KARMA YOGA 1993
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CARTA AOS SUPEROCUPADOS SEMPRE NA SALA DE ESPERA
9-6-1993 - Esta carta de múltiplos destinatários é uma aberração em si mesmo, porque não tenho a quem enviá-la, por tantos serem aqueles a quem a teria que enviar. Sirva, todavia, de desabafo às minhas saturações. Não lhe vejo qualquer outra útil aplicação. Nem para descarregar o karma, que uma questão de karma deve ser este meu fatalismo de querer falar com quem e nunca ter com quem falar. São sapos vivos a mais, para que os possa digerir a todos. E a minha história é uma longa espera na sala de espera de pessoas, entidades, instituições, postos de socorros e assistência. A minha vida tem sido uma longa espera à espera que chegue quem marcou hora e local de chegar.
Sei bem que na era dos computadores e do programa Windows, última versão, revista e aumentada, ele me responde que não pode copiar ficheiros para «múltiplos destinos». No entanto, a anterior versão, menos sofisticada, podia. Mesmo assim, e por uma questão respiratória, insisto em escrever este desabafo que serve, praticamente, de carta colectiva à maior parte dos seres humanos que, para infelicidade deles e minha, tiveram que se cruzar comigo nesta incarnação.
Ou, melhor dito, com os quais me cruzei. Desde a querida menina a que chamo Ana Cristina, até ao meu irmão querido, a que chamo Zé e que Deus já tem à sua guarda, até ao meu terapeuta Manuel Fernandes (que me trata da saúde), passando pelo meu ex-AAA João, pelo meu sobrinho Zé, pelo meu compadre Zé (Matos Cruz), pelo [ ] levo a vida esperando que apareçam. O que eu tenho a dizer a todos, com todo o respeito e com todo o carinho, mas com toda a raiva também, é que estou farto de esperar. A sala de espera de um consultório simboliza este estúpido fatalismo, a minha cruz, o meu calvário, o meu karma, a minha expiação, merda estou farto.
De todos os ossos que já me custa roer, aos 60 anos, o mais duro é ter de enfrentar gente ocupada, gente superocupada, gente vip, gente sem tempo para a gente, gente que come de pé no snack, gente que está em reunião, gente que vai para Bruxelas, gente que ainda não chegou de Bruxelas, gente que está trabalhando até de madrugada para a tese de doutoramento, gente que quer ganhar o Prémio Nobel, gente que ainda não ganhou o suficiente para deixar aos filhos, gente de agenda a transbordar, gente trânsito congestionado, gente que dá dois minutos para a gente se vir, gente que manda esperar só 3 horas na sala de espera, gente que nunca está em Lisboa ao fim de semana, gente que tem sempre mais que fazer do que estar - porque anda sempre a voar -, gente que só com marcação um mês de antecedência, gente que vai no avião das 8, gente que já partiu no avião das 8, gente [ ]
Aquele simpático Joaquim que me anda a vender um Toshiba há 1 mês e ainda não conseguimos o orgasmo completo, aquele meu velho amigo Miguel que está reformado mas tem que trabalhar para sustentar a família, aquela minha sobrinha Maria José que nunca está para irmos ao Camping onde somos vizinhos, aquela [ ]
Desculpem, meus irmãos, meus amigos, meus inimigos, meus chefes, meus directores, meus auxiliares, meus [ ]
Macacos me mordam, se não vou já instalar uma linha telefónica com o slogan: «Telefone para ouvir e ser ouvido durante 5 minutos». Não vejo ninguém queixar-se, pelo que isto deve ser moléstia que só me ataca a mim! E nenhum deles é má pessoa, claro! São todos porreiros, já que tiveram êxito na vida e êxito na vida é estar sempre super ocupado (SSO), nunca ter tempo para ouvir um pardalito na árvore, nunca ter tempo para olhar gratuitamente um pôr do sol, nunca ter tempo para não se importar com o tempo, nunca ter tempo para viver, nunca ter tempo para morrer [ ]
Longe de mim querer mudar as coisas e fazer com que os meus amigos, irmãos, sobrinhos, chefes, subchefes, não sejam importantes, super-ocupados, vip's, longe de mim querer seja o que for. Eu queria era dizer apenas que estou farto de esperar, por mais iniciação que chame a isto, por mais karma que isto se chame, por mais argumentos que tentem justificar esta minha fatalidade de apanhar sempre pela proa um «agora não posso, estou de saída para o estrangeiro». Aliás, nada mais justo que as pessoas de sucesso andem a gerir o sucesso e não tenham tempo para falar com quem não teve sucesso. O problema não é deles, obviamente, mas meu, que não tenho, nunca tive, nem terei nunca sucesso: o diabo seja surdo, cego e mudo. O meu grande medo é se algum dia vou ser penalizado com uma vida superocupada de sucesso, por causa deste impropério.
Isto é karma meu, está visto. Se há coisas que de facto detesto são as situações podres. Os impasses que se eternizam. Os trabalhos que ficam por acabar. As tarefas que ficam por terminar. Os julgamentos que ficam por julgar. As promessas que ficam por cumprir. As expectativas que ficam por concretizar. As acções de despejo como aquela para me tirarem a casa, a qual acção de despejo me durou dois anos, com sete convocatórias a tribunal com o grupo de amigos que fizeram o favor de ser minhas testemunhas. Se há coisa que não suporto, são os atrasos. As promessas que não se cumprem. O «vou telefonar-te» só por dizer, sem intenção nenhuma de o fazer. Curiosamente, e até parece castigo, é o que tenho tido mais.
Levanto-me às quatro da manhã, habitualmente, mas se for necessário passo a levantar-me às 3, às 2, sei lá, passo a não me levantar, ou a levantar-me antes de me deitar. Mas claudicar eu próprio naquilo que mais odeio nos outros, vou resistir até poder. E que Deus não me castigue, caindo na tentação de fazer com os outros o que os outros fazem comigo. Por mais que me lixem o juízo com os eternos alibis de «agora não posso», «agora não estou», «agora, agora, agora». Nunca.
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CARTA AOS SUPEROCUPADOS SEMPRE NA SALA DE ESPERA
9-6-1993 - Esta carta de múltiplos destinatários é uma aberração em si mesmo, porque não tenho a quem enviá-la, por tantos serem aqueles a quem a teria que enviar. Sirva, todavia, de desabafo às minhas saturações. Não lhe vejo qualquer outra útil aplicação. Nem para descarregar o karma, que uma questão de karma deve ser este meu fatalismo de querer falar com quem e nunca ter com quem falar. São sapos vivos a mais, para que os possa digerir a todos. E a minha história é uma longa espera na sala de espera de pessoas, entidades, instituições, postos de socorros e assistência. A minha vida tem sido uma longa espera à espera que chegue quem marcou hora e local de chegar.
Sei bem que na era dos computadores e do programa Windows, última versão, revista e aumentada, ele me responde que não pode copiar ficheiros para «múltiplos destinos». No entanto, a anterior versão, menos sofisticada, podia. Mesmo assim, e por uma questão respiratória, insisto em escrever este desabafo que serve, praticamente, de carta colectiva à maior parte dos seres humanos que, para infelicidade deles e minha, tiveram que se cruzar comigo nesta incarnação.
Ou, melhor dito, com os quais me cruzei. Desde a querida menina a que chamo Ana Cristina, até ao meu irmão querido, a que chamo Zé e que Deus já tem à sua guarda, até ao meu terapeuta Manuel Fernandes (que me trata da saúde), passando pelo meu ex-AAA João, pelo meu sobrinho Zé, pelo meu compadre Zé (Matos Cruz), pelo [ ] levo a vida esperando que apareçam. O que eu tenho a dizer a todos, com todo o respeito e com todo o carinho, mas com toda a raiva também, é que estou farto de esperar. A sala de espera de um consultório simboliza este estúpido fatalismo, a minha cruz, o meu calvário, o meu karma, a minha expiação, merda estou farto.
De todos os ossos que já me custa roer, aos 60 anos, o mais duro é ter de enfrentar gente ocupada, gente superocupada, gente vip, gente sem tempo para a gente, gente que come de pé no snack, gente que está em reunião, gente que vai para Bruxelas, gente que ainda não chegou de Bruxelas, gente que está trabalhando até de madrugada para a tese de doutoramento, gente que quer ganhar o Prémio Nobel, gente que ainda não ganhou o suficiente para deixar aos filhos, gente de agenda a transbordar, gente trânsito congestionado, gente que dá dois minutos para a gente se vir, gente que manda esperar só 3 horas na sala de espera, gente que nunca está em Lisboa ao fim de semana, gente que tem sempre mais que fazer do que estar - porque anda sempre a voar -, gente que só com marcação um mês de antecedência, gente que vai no avião das 8, gente que já partiu no avião das 8, gente [ ]
Aquele simpático Joaquim que me anda a vender um Toshiba há 1 mês e ainda não conseguimos o orgasmo completo, aquele meu velho amigo Miguel que está reformado mas tem que trabalhar para sustentar a família, aquela minha sobrinha Maria José que nunca está para irmos ao Camping onde somos vizinhos, aquela [ ]
Desculpem, meus irmãos, meus amigos, meus inimigos, meus chefes, meus directores, meus auxiliares, meus [ ]
Macacos me mordam, se não vou já instalar uma linha telefónica com o slogan: «Telefone para ouvir e ser ouvido durante 5 minutos». Não vejo ninguém queixar-se, pelo que isto deve ser moléstia que só me ataca a mim! E nenhum deles é má pessoa, claro! São todos porreiros, já que tiveram êxito na vida e êxito na vida é estar sempre super ocupado (SSO), nunca ter tempo para ouvir um pardalito na árvore, nunca ter tempo para olhar gratuitamente um pôr do sol, nunca ter tempo para não se importar com o tempo, nunca ter tempo para viver, nunca ter tempo para morrer [ ]
Longe de mim querer mudar as coisas e fazer com que os meus amigos, irmãos, sobrinhos, chefes, subchefes, não sejam importantes, super-ocupados, vip's, longe de mim querer seja o que for. Eu queria era dizer apenas que estou farto de esperar, por mais iniciação que chame a isto, por mais karma que isto se chame, por mais argumentos que tentem justificar esta minha fatalidade de apanhar sempre pela proa um «agora não posso, estou de saída para o estrangeiro». Aliás, nada mais justo que as pessoas de sucesso andem a gerir o sucesso e não tenham tempo para falar com quem não teve sucesso. O problema não é deles, obviamente, mas meu, que não tenho, nunca tive, nem terei nunca sucesso: o diabo seja surdo, cego e mudo. O meu grande medo é se algum dia vou ser penalizado com uma vida superocupada de sucesso, por causa deste impropério.
Isto é karma meu, está visto. Se há coisas que de facto detesto são as situações podres. Os impasses que se eternizam. Os trabalhos que ficam por acabar. As tarefas que ficam por terminar. Os julgamentos que ficam por julgar. As promessas que ficam por cumprir. As expectativas que ficam por concretizar. As acções de despejo como aquela para me tirarem a casa, a qual acção de despejo me durou dois anos, com sete convocatórias a tribunal com o grupo de amigos que fizeram o favor de ser minhas testemunhas. Se há coisa que não suporto, são os atrasos. As promessas que não se cumprem. O «vou telefonar-te» só por dizer, sem intenção nenhuma de o fazer. Curiosamente, e até parece castigo, é o que tenho tido mais.
Levanto-me às quatro da manhã, habitualmente, mas se for necessário passo a levantar-me às 3, às 2, sei lá, passo a não me levantar, ou a levantar-me antes de me deitar. Mas claudicar eu próprio naquilo que mais odeio nos outros, vou resistir até poder. E que Deus não me castigue, caindo na tentação de fazer com os outros o que os outros fazem comigo. Por mais que me lixem o juízo com os eternos alibis de «agora não posso», «agora não estou», «agora, agora, agora». Nunca.
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