RECURSOS 1980
recursos-2> os dossiês do silêncio
BANCOS GENÉTICOS E COMÉRCIO DE SEMENTES - ESCÂNDALO MUNDIAL DENUNCIADO PELAS NAÇÕES UNIDAS
12/7/1980 - O capital genético do mundo vegetal está em vias de se esgotar, enquanto as sementes de plantas com valor alimentar se tornam um dos negócios mais bem controlados e poderosos do «agro-business», totalmente monopolizado por meia dúzia de companhias multinacionais.
O aviso agora lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (P. N. U. M. A.), com sede em Nairobi, aparece na sequência do alerta já lançado várias vezes (mas sempre abafado) por agrónomos e geneticistas, que denunciaram no empobrecimento genético da riqueza vegetal do planeta, uma ameaça de fome endémica e de esgotamento de recursos alimentares a curto prazo.
As «sementes» das diversas plantas são hoje objecto de grandes monopólios - diz claramente o P. N. U. M. A.
Um estudo do I. C. D. A. (International Coalition for Development Action), observa que o maior comprador de sementes no mundo de hoje é a Shell - o gigante anglo-holandês do petróleo e dos produtos químicos. E quatro companhias, Dekalb, Pioneer, Sandoz e Ciba-Geigy, controlam dois terços do mercado das sementes de milho e sorgo híbrido nos Estados Unidos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (F. A. O.), uma companhia, a United Brands, antiga United Fruits, detém dois terços das culturas de bananas potenciais no mundo. Digamos que o «tipo» de bananas que consumiremos, dentro de 20 anos, poderá muito bem depender de uma só empresa comercial.
Mas o estudo do ICDA, intitulado «Seeds of the Earth» (As sementes da Terra) verifica ainda um outro fenómeno aterrador: grande número dos principais fabricantes de pesticidas já controlam o «business» das sementes. O referido estudo adverte para o facto de que estas companhias ameaçam cultivar plantas capazes de prosperar graças à aplicação de certas substâncias químicas. Os fabricantes de pesticidas conseguem que os cultivadores comprem não só as sementes mas igualmente os pesticidas indispensáveis.
E aponta exemplos: uma certa substância química foi utilizada no processo de maturação de uma variedade de tomates chamada «Florida MH-1», que permite fixar a data da colheita no momento em que as condições do mercado pareçam apropriadas.
«Encorajados pelas indústrias - diz o estudo do I. C. D. A. - os produtores de tomate da Universidade da Florida desviaram o seu programa de cultura, a fim de produzir um tomate capaz de amadurecer unicamente com a ajuda de... pesticidas».
Mas também os Governos ocidentais já se preveniram para a grande escassez, constituindo bancos de genes a partir das matérias provenientes do Terceiro Mundo.
No caso do trigo, o estudo indica: em 1970, o Ministério da Agricultura dos Estados Unidos gabava-se de ter genes provenientes de 27 nações. Vinte e dois deles eram de países do Terceiro Mundo, 14 dos quais somente detinham em reserva uma pequena parte do seu próprio trigo.
Esclarece o documento do P. N. U. M. A., agora divulgado, que a diversidade genética pertence exclusivamente às nações do Terceiro Mundo, mas que estas estão em perigo de perder esta preciosa herança natural.. A chamada .revolução verde (patrocinada, aliás, pela F. A. O., como tivemos ocasião de largamente denunciar no nosso caderno da Colecção 100 Dias, intitulado «Os Agrónomos da Fome») e as companhias comerciais de sementes têm provocado a erosão destes centros de diversidade genética.
PNUMA PÕE FAO NO BANCO DOS RÉUS
Uma das principais acusações feitas pela P. N. U. M.A. à «revolução verde» da F. A. O., é que ela provocou o abandono maciço das espécies vegetais locais - depositárias de 10 000 anos de diversificação genética - em proveito de algumas espécies de alta reacção.
(Alá seja louvado, que não foi só o Afonso Cautela a escrevê-lo, e a ladrar no deserto...)
Estas espécies não são de alto rendimento, como geralmente dizem os agro-químicos, mas de «alta reacção» (designação cientificamente correcta) porque as colheitas que fornecem só se conseguem à custa de enormes doses de adubos e produtos químicos - com todos os prejuízos que isso acarreta para o ambiente, sublinha o P. N. U. M. A. de Nairobi.
Além disso, estas espécies são vulneráveis aos desafios postos pelo ambiente, mudanças climáticas, insectos e doenças das culturas
EPIDEMIAS ATACAM SUBITAMENTE
A história recente está cheia de exemplos de culturas e plantações devastadas por súbitas epidemias e insectos novos ou «velhos que se adaptaram».
Em 1970, a ferrugem atacou bruscamente as culturas do milho nos E. U. A., deixando aos estados do Sul apenas metade das colheitas habituais. Comentário do dr. William Campbell, do Ministério da Agricultura dos E. U. A.: «Estávamos nós satisfeitos, calmos e despreocupados... os híbridos iam muito bem, quando de repente a doença atacou.»
Um exemplo mais recente é a propagação - no espaço de três anos - de um pulgão castanho do arroz, que passou do estádio de curiosidade académica ao de flagelo «chave», devastando milhões de hectares de arrozais na Ásia do Sul e Sueste.
Também a desflorestação contribui para liquidar um número quase infinito de espécies vegetais selvagens (a tal riqueza genética.).
Quando isto foi constatado pelos próprios que tinham criado a situação apocalíptica. (F. A. O. incluída), é claro que não foram eles a dar o alarme mas foram os primeiros a preparar-se para recuperar a situação de novo a seu favor, arrebanhando os genes todos que ainda conseguiram encontrar.
E foi assim que as sementes se tornaram uma mercadoria preciosa. As companhias multinacionais lançam-se na corrida para a sua conquista. As sementes tornam-se um dos maiores negócios dentro do «agro-business» multinacional. Fornecedores locais nos países do Terceiro Mundo, recolhem sementes raras para as expedir para as companhias ocidentais, que vão organizando assim os seus «bancos de sementes», guardados por arame farpado...
A recente Estratégia Mundial da Conservação não o oculta: «Os produtores de plantas (de valor comercial) e os fornecedores de sementes "registam patentes" de certas espécies e exigem "royalties" para a sua utilização.
Perante esta situação de monopólio que estrangula a humanidade esfomeada e ameaça fazer depender de meia dúzia de empresas os nossos estômagos, o P. N. U. M. A. propõe uma estratégia internacional mas não multinacional... Propõe os centros Vavilov (do cientista soviético que lhes dá o nome), onde uma extrema variedade genética é posta ao serviço do Terceiro Mundo, sem intermediários.
Paradoxalmente, só o Terceiro Mundo é que possuía essa riqueza genética, já que o «mundo industrializado está excluído dos centros de diversidade genética».
E pronto. Por agora, acabamos por aqui mais uma história desconhecida da humanidade, que ignora afinal quem lhe governa a fome e a abundância.
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(*) Publicado no jornal » A Capital» (Crónica do Planeta terra), 12/7/1980
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BANCOS GENÉTICOS E COMÉRCIO DE SEMENTES - ESCÂNDALO MUNDIAL DENUNCIADO PELAS NAÇÕES UNIDAS
12/7/1980 - O capital genético do mundo vegetal está em vias de se esgotar, enquanto as sementes de plantas com valor alimentar se tornam um dos negócios mais bem controlados e poderosos do «agro-business», totalmente monopolizado por meia dúzia de companhias multinacionais.
O aviso agora lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (P. N. U. M. A.), com sede em Nairobi, aparece na sequência do alerta já lançado várias vezes (mas sempre abafado) por agrónomos e geneticistas, que denunciaram no empobrecimento genético da riqueza vegetal do planeta, uma ameaça de fome endémica e de esgotamento de recursos alimentares a curto prazo.
As «sementes» das diversas plantas são hoje objecto de grandes monopólios - diz claramente o P. N. U. M. A.
Um estudo do I. C. D. A. (International Coalition for Development Action), observa que o maior comprador de sementes no mundo de hoje é a Shell - o gigante anglo-holandês do petróleo e dos produtos químicos. E quatro companhias, Dekalb, Pioneer, Sandoz e Ciba-Geigy, controlam dois terços do mercado das sementes de milho e sorgo híbrido nos Estados Unidos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (F. A. O.), uma companhia, a United Brands, antiga United Fruits, detém dois terços das culturas de bananas potenciais no mundo. Digamos que o «tipo» de bananas que consumiremos, dentro de 20 anos, poderá muito bem depender de uma só empresa comercial.
Mas o estudo do ICDA, intitulado «Seeds of the Earth» (As sementes da Terra) verifica ainda um outro fenómeno aterrador: grande número dos principais fabricantes de pesticidas já controlam o «business» das sementes. O referido estudo adverte para o facto de que estas companhias ameaçam cultivar plantas capazes de prosperar graças à aplicação de certas substâncias químicas. Os fabricantes de pesticidas conseguem que os cultivadores comprem não só as sementes mas igualmente os pesticidas indispensáveis.
E aponta exemplos: uma certa substância química foi utilizada no processo de maturação de uma variedade de tomates chamada «Florida MH-1», que permite fixar a data da colheita no momento em que as condições do mercado pareçam apropriadas.
«Encorajados pelas indústrias - diz o estudo do I. C. D. A. - os produtores de tomate da Universidade da Florida desviaram o seu programa de cultura, a fim de produzir um tomate capaz de amadurecer unicamente com a ajuda de... pesticidas».
Mas também os Governos ocidentais já se preveniram para a grande escassez, constituindo bancos de genes a partir das matérias provenientes do Terceiro Mundo.
No caso do trigo, o estudo indica: em 1970, o Ministério da Agricultura dos Estados Unidos gabava-se de ter genes provenientes de 27 nações. Vinte e dois deles eram de países do Terceiro Mundo, 14 dos quais somente detinham em reserva uma pequena parte do seu próprio trigo.
Esclarece o documento do P. N. U. M. A., agora divulgado, que a diversidade genética pertence exclusivamente às nações do Terceiro Mundo, mas que estas estão em perigo de perder esta preciosa herança natural.. A chamada .revolução verde (patrocinada, aliás, pela F. A. O., como tivemos ocasião de largamente denunciar no nosso caderno da Colecção 100 Dias, intitulado «Os Agrónomos da Fome») e as companhias comerciais de sementes têm provocado a erosão destes centros de diversidade genética.
PNUMA PÕE FAO NO BANCO DOS RÉUS
Uma das principais acusações feitas pela P. N. U. M.A. à «revolução verde» da F. A. O., é que ela provocou o abandono maciço das espécies vegetais locais - depositárias de 10 000 anos de diversificação genética - em proveito de algumas espécies de alta reacção.
(Alá seja louvado, que não foi só o Afonso Cautela a escrevê-lo, e a ladrar no deserto...)
Estas espécies não são de alto rendimento, como geralmente dizem os agro-químicos, mas de «alta reacção» (designação cientificamente correcta) porque as colheitas que fornecem só se conseguem à custa de enormes doses de adubos e produtos químicos - com todos os prejuízos que isso acarreta para o ambiente, sublinha o P. N. U. M. A. de Nairobi.
Além disso, estas espécies são vulneráveis aos desafios postos pelo ambiente, mudanças climáticas, insectos e doenças das culturas
EPIDEMIAS ATACAM SUBITAMENTE
A história recente está cheia de exemplos de culturas e plantações devastadas por súbitas epidemias e insectos novos ou «velhos que se adaptaram».
Em 1970, a ferrugem atacou bruscamente as culturas do milho nos E. U. A., deixando aos estados do Sul apenas metade das colheitas habituais. Comentário do dr. William Campbell, do Ministério da Agricultura dos E. U. A.: «Estávamos nós satisfeitos, calmos e despreocupados... os híbridos iam muito bem, quando de repente a doença atacou.»
Um exemplo mais recente é a propagação - no espaço de três anos - de um pulgão castanho do arroz, que passou do estádio de curiosidade académica ao de flagelo «chave», devastando milhões de hectares de arrozais na Ásia do Sul e Sueste.
Também a desflorestação contribui para liquidar um número quase infinito de espécies vegetais selvagens (a tal riqueza genética.).
Quando isto foi constatado pelos próprios que tinham criado a situação apocalíptica. (F. A. O. incluída), é claro que não foram eles a dar o alarme mas foram os primeiros a preparar-se para recuperar a situação de novo a seu favor, arrebanhando os genes todos que ainda conseguiram encontrar.
E foi assim que as sementes se tornaram uma mercadoria preciosa. As companhias multinacionais lançam-se na corrida para a sua conquista. As sementes tornam-se um dos maiores negócios dentro do «agro-business» multinacional. Fornecedores locais nos países do Terceiro Mundo, recolhem sementes raras para as expedir para as companhias ocidentais, que vão organizando assim os seus «bancos de sementes», guardados por arame farpado...
A recente Estratégia Mundial da Conservação não o oculta: «Os produtores de plantas (de valor comercial) e os fornecedores de sementes "registam patentes" de certas espécies e exigem "royalties" para a sua utilização.
Perante esta situação de monopólio que estrangula a humanidade esfomeada e ameaça fazer depender de meia dúzia de empresas os nossos estômagos, o P. N. U. M. A. propõe uma estratégia internacional mas não multinacional... Propõe os centros Vavilov (do cientista soviético que lhes dá o nome), onde uma extrema variedade genética é posta ao serviço do Terceiro Mundo, sem intermediários.
Paradoxalmente, só o Terceiro Mundo é que possuía essa riqueza genética, já que o «mundo industrializado está excluído dos centros de diversidade genética».
E pronto. Por agora, acabamos por aqui mais uma história desconhecida da humanidade, que ignora afinal quem lhe governa a fome e a abundância.
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(*) Publicado no jornal » A Capital» (Crónica do Planeta terra), 12/7/1980
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