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2006-08-12

CIVILIZAÇÃO 1972

1-2 - 72-08-12-ie> quarta-feira, 20 de Novembro de 2002- scan

UMA CIVILIZAÇÃO MORTAL

12-8-1972 - Se todas as civilizações são mortais, não há razão para que esta - tecnoburocrática - escape à regra e fique cá para tia.
E assim é que se lhe prevê um lindo funeral, um relativamente curto período para dar as últimas. O comandante Yves Cousteau - autor de filmes "fantásticos" sobre a fauna e flora submarinas - um dos homens que cometeram o hediondo crime de amar a Natureza, não lhe dá mais do que 50 anos. E bastante atribulados. Calcula-se o que será o estrebuchar de um animal tão corpulento...
Também os funcionários do sistema,- até há pouco todos clorofila, todos sorrisos, todos optimismo, toda a vida inspirados no tio Pangloss, embebidos nos seus mitozinhos caseiros, também esses e até esses, que classificam de histéricos os "defensores da Natureza", começam a reconhecer que, pelo lindo andar da carruagem, já pouco tempo fica para eles beberem os seus uísques nos seus simpósios internacionais.
Mesmo com o risco de perder o emprego, os Sicco Mansholt cá do sítio têm andado eufóricos a descobrir a pólvora e a dizer o que os poetas e profetas de todos os tempos já tinham dito e redito.
Temos assim esta civilização do lixo (e do luxo), esta civilização do desperdício, esta opulenta e orgulhosa civilização que andou séculos a dominar a natureza e a combater (ora era um bacilo, ora era um vírus), a caçá-la (ora eram lebres, ora eram elefantes), a destruí-la (ora eram sardinhas, ora eram golfinhos) perto de dar a alma ao criador, diagnosticado o cancro pelos melhores merceeiros e clínicos da especialidade, que lhe prognosticam assim repouso e caldinhos (de galinha).
Poluída até ao pescoço, falta agora que a poluição suba até às orelhas, ouvidos, olhos e boca. Se lhe tapam a boca é o fim, numa civilização que viveu toda a vida de meter à boca e encher o bandulho. Depois, as formigas que cá ficarem, lhe farão o funeral.
Até há pouco tempo era clássico na ficção científica o apocalipse termo-nuclear e alguns narradores empenhavam-se a imaginar lindas cidades arrasadas por úteis bombardeamentos atómicos. A ficção científica foi ultrapassada por aquilo que, há dez anos, ninguém previa (ninguém dos espertos cientistas). Nesse lapso de tempo, o ar tornou-se irrespirável, a água, imbebível, as terras e os alimentos contaminados por toda a casta de organoclorados recomendados pela F.A.O., de modo aos famintos morrerem mais devagar e aumentarem, em paz, a fertilidade de novos famintos.
De absurdo em absurdo, de crime em crime, de vício em vício, esta civilização que transplanta fígados, corações, rins e (ameaça) cérebros, não terá Barnard nenhum que lhe enxerte víscera vital nenhuma. Há-de morrer às próprias mãos e com todos os santos sacramentos.
A nós, "histéricos defensores da Natureza", que nos resta?
Rir da anedota, preparar os crepes para o funeral, inventar alternativas de sobrevivência fora do pântano e meter o cadáver no fosso mais fundo, de onde o seu fedor não venha empestar o ar, nem aborrecer mais ninguém.
De facto, esta civilização cheira mal. Em todos os tempos o disseram profetas, poetas, artistas, músicos, homens que pelo radar da sensibilidade e da imaginação logo viram tratar-se de uma estrutural vigarice e compreenderam os mitos, erros, crimes, vícios do Raciocínio arvorado em dono e senhor, omnipotente, omnipresente e omnisciente ditador.
A nós, que apenas vemos confirmada a profecia, a nós, "histéricos defensores da Natureza", que resta?
Acreditar talvez na última safa: persistirá o "homem eterno" para lá de mais este acidente chamado civilização? Mesmo que só fique sobre o globo uma formiga, há quem acredite na cultura mais antiga da terra - a chinesa -, há quem acredite nos golfinhos, há quem acredite em todos os índios ainda não exterminados, há quem acredite nas tribos australianas ainda não contaminadas pelos melbúrnicos, há quem acredite nos indígenas do Amazonas antes que a Transamazónia acabe de os exterminar, há quem acredite nos "hippies" e no seu neo-tribalismo, há quem acredite em Lanza del Vasto e em Danilo Dolci, há quem acredite - até - no socialismo libertário, nos falanstérios fourieristas, há quem acredite nos extra-terrestres que continuam a vigiar o nosso sono e a ser matéria dos nossos sonhos.
Tudo Utopia: - dirão os porcos do costume, dirá qualquer funcionário da querida civilização, já com a máscara anti-fumos aperrada ao focinho.
Pois é, sempre foi e há-de ser Utopia, enquanto houver porcos desejando reduzir a existência, o mundo e o Cosmos à sua Porcaria. Utopia foi sempre toda e qualquer tentativa, toda e qualquer alternativa para sair sobrevivente desta civilização que se caracteriza pelo totalitarismo totalitário. Daqui ninguém sai e quem tentou sair (os Artaud, os D. H. Lawrence, os Guénon, os Henry Miller) por sua conta e risco, levou para tabaco.
Enfim, há quem acredite na aproximação e diálogo de civilizações exógenas, sempre tão vilipendiadas, sempre tão acusadas de fome, de pobreza, de inactividade, de pauperismo, de doenças: De doenças, céus! Esta civilização de Morte tem o arrojo e descaramento de criticar a Miséria em outros continentes, e a Doença como se não fosse ela um pântano de Morte, de Doença!
Além de que para as outras civilizações, quem exportou para lá a pobreza, a fome, a miséria e as doenças? Quem?
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