REFORMISMO 1972
1-3 - 72-07-12-ie> 5 de Dezembro de 2002-scan
MELHORAR O MAL:PRIMORES DO REFORMISMO(*)
12-Julho-1972 - Vistas com certo distanciamento crítico, as medidas reformistas (remendo, emenda, remédio, panaceia, conselho publicitário) equivalem-se no vocabulário da caquexia tecnocrática.
E a palavra "combate" aparece em profusão nos articulados do costume:
Combate à poluição
Combate à carestia da vida
Combate às rendas altas
Combate à cólera
Combate às barracas
Combate à fome
Combate aos engarrafamentos
Combate ao lixo
Refocila nos próprios excrementos e depois "combate" tudo. É um combate pegado a Tecnocracia. Combate principalmente aquilo que produziu, os excrementos que produziu, o lixo que produziu, os erros que produziu, as doenças que produziu, as situações que produziu, os engarrafamentos que produziu, a inflação que produziu.
Evidente, óbvio, claro o que se pretende: como dizia um folheto anunciando as virtudes de um novo antipoluente alemão, "a protecção ao meio ambiente não representa apenas sobrecarga, cria também possibilidades de novas indústrias e mercados".
Sem pudor e já sem vergonha, isto foi dito e escrito.
Pois então não se está mesmo a ver a inevitabilidade do processo? Primeiro a inevitabilidade do crescimento. Depois a inevitabilidade da aceleração. Depois a inevitabilidade da industrialização, a todo o custo e preço. Depois a inevitabilidade da poluição. E depois – claro! - a inevitabilidade dos antipoluentes.
Se há coisas que o Sistema se ocupa e preocupa em radicar nos espíritos impúberes, é a noção de inevitabilidade desta marcha para o Excremento. Não há que pestanejar nem hesitar, quando se fala de crescer, tecnificar, industrializar, poluir, antipoluir. Pois pode-se viver sem isso, porventura? Será porventura concebível uma sociedade que não seja esta, organizada segunda as leis desta? Segundo a lógica (exponencial) desta e respectiva moral?
Lógica exponencial, lógica inflexível, lógica inevitável, lógica inflacionária, lógica totalitária: crescimento, supérfluo, indústria, excrementos, resíduos, lixo.
Quem pode escapar?
Como dizia um dos médicos que se banharam no Tamariz: "Há poluição por toda a parte. Vamo-nos matar por isso? Vamos deixar de nos banhar? Vamos deixar de comer? Vamos, inclusive, deixar de poluir?".
Estamos engrenados no inevitável, quem pode deter o carro dos deuses no seu declive para a Glória?
MEDICINA: TÍPICA ESTRUTURA DO CAPITALISMO QUOTIDIANO
Onde a lógica exponencial da exploração capitalista atinge proporções modelares porque arquetípicas é na Medicina, campo privilegiado de todo o reformismo que se preza.
Incapaz - como todo o sistema de que é servidora Mor - de ser efectivamente causal, revolucionária, humana desde a origem, a terapêutica depositou todas as esperanças no Banco da cirurgia e na Alopatia, porque para a exploração capitalista são esses os ramos que, por reformistas, estabelecem o perfeito ciclo vicioso de onde mais ninguém pode safar-se: necessidades que criam novas necessidades que por sua vez criam novas necessidades (tão perfeito como a Medicina só o ramo dos Estupefacientes, o consumo mais provocante e mais multiplicador de necessidades que engendram outras necessidades).
Ir às causas das doenças seria ir à causa última do Sistema e pô-lo em dúvida, em cheque, em causa. Eliminar efectivamente as doenças (como aliás é possível mesmo num ambiente poluído) iria acabar com 70% das indústrias de fármacos e 80% das intervenções da indústria cirúrgica.
Evidentemente que a indústria não consente nisso. O que lhe importa é criar novas necessidades (doenças cada vez mais "incuráveis", mais crónicas, mais para toda a vida) que novas indústrias por sua vez hão-de vir satisfazer. Cá esta o ciclo exponencial, a tal lógica que é uma moral.
CONTAMINAR A REVOLUÇÃO: COEXISTÊNCIA
Não vale a pena acentuar o que a chamada "coexistência pacífica" representa neste contexto: é apenas a contaminação, pelo vírus capitalista (e sua lógica exponencial, suas mitologias da inevitabilidade, etc ) de uma sociedade que algum dia se pretendeu revolucionária.
É a derrocada.
É a doença do reformismo estendida às sociedades que - dizia-se - queriam fazer a Revolução.
Outros dois campos privilegiados do reformismo são os organismos especializados da ONU, mormente a FAO - recomendando as suas "revoluções verdes" que são a maneira airosa inventada para evitar e adiar a Revolução - e a OMS, - recomendando as suas campanhas vacinatórias, maneira igualmente prática de evitar a Revolução que seria liquidar o Mal (no caso a Doença) pela raiz, através de todo um sistema ecológico (incluindo a política) humanizado e revolucionário.
"Revoluções verdes" e "campanhas vacinatórias" equivalem-se na maneira como manipulam milhões de seres humanos, iludindo-os com a falsa esperança de reformas que apenas melhoram o mal, sem o liquidar, sem o extirpar, sem o arrancar de vez e de raiz.
Melhorar o Mal - é a definição de todo o Reformismo. Revolução é liquidar (pela raiz) o Mal.
Todos os melhoramentos são reformismo, adiamento, engano. Juntando às palavras "combate" e "campanha" a palavra "melhoramento", obtemos a santíssima trindade do Reformismo, que não faz mais nem menos do que preconizar coisas tão santas como estas:
Melhorar a cidade
Melhorar a fome
Melhorar os impostos
Melhorar os exames
Melhorar as transplantações cirúrgicas
Melhorar os hospitais
Melhorar as prisões
Melhorar as doenças
Melhorar o capitalismo
Melhorar o racismo
Melhorar o supermercado
Melhorar os bombardeamentos aéreos
Melhorar a guerra biológica
Melhorar os tanques
Melhorar o tráfego
Melhorar as máscaras antipoluição
Melhorar a poluição
Melhorar o Mal
Desburocratizar a burocracia
Meter o Rossio na Rua da Betesga
Habitar uma cidade inabitável
Mais sol para os estabelecimentos prisionais
Afiar a lâmina da guilhotina
Humanizar os exames
Evitar acidentes de tráfego
Um motor limpo
Um automóvel que não mata
Enfim:
Um quadrado redondo
No meio da insolúvel necrose e da inenarrável caquexia que é a civilização tecnológica, diverte ver aqueles que, tendo visto até ao fundo do saco a imundície onde estão e estamos mergulhados, preconizam no entanto logo a seguir panos quentes e mezinhas, emendas e reformas, remendos e adendas, melhoramentos e campanhas pró ou anti, para melhorar o mal, para estabilizar a derrocada, para adiar o total afundamento em coisa nenhuma que é a marcha deste rio de excrementos. O ridículo junta-se ao patético:
Exemplo desse reformismo é aquele crítico bem intencionado que preconiza "estabelecimentos prisionais menos desumanos" ou "mais assistência à classe pobre", ou "exames mais exigentes para os condutores de ligeiros e pesados"
Sempre melhorar o mal. A emenda, o remendo, a reforma - eis a grande política da sociedade que não sabe nem pode fazer a Revolução.
Com a campanha antipoluição verifica-se o que sempre, em emergências tais, se verificou: quando a poluição já nos afoga ou asfixia, vem o engenheiro sanitário pedir que se purifiquem os motores, as águas, os rios, os mares, os ares. Vem a era dos antipoluentes, outra indústria, outra fonte de receitas, outra maneira de depredar e degradar os recursos naturais.
Anti – no vocabulário da caquexia tecnológica – o prefixo reformista por excelência.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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MELHORAR O MAL:PRIMORES DO REFORMISMO(*)
12-Julho-1972 - Vistas com certo distanciamento crítico, as medidas reformistas (remendo, emenda, remédio, panaceia, conselho publicitário) equivalem-se no vocabulário da caquexia tecnocrática.
E a palavra "combate" aparece em profusão nos articulados do costume:
Combate à poluição
Combate à carestia da vida
Combate às rendas altas
Combate à cólera
Combate às barracas
Combate à fome
Combate aos engarrafamentos
Combate ao lixo
Refocila nos próprios excrementos e depois "combate" tudo. É um combate pegado a Tecnocracia. Combate principalmente aquilo que produziu, os excrementos que produziu, o lixo que produziu, os erros que produziu, as doenças que produziu, as situações que produziu, os engarrafamentos que produziu, a inflação que produziu.
Evidente, óbvio, claro o que se pretende: como dizia um folheto anunciando as virtudes de um novo antipoluente alemão, "a protecção ao meio ambiente não representa apenas sobrecarga, cria também possibilidades de novas indústrias e mercados".
Sem pudor e já sem vergonha, isto foi dito e escrito.
Pois então não se está mesmo a ver a inevitabilidade do processo? Primeiro a inevitabilidade do crescimento. Depois a inevitabilidade da aceleração. Depois a inevitabilidade da industrialização, a todo o custo e preço. Depois a inevitabilidade da poluição. E depois – claro! - a inevitabilidade dos antipoluentes.
Se há coisas que o Sistema se ocupa e preocupa em radicar nos espíritos impúberes, é a noção de inevitabilidade desta marcha para o Excremento. Não há que pestanejar nem hesitar, quando se fala de crescer, tecnificar, industrializar, poluir, antipoluir. Pois pode-se viver sem isso, porventura? Será porventura concebível uma sociedade que não seja esta, organizada segunda as leis desta? Segundo a lógica (exponencial) desta e respectiva moral?
Lógica exponencial, lógica inflexível, lógica inevitável, lógica inflacionária, lógica totalitária: crescimento, supérfluo, indústria, excrementos, resíduos, lixo.
Quem pode escapar?
Como dizia um dos médicos que se banharam no Tamariz: "Há poluição por toda a parte. Vamo-nos matar por isso? Vamos deixar de nos banhar? Vamos deixar de comer? Vamos, inclusive, deixar de poluir?".
Estamos engrenados no inevitável, quem pode deter o carro dos deuses no seu declive para a Glória?
MEDICINA: TÍPICA ESTRUTURA DO CAPITALISMO QUOTIDIANO
Onde a lógica exponencial da exploração capitalista atinge proporções modelares porque arquetípicas é na Medicina, campo privilegiado de todo o reformismo que se preza.
Incapaz - como todo o sistema de que é servidora Mor - de ser efectivamente causal, revolucionária, humana desde a origem, a terapêutica depositou todas as esperanças no Banco da cirurgia e na Alopatia, porque para a exploração capitalista são esses os ramos que, por reformistas, estabelecem o perfeito ciclo vicioso de onde mais ninguém pode safar-se: necessidades que criam novas necessidades que por sua vez criam novas necessidades (tão perfeito como a Medicina só o ramo dos Estupefacientes, o consumo mais provocante e mais multiplicador de necessidades que engendram outras necessidades).
Ir às causas das doenças seria ir à causa última do Sistema e pô-lo em dúvida, em cheque, em causa. Eliminar efectivamente as doenças (como aliás é possível mesmo num ambiente poluído) iria acabar com 70% das indústrias de fármacos e 80% das intervenções da indústria cirúrgica.
Evidentemente que a indústria não consente nisso. O que lhe importa é criar novas necessidades (doenças cada vez mais "incuráveis", mais crónicas, mais para toda a vida) que novas indústrias por sua vez hão-de vir satisfazer. Cá esta o ciclo exponencial, a tal lógica que é uma moral.
CONTAMINAR A REVOLUÇÃO: COEXISTÊNCIA
Não vale a pena acentuar o que a chamada "coexistência pacífica" representa neste contexto: é apenas a contaminação, pelo vírus capitalista (e sua lógica exponencial, suas mitologias da inevitabilidade, etc ) de uma sociedade que algum dia se pretendeu revolucionária.
É a derrocada.
É a doença do reformismo estendida às sociedades que - dizia-se - queriam fazer a Revolução.
Outros dois campos privilegiados do reformismo são os organismos especializados da ONU, mormente a FAO - recomendando as suas "revoluções verdes" que são a maneira airosa inventada para evitar e adiar a Revolução - e a OMS, - recomendando as suas campanhas vacinatórias, maneira igualmente prática de evitar a Revolução que seria liquidar o Mal (no caso a Doença) pela raiz, através de todo um sistema ecológico (incluindo a política) humanizado e revolucionário.
"Revoluções verdes" e "campanhas vacinatórias" equivalem-se na maneira como manipulam milhões de seres humanos, iludindo-os com a falsa esperança de reformas que apenas melhoram o mal, sem o liquidar, sem o extirpar, sem o arrancar de vez e de raiz.
Melhorar o Mal - é a definição de todo o Reformismo. Revolução é liquidar (pela raiz) o Mal.
Todos os melhoramentos são reformismo, adiamento, engano. Juntando às palavras "combate" e "campanha" a palavra "melhoramento", obtemos a santíssima trindade do Reformismo, que não faz mais nem menos do que preconizar coisas tão santas como estas:
Melhorar a cidade
Melhorar a fome
Melhorar os impostos
Melhorar os exames
Melhorar as transplantações cirúrgicas
Melhorar os hospitais
Melhorar as prisões
Melhorar as doenças
Melhorar o capitalismo
Melhorar o racismo
Melhorar o supermercado
Melhorar os bombardeamentos aéreos
Melhorar a guerra biológica
Melhorar os tanques
Melhorar o tráfego
Melhorar as máscaras antipoluição
Melhorar a poluição
Melhorar o Mal
Desburocratizar a burocracia
Meter o Rossio na Rua da Betesga
Habitar uma cidade inabitável
Mais sol para os estabelecimentos prisionais
Afiar a lâmina da guilhotina
Humanizar os exames
Evitar acidentes de tráfego
Um motor limpo
Um automóvel que não mata
Enfim:
Um quadrado redondo
No meio da insolúvel necrose e da inenarrável caquexia que é a civilização tecnológica, diverte ver aqueles que, tendo visto até ao fundo do saco a imundície onde estão e estamos mergulhados, preconizam no entanto logo a seguir panos quentes e mezinhas, emendas e reformas, remendos e adendas, melhoramentos e campanhas pró ou anti, para melhorar o mal, para estabilizar a derrocada, para adiar o total afundamento em coisa nenhuma que é a marcha deste rio de excrementos. O ridículo junta-se ao patético:
Exemplo desse reformismo é aquele crítico bem intencionado que preconiza "estabelecimentos prisionais menos desumanos" ou "mais assistência à classe pobre", ou "exames mais exigentes para os condutores de ligeiros e pesados"
Sempre melhorar o mal. A emenda, o remendo, a reforma - eis a grande política da sociedade que não sabe nem pode fazer a Revolução.
Com a campanha antipoluição verifica-se o que sempre, em emergências tais, se verificou: quando a poluição já nos afoga ou asfixia, vem o engenheiro sanitário pedir que se purifiquem os motores, as águas, os rios, os mares, os ares. Vem a era dos antipoluentes, outra indústria, outra fonte de receitas, outra maneira de depredar e degradar os recursos naturais.
Anti – no vocabulário da caquexia tecnológica – o prefixo reformista por excelência.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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