E.F.SCHUMACHER 1985
1-3 - schumach-4-ls> segunda-feira, 30 de Dezembro de 2002-scan
TEMPO DE VIRAGEM (*)
[«Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 10-8-1985]
Na esteira de E. F. Schumacher, pensador e economista falecido em 1977, multiplicam-se os simpósios e as mesas-redondas para estudar a sua obra e desenvolver as premissas do seu sistema filosófico.
As consequências deste pensador rebelde são tanto mais tremendas quanto, até hoje, ainda não foi possível recuperá-lo e pô-lo ao serviço do sistema que combateu. O seu ensaio sobre «economia budista», caindo como um raio sobre os meios científicos académicos da época, suscitou os inevitáveis engulhos, mas desencadeou também uma atenção crescente dos investigadores que compreenderam encontrar-se aí a viragem necessária.
E não falo dos místicos que há muito se converteram à sabedoria primordial, falo dos cientistas de cuja «positividade» não se poderá duvidar nem pôr em causa. Tão-pouco falo de escritores, artistas e pensadores que assumem hoje a radicalidade contra o sistema. É fácil, contra esses, ao cientista ortodoxo atirar-lhes o anátema de «místicos» com toda a carga pejorativa que o cientista coloca nesta palavra.
Já a meio da década de 80, estamos em Portugal na mesma situação intelectual que acolheu, durante os anos 50 e 60, as ideias revolucionárias de E. F. Schumacher sobre a economia e o crescimento económico erigido em deus dos planificadores.
«Louco idealista» foi o menos que chamaram então a Schumacher.
Mas é ainda o que lhe chamam em Portugal os pretensos vanguardistas, exactamente quando os seus livros se tornaram «best-sellers» mundiais, quando por toda a parte se formam sociedades para estudar a sua obra, quando o seu ensaio «Economia Budista» se tornou um
clássico e quando a sua palavra de ordem «small is beautiful» se tornou bandeira de importantes movimentos sociais.
Regularmente, o Grupo de Desenvolvimento de Tecnologia Intermédia, de Londres, ao mesmo tempo que publica a revista «Resurgence» promove colóquios sobre a obra de Schumacher para os quais convida cientistas de nomeada. Um desses simpósios foi coligido em volume, intitulado «The Schumacher Lectures».
NO GUETO E À MARGEM
Portugal, no seu habitual borralhinho cultural, continua à margem disto tudo. As questiúnculas internas do País, devidamente salgadas com os rigores da austeridade, não deixam os responsáveis (pelos principais pelouros da administração) perceber que o mundo intelectual de vanguarda marcha agora a outra velocidade, num outro comprimento de onda, movido por outras metas, inspirado por outros princípios, orientado por outra moral.
Imutáveis, monolíticos, imobilistas, indefectíveis, os discursadores oficiais do Reino consideram-se estrelas da última hora, campeões do progresso e da modernidade. Quando falam em modernizar o País, eles referem-se a coisas que deixaram de ser modernas há uns bons vinte anos. Os fósseis do nosso meio científico, intelectual e cultural são, com os seus pretensos modernismos, apenas risíveis, se vistos à luz da dinâmica tomada pelas correntes de fundo que agitam, de facto, a cultura contemporânea.
Uns porque agarrados à vulgata marxista, outros porque agarrados à bíblia estruturalista, outros porque eurocratas e europeístas, outros porque assim, outros porque assado, não é a sua figura de múmias o preocupante, já que o problema é deles.
Preocupante, para o País, é que são estas luminárias/alimárias quem continua a mandar aqui, através das chamadas tecno-estruturas, a decretar as escalas de valor onde os outros terão que ser aferidos.
As elites intelectuais em Portugal estão a conduzir-nos para uma espécie de gueto, para um buraco sem esperança nem horizontes, literalmente à margem da vanguarda europeia.
FIM DA VIA ÚNICA
A sociedade foi, durante séculos, impregnada por uma visão do mundo que, partindo da observação analítica da realidade - o método científico -, acabaria por institucionalizar e eternizar essa visão. A imagem estática da vida e do mundo acabaria por imobilizar a própria vida e o próprio Mundo, mumificado e paralisado na sua dinâmica natural. A realidade degradou-se e mutilou-se à medida dessa visão, que o método científico e a observação analítica impuseram.
O «drama», que fundamentalmente se traduz na crise ecológica de hoje, é que se tornou ontológico o que era metodológico, se fez definitivo o que era provisório, se instituiu em dogma o que começou por ser uma teoria. A sociedade passou a ser unidireccional e unidimensional. O que era uma das várias vias possíveis para essa sociedade, tornou-se a única que, ainda por, cima e como provam os factos (a crise ecológica), nem sequer era a melhor.
Até se modificar a raiz, a visão do mundo que está na origem da crise actual, vai um complexo processo de autocrítica, difícil de assumir principalmente pelos que têm uma profissão vinda directamente das ciências que essa visão do mundo sustenta. Não é das ciências em si que o impulso detonador para a mudança pode hoje partir, mas de uma posição filosófica, de uma visão do mundo- que se lhes antecipe e que tenha independência crítica em relação a elas.
É para esse salto em frente, para essa mutação qualitativa, para essa revisão da visão do mundo que apontam as eco-alternativas em geral e as tecnologias leves em particular.
A inércia dos meios científicos ortodoxos oferece uma resistência quase infinita a esta inovação crítica. E os próprios funcionários das ciências que materialmente beneficiam deste estado de coisas - estático e imobilista - constroem periodicamente teorias tendentes a conservar o «status», a manter o imobilismo, a prorrogar o sistema que hoje se encontra em guerra aberta com os ecossistemas.
Inclusive, o sistema adoptará e recuperará qualquer dinâmica nascente que ameace pô-lo em questão e em causa: a ecologia, por exemplo, já foi recuperada, esvaziada da sua radicalidade, posta ao serviço de tudo o que em princípio deveria contestar.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas sobre o novo paradigma, foi publicado, sabe-se lá com que habilidades, na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital» , 10-8-1985
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TEMPO DE VIRAGEM (*)
[«Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 10-8-1985]
Na esteira de E. F. Schumacher, pensador e economista falecido em 1977, multiplicam-se os simpósios e as mesas-redondas para estudar a sua obra e desenvolver as premissas do seu sistema filosófico.
As consequências deste pensador rebelde são tanto mais tremendas quanto, até hoje, ainda não foi possível recuperá-lo e pô-lo ao serviço do sistema que combateu. O seu ensaio sobre «economia budista», caindo como um raio sobre os meios científicos académicos da época, suscitou os inevitáveis engulhos, mas desencadeou também uma atenção crescente dos investigadores que compreenderam encontrar-se aí a viragem necessária.
E não falo dos místicos que há muito se converteram à sabedoria primordial, falo dos cientistas de cuja «positividade» não se poderá duvidar nem pôr em causa. Tão-pouco falo de escritores, artistas e pensadores que assumem hoje a radicalidade contra o sistema. É fácil, contra esses, ao cientista ortodoxo atirar-lhes o anátema de «místicos» com toda a carga pejorativa que o cientista coloca nesta palavra.
Já a meio da década de 80, estamos em Portugal na mesma situação intelectual que acolheu, durante os anos 50 e 60, as ideias revolucionárias de E. F. Schumacher sobre a economia e o crescimento económico erigido em deus dos planificadores.
«Louco idealista» foi o menos que chamaram então a Schumacher.
Mas é ainda o que lhe chamam em Portugal os pretensos vanguardistas, exactamente quando os seus livros se tornaram «best-sellers» mundiais, quando por toda a parte se formam sociedades para estudar a sua obra, quando o seu ensaio «Economia Budista» se tornou um
clássico e quando a sua palavra de ordem «small is beautiful» se tornou bandeira de importantes movimentos sociais.
Regularmente, o Grupo de Desenvolvimento de Tecnologia Intermédia, de Londres, ao mesmo tempo que publica a revista «Resurgence» promove colóquios sobre a obra de Schumacher para os quais convida cientistas de nomeada. Um desses simpósios foi coligido em volume, intitulado «The Schumacher Lectures».
NO GUETO E À MARGEM
Portugal, no seu habitual borralhinho cultural, continua à margem disto tudo. As questiúnculas internas do País, devidamente salgadas com os rigores da austeridade, não deixam os responsáveis (pelos principais pelouros da administração) perceber que o mundo intelectual de vanguarda marcha agora a outra velocidade, num outro comprimento de onda, movido por outras metas, inspirado por outros princípios, orientado por outra moral.
Imutáveis, monolíticos, imobilistas, indefectíveis, os discursadores oficiais do Reino consideram-se estrelas da última hora, campeões do progresso e da modernidade. Quando falam em modernizar o País, eles referem-se a coisas que deixaram de ser modernas há uns bons vinte anos. Os fósseis do nosso meio científico, intelectual e cultural são, com os seus pretensos modernismos, apenas risíveis, se vistos à luz da dinâmica tomada pelas correntes de fundo que agitam, de facto, a cultura contemporânea.
Uns porque agarrados à vulgata marxista, outros porque agarrados à bíblia estruturalista, outros porque eurocratas e europeístas, outros porque assim, outros porque assado, não é a sua figura de múmias o preocupante, já que o problema é deles.
Preocupante, para o País, é que são estas luminárias/alimárias quem continua a mandar aqui, através das chamadas tecno-estruturas, a decretar as escalas de valor onde os outros terão que ser aferidos.
As elites intelectuais em Portugal estão a conduzir-nos para uma espécie de gueto, para um buraco sem esperança nem horizontes, literalmente à margem da vanguarda europeia.
FIM DA VIA ÚNICA
A sociedade foi, durante séculos, impregnada por uma visão do mundo que, partindo da observação analítica da realidade - o método científico -, acabaria por institucionalizar e eternizar essa visão. A imagem estática da vida e do mundo acabaria por imobilizar a própria vida e o próprio Mundo, mumificado e paralisado na sua dinâmica natural. A realidade degradou-se e mutilou-se à medida dessa visão, que o método científico e a observação analítica impuseram.
O «drama», que fundamentalmente se traduz na crise ecológica de hoje, é que se tornou ontológico o que era metodológico, se fez definitivo o que era provisório, se instituiu em dogma o que começou por ser uma teoria. A sociedade passou a ser unidireccional e unidimensional. O que era uma das várias vias possíveis para essa sociedade, tornou-se a única que, ainda por, cima e como provam os factos (a crise ecológica), nem sequer era a melhor.
Até se modificar a raiz, a visão do mundo que está na origem da crise actual, vai um complexo processo de autocrítica, difícil de assumir principalmente pelos que têm uma profissão vinda directamente das ciências que essa visão do mundo sustenta. Não é das ciências em si que o impulso detonador para a mudança pode hoje partir, mas de uma posição filosófica, de uma visão do mundo- que se lhes antecipe e que tenha independência crítica em relação a elas.
É para esse salto em frente, para essa mutação qualitativa, para essa revisão da visão do mundo que apontam as eco-alternativas em geral e as tecnologias leves em particular.
A inércia dos meios científicos ortodoxos oferece uma resistência quase infinita a esta inovação crítica. E os próprios funcionários das ciências que materialmente beneficiam deste estado de coisas - estático e imobilista - constroem periodicamente teorias tendentes a conservar o «status», a manter o imobilismo, a prorrogar o sistema que hoje se encontra em guerra aberta com os ecossistemas.
Inclusive, o sistema adoptará e recuperará qualquer dinâmica nascente que ameace pô-lo em questão e em causa: a ecologia, por exemplo, já foi recuperada, esvaziada da sua radicalidade, posta ao serviço de tudo o que em princípio deveria contestar.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas sobre o novo paradigma, foi publicado, sabe-se lá com que habilidades, na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital» , 10-8-1985
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