indústria dos motores de explosão parece interessada em corromper a saúde mental [de todo um povo] das populações,
Considerando a falta de «vontade política» e de medidas enérgicas que as entidades responsáveis pela ordem e pela saúde públicas têm manifestado relativamente ao flagelo do ruído e outros flagelos do ambiente português,
Considerando a timidez e ineficácia das campanhas levadas a efeito até agora, por entidades que não parecem muito interessadas em debelar a violência nazifascista da poluição acústica e seus principais responsáveis,
declaramos que uma política de saúde e de qualidade de vida deve ter, como pedra de toque e na sua lista de prioridades, um controle enérgico sobre todos os focos de poluição acústica, que, por sua vez, é índice nítido do nível de civilização e civismo da populações e do grau de subtileza qualitativa que uma democracia se mostra capaz de atingir.
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[Este texto foi (parcialmente) publicado na «Revista Alentejana», editada pela Casa do Alentejo?
Para efeito de eventual publicação em anexo de um volume sobre o «movimento ecológico-uma polémica amigável - diário de um jornalista», é importante saber se teve a contraprova da publicação.
De que data ou época foi a campanha de segurança rodoviária «circular é viver», citada no texto?]
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