CPT 1986
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CATASTROFISMOS & CATASTROFISTAS PROFISSIONAIS:A ARTE DE INSTABILIZAR AS ALMAS
31/3/1986 (Crónica do Planeta Terra, in «A Capital») - A súbita e solene proposta de Gorbachev para que os Estados Unidos aceitem conversar, em uma capital da Europa à escolha, sobre a suspensão dos testes nucleares realizados, há muitos anos, pelas duas superpotências atómicas, significa uma data histórica e a confirmação pública de um fenómeno contemporâneo que só marginalmente se tem tocado, como se fosse lepra.
Quer os dois dirigentes venham ou não a sentar-se à mesa das conversações, é altura de lembrar um pouco do que foi este itinerário em que, ao longo de várias décadas, às bombas rebentadas nos poços subterrâneos dos dois perímetros militares - Nevada (EUA) e Semipalantinsk (URSS) - se sucederam , sempre, ondas sísmicas mais ou menos catastróficas.
Passou-se sempre tudo - bombas e sismos - em tão grande e altíssimo segredo do deuses, que houve gente, geralmente bem informada, pronta a acusar-nos de cavilosas e maquiavélicas atoardas, quando, nestas crónicas do planeta terra, tentávamos dar notícia das bombas que antecediam os sismos ou dos sismos que faziam pressupor as bombas.
Agora que vem à primeira página dos jornais e ao primeiro plano do telejornal a declaração, ao mais alto nível, que há testes nucleares subterrâneos, vamos lá a ver se ainda será o autor destas crónicas acusado de inventar ficções e pesadelos, se será o cronista o culpado do síndroma sísmico-nuclear a que o planeta Terra tem estado sujeito desde que as superpotências acordaram o fim das experiências na atmosfera , começando então a realizá-las nas profundezas do inferno.
Segundo notícias arquivadas de1976, já as duas superpotências procuravam nessa altura chegar a acordo sobre limitação de testes nucleares, guardando a Casa Branca - segundo um porta voz da época - que nenhuma das partes faça explodir engenhos nucleares...acima de 1500 quiloteneladas.
A questão, em 1976, era apenas de limitar e não de acabar com os testes nucleares subterrâneos. Não está ainda claro em que sentido vão as conversações agora propostas por Gorbachev.
A verdade é que já em 1976 se esperava a concretização de um tratado que fora aprovado em 1974, «limitando ensaios subterrâneos de armas nucleares por parte de ambos os lados a um máximo equivalente a 150.000 toneladas de TNT:»
A subtileza do discurso já então utilizado , quer pelo Kremlin, quer por representantes da casa Branca (Geral Ford ou o próprio Kissinger) , faz recear que se esteja de novo , em 1986, perante outra manobra dilatória, voltando a ficar tudo na mesma: bombas, sismos e mortos.
INSTABILIZAR PARA REINAR
Instabilizar poderá ter sido o verbo mais conjugado, em Portugal, nos últimos 10 anos, e que não poucas vezes, os astrólogos de fim de ano se encarregaram de prever o fim do mundo, em Lisboa e nem só, com o grande cataclismo sísmico que eles todos os anos, religiosamente, profetizam, até que uma vez calhe mesmo acertarem.
Nenhum sociólogo, entretanto, ainda quis analisar o papel das previsões catastrofistas na instabilização sistemática do país. Mas talvez as previsões e ameaças tenham um papel ainda mais importante do que as crises políticas e a sempiterna crise económica.
A instabilidade explica, aliás, a frequência com que se invoca a necessidade de ter estabilidade, leit motiv de quantas campanhas eleitorais recentemente nos antecederam.
Para desejar alguma coisa, com efeito, nada melhor do que a sua falta.
Mas se a instabilidade assumiu foros de instituição vitalícia em Portugal, ela é, também, um dos mecanismos que, internacionalmente, condicionam o subconsciente colectivo dos povos.
Os eventos no Golfo de Cidra, ainda há pouco, dão bem a nota de como os jogadores se divertem entre si, enquanto a humanidade, suspensa desse interlúdio lúdico, aguarda ser transformada em torresmo pelas duas partes em conflito amigável.
Ainda nesta linha, a que podemos chamar de «banalização do terror», a queda dos satélites foi e é outra das ameaças planetárias, a que não falta o aleatório como atractivo, a que não falta o picante do suspense e que é mais ou menos badalada conforme a conjuntura internacional e os interesses das partes em presença mais ou menos litigante.
De uma maneira geral, a queda de satélites parece também ter-se banalizado, ter entrado na rotina.
É a história tele-folhetinesca do Skylab, em 1979, contada por horas, minutos e segundos, com todos os «mass media» a pintar a manta com quanta tinta tinham, já não se repete hoje. A qued de satélites quase não merece mais do que três linhas, em breves, a um recanto do periódico.
Satélites com «motor» radioactivo, claro, o que os torna ainda mais atractivos mas, infelizmente, rotineiros. Banais.
Que mais irão eles inventar para seu e nosso divertimento, neste planeta que só não é chato por ser redondo?
ESTADO DE CHOQUE
A lição psicopatológica a extrair destes «profissionais da instabilidade» reinantes nos «mass media» mundiais, é que a «técnica da ameaça» funciona com vários obectivos tácticos: intimidar para submeter, principalmente.
A futurologia, política ou astrológica, a que outra classe de cronistas se dedica, mobiliza o «terror psíquico» que é uma forma retardada, mas de efeitos surpreendentes, de nazi-fascismo ideológico, propício e propenso à aceitação de ordens totalitárias.
A «guerra de nervos» preside assim a todas as outras formas de guerra mais ou menos naval, em golfos e baías, sendo a constante onde se inscrevem as variáveis. A «guerra de nervos« é o pano de fundo para o chamado «equilíbrio do terror», com ameaças se vai adiando a consumação do acto, conseguindo-se muito melhores efeitos com menos dinheiro e menos armas.
O papel dos bruxos e astrólogos na desestabilização psico-social devia ser devidamente galardoado, pois é uma das armas mais económicas e eficazes, uma vez que também banaliza o terror.
Já agora e falando de insegurança quotidiana do cidadão , guerra diária que diariamente nos movem: o aleatório com que a indústria seguradora joga não deixa de lisonjear todos os catastrofismos e catastrofistas profissionais que, não contentes com os factos consumados da nossa desgraça, ainda estão sempre vislumbrando no horizonte outros mais horrendos e horripilantes.
A esta arte de instabilizar as almas, deixando-as crònicamente em estado de choque, chamam os Estados (eventualmente chocantes) um figo.
***
CATASTROFISMOS & CATASTROFISTAS PROFISSIONAIS:A ARTE DE INSTABILIZAR AS ALMAS
31/3/1986 (Crónica do Planeta Terra, in «A Capital») - A súbita e solene proposta de Gorbachev para que os Estados Unidos aceitem conversar, em uma capital da Europa à escolha, sobre a suspensão dos testes nucleares realizados, há muitos anos, pelas duas superpotências atómicas, significa uma data histórica e a confirmação pública de um fenómeno contemporâneo que só marginalmente se tem tocado, como se fosse lepra.
Quer os dois dirigentes venham ou não a sentar-se à mesa das conversações, é altura de lembrar um pouco do que foi este itinerário em que, ao longo de várias décadas, às bombas rebentadas nos poços subterrâneos dos dois perímetros militares - Nevada (EUA) e Semipalantinsk (URSS) - se sucederam , sempre, ondas sísmicas mais ou menos catastróficas.
Passou-se sempre tudo - bombas e sismos - em tão grande e altíssimo segredo do deuses, que houve gente, geralmente bem informada, pronta a acusar-nos de cavilosas e maquiavélicas atoardas, quando, nestas crónicas do planeta terra, tentávamos dar notícia das bombas que antecediam os sismos ou dos sismos que faziam pressupor as bombas.
Agora que vem à primeira página dos jornais e ao primeiro plano do telejornal a declaração, ao mais alto nível, que há testes nucleares subterrâneos, vamos lá a ver se ainda será o autor destas crónicas acusado de inventar ficções e pesadelos, se será o cronista o culpado do síndroma sísmico-nuclear a que o planeta Terra tem estado sujeito desde que as superpotências acordaram o fim das experiências na atmosfera , começando então a realizá-las nas profundezas do inferno.
Segundo notícias arquivadas de1976, já as duas superpotências procuravam nessa altura chegar a acordo sobre limitação de testes nucleares, guardando a Casa Branca - segundo um porta voz da época - que nenhuma das partes faça explodir engenhos nucleares...acima de 1500 quiloteneladas.
A questão, em 1976, era apenas de limitar e não de acabar com os testes nucleares subterrâneos. Não está ainda claro em que sentido vão as conversações agora propostas por Gorbachev.
A verdade é que já em 1976 se esperava a concretização de um tratado que fora aprovado em 1974, «limitando ensaios subterrâneos de armas nucleares por parte de ambos os lados a um máximo equivalente a 150.000 toneladas de TNT:»
A subtileza do discurso já então utilizado , quer pelo Kremlin, quer por representantes da casa Branca (Geral Ford ou o próprio Kissinger) , faz recear que se esteja de novo , em 1986, perante outra manobra dilatória, voltando a ficar tudo na mesma: bombas, sismos e mortos.
INSTABILIZAR PARA REINAR
Instabilizar poderá ter sido o verbo mais conjugado, em Portugal, nos últimos 10 anos, e que não poucas vezes, os astrólogos de fim de ano se encarregaram de prever o fim do mundo, em Lisboa e nem só, com o grande cataclismo sísmico que eles todos os anos, religiosamente, profetizam, até que uma vez calhe mesmo acertarem.
Nenhum sociólogo, entretanto, ainda quis analisar o papel das previsões catastrofistas na instabilização sistemática do país. Mas talvez as previsões e ameaças tenham um papel ainda mais importante do que as crises políticas e a sempiterna crise económica.
A instabilidade explica, aliás, a frequência com que se invoca a necessidade de ter estabilidade, leit motiv de quantas campanhas eleitorais recentemente nos antecederam.
Para desejar alguma coisa, com efeito, nada melhor do que a sua falta.
Mas se a instabilidade assumiu foros de instituição vitalícia em Portugal, ela é, também, um dos mecanismos que, internacionalmente, condicionam o subconsciente colectivo dos povos.
Os eventos no Golfo de Cidra, ainda há pouco, dão bem a nota de como os jogadores se divertem entre si, enquanto a humanidade, suspensa desse interlúdio lúdico, aguarda ser transformada em torresmo pelas duas partes em conflito amigável.
Ainda nesta linha, a que podemos chamar de «banalização do terror», a queda dos satélites foi e é outra das ameaças planetárias, a que não falta o aleatório como atractivo, a que não falta o picante do suspense e que é mais ou menos badalada conforme a conjuntura internacional e os interesses das partes em presença mais ou menos litigante.
De uma maneira geral, a queda de satélites parece também ter-se banalizado, ter entrado na rotina.
É a história tele-folhetinesca do Skylab, em 1979, contada por horas, minutos e segundos, com todos os «mass media» a pintar a manta com quanta tinta tinham, já não se repete hoje. A qued de satélites quase não merece mais do que três linhas, em breves, a um recanto do periódico.
Satélites com «motor» radioactivo, claro, o que os torna ainda mais atractivos mas, infelizmente, rotineiros. Banais.
Que mais irão eles inventar para seu e nosso divertimento, neste planeta que só não é chato por ser redondo?
ESTADO DE CHOQUE
A lição psicopatológica a extrair destes «profissionais da instabilidade» reinantes nos «mass media» mundiais, é que a «técnica da ameaça» funciona com vários obectivos tácticos: intimidar para submeter, principalmente.
A futurologia, política ou astrológica, a que outra classe de cronistas se dedica, mobiliza o «terror psíquico» que é uma forma retardada, mas de efeitos surpreendentes, de nazi-fascismo ideológico, propício e propenso à aceitação de ordens totalitárias.
A «guerra de nervos» preside assim a todas as outras formas de guerra mais ou menos naval, em golfos e baías, sendo a constante onde se inscrevem as variáveis. A «guerra de nervos« é o pano de fundo para o chamado «equilíbrio do terror», com ameaças se vai adiando a consumação do acto, conseguindo-se muito melhores efeitos com menos dinheiro e menos armas.
O papel dos bruxos e astrólogos na desestabilização psico-social devia ser devidamente galardoado, pois é uma das armas mais económicas e eficazes, uma vez que também banaliza o terror.
Já agora e falando de insegurança quotidiana do cidadão , guerra diária que diariamente nos movem: o aleatório com que a indústria seguradora joga não deixa de lisonjear todos os catastrofismos e catastrofistas profissionais que, não contentes com os factos consumados da nossa desgraça, ainda estão sempre vislumbrando no horizonte outros mais horrendos e horripilantes.
A esta arte de instabilizar as almas, deixando-as crònicamente em estado de choque, chamam os Estados (eventualmente chocantes) um figo.
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