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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-07-10

J. DE CASTRO 1972

1-4 - 72-07-10-ie = ideia ecológica - quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002-scan

GENERALIZANDO CONCEITOS PARA COMPREENDER (CERTOS) PRECONCEITOS(*)

10/Julho/1972 - "O ciclo do Caranguejo" fez muita impressão ao intelectual . Aí contava Josué de Castro que, em certas zonas infra-subdesenvolvidas do globo, a promiscuidade era tal que os seres humanos (?), vivendo (?) na lama e aí dejectando, acabavam por se alimentar unicamente dos caranguejos que dos excrementos se alimentavam e cresciam.
Escandaliza-se a consciência cristã do intelectual com isto que considera um atentado à "pessoa humana", o cúmulo da miséria subdesenvolvida, da promiscuidade e das condições infra-humanas de existência.
Com efeito. Tem razão a consciência cristã. Mas o mesmo intelectual também come excrementos, diariamente sem nenhum Josué de Castro que narre a façanha e faça estalar o escândalo. Diariamente, na cidade, a chamada poluição é exactamente o mesmo "ciclo do caranguejo". Mas como o fenómeno se apresenta sob uma leve variante, já ninguém conhece, já ninguém reconhece.
Curioso que o intelectual e sua bem formada consciência cristã só dê pelo argueiro no olho do parceiro mas não tope a trave no dele.

AGRESSÕES PSICOLÓGICAS

Qualquer leitor tem o direito de ler os artigos regulares (periodicamente fornecidos pelo cronista de serviço) sobre armamento atómico e deixar que a indignação se escape.
Terrível, a Bomba (especialmente se for chinesa). É preciso combater a Bomba. A Bomba é uma arma terrível. Manifestações pacifistas, cartazes, greves (que não se concretizam) enfim, a Bomba é de facto a arma por excelência ou Sua Excelência a Arma. Justa indignação que faz estremecer qualquer alma cristã. Para cada arma, sua alma.

É isso: nós, almas cristãs, não reconhecemos a teoria na prática, o que se anunciava no que está acontecendo. A guerrilha urbana é um facto e com causas concretas, nítidas, precisas, aritmeticamente rigorosas.

Numa sociedade dita pacífica, numa cidade considerada em ordem e numa ordem considerada justa, o que vemos é todo e qualquer cidadão, de arma na mão, dispondo da vida, do sossego, da integridade física e psíquica e nervosa do vizinho.
Porque se a bomba é uma arma, o automóvel é também uma arma. Porque se a pistola metralhadora é uma arma, o transistor é também uma arma.  Porque se o punhal é uma arma, a palavra também o é. E a publicidade, e os mass media. Porque também é uma arma a poluição, o telefone, a carta anónima, o claxon, o tubo de escape.
(Porque arma é todo o acto e facto com que o vizinho agride o vizinho, na rua, no autocarro, no emprego, no cinema, no estádio).


CONDENAÇÃO À VIDA

O mundo inteiro bateu palmas: a pena de morte ia ser abolida nos Estados Unidos. Gesto de clemência, medida de civilização, lei humanitária e cristã dignificante de um país digno, humanitário, etc , etc
E da  poluição do ar, da água, dos alimentos, dos aditivos, dos pesticidas, dos refinados quem fala?
Quem fala da "indústria alimentar" ?
A lógica capitalista tem a sua moral, tão implacável uma como outra.
Pela coexistência, pelo reformismo, pela demagogia, enfim, pelo idealismo se conhece a boa alma cristã de todo o bom capitalista.
Evitando a generalização, substituindo a ditadura pelo paternalismo e a carência pela psicose do consumo, está lançada a grande ofensiva da moral cristã-capitalista.
Evitando a generalização, é a altura de se lançar na fase do Alarido, da prédica, do Billy Graham, a fase do arrazoado fraternal e místico. Engendra então, através de todos os canais e mass media que domina, a gritaria (preparatória de uma histeria anti-)

Notável, no espírito liberal destes cristãos, na consciência cristã destes liberais, é a sua constante preocupação em denunciar os crimes historicamente situados, sem  verem os crimes precisamente idênticos que estão a ser cometidos na mesmíssima cidade e sociedade onde predicam.

"MUDAR OS NOMES É MUDAR AS COISAS"

Dado o incremento que a chamada "opinião pública" tomou com os mass media (a outra face não prevista da moeda) é necessário tomar em conta essa "opinião média" dominante, para governar com ela e não contra ela.


Há então que proceder a uma reeducação ou reciclagem das massas já um tanto opiniosas demais e demasiado conscientes. Para evitar que elas percebam a transferência, mudam-se os nomes às coisas; e é bem possível que à tortura se chame educação, ao colonialismo se chame proteccionismo, à segregação racial se chame multirracialidade, à polícia política se chame de segurança, à pena de morte se chamem serviços médico-sanitários, à bomba atómica se chame dispositivo de segurança, à escravatura se chame benefícios sindicais, aos campos de concentração se chamem hospitais modernamente apetrechados, às câmaras de gás se chame jardins infantis, aos guetos se chame supermercados, à lavagem ao cérebro se chame publicidade, etc etc

A chamada campanha de retorno vocabular, e a função dos mass media, será então a de instaurar o completo caos terminológico. Daí o aforismo de que a palavra foi dada ao homem para mentir. E foi, quando há que convencer as massas de palavras doces, para que tudo (inclusive a morte) seja doce e suave. Quilómetros de prazer - como diz o outro.
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(*) Este texto de A.C.  foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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