LUMPEN 1969
69-05-21-dl> inédito ac de 1969 – leituras – diário de um leitor distraído
DESCOLONIZAÇÃO LITERÁRIA E ALGUMAS MINORIAS
21-5-1969 - Pode ser uma minoria de vinte milhões ( os negros americanos dentro da população) ou apenas de algumas unidades. Mas o que define as minorias - a solidariedade universal - torna-as na soma e totalidade a maioria absoluta. Só que, por distribuição irregular de riquezas, as minorias aparentes são as maiorias reais (em poder económico e político) e as minorias reais são as maiorias aparentes.
Exemplificando, na literatura: autores privilegiados, pertencentes à classe que pode e manda, monopolizam o direito de falar dos outros, dos próprios humilhados e ofendidos, do lumpen-proletariat, dos que não têm voz; monopolizam a voz dos que a não têm e deles, sobre eles, por eles falam.
Caryl Chessmann, Albertine Sarrazin, Violette Leduc, Jean Genet, surgidos da infra.-miséria que os privilegiados denominam abjecção, falam de si e por si.
Quando procuramos, no deserto humano que constitui hoje o "convívio" tal como as empresas e o trabalho o estabeleceram, só nos perseguidos de todos os tempos encontramos, tanto como na música, a companhia não alienada, a companhia que não é ainda outra forma burlesca de solidão. Perseguidos e doentes, out-siders e franco-atiradores, segregados e famintos, de qualquer forma e por qualquer motivo o rebotalho da sociedade, as sobras da abundância, as migalhas do banquete.
NÃO PÁRA DE NOS SURPREENDER
Um fenómeno que não pára de nos surpreender, de nos emocionar: o advento, para a maioridade literária, daqueles povos e daquelas criaturas que tradicional e secularmente se supunham sem meios nem méritos criadores. Os países latino-americanos, no primeiro caso, as escritoras portuguesas, no segundo, - são para já e sem nos alargarmos agora para outros horizontes , exemplos de maior representatividade.
As escritoras portuguesas, há apenas uma dezena de anos que impuseram a sua presença: Irene Lisboa seria a tímida afirmação de um génio que não soube defender-se a tempo das cóleras circundantes; depois , dezenas de escritoras, principalmente romancistas, asseguraram não só a superioridade definitiva do naipe feminino sobre o masculino das letras portuguesas, como nos revelaram uma nova escala de estilos ou «modos de ver o mundo».
Por isto ou por aquilo, a obra destes autores é diferente, é melhor, é mais vivida e sofrida e autêntica. Parece que a emancipação de uma minoria até então desconsiderada, perseguida ou diminuída (povo ou grupo “rácico”) deixa marcas que a literatura , depois, quando não é meramente literária, transforma e prolonga em vigor existencial.
Mas, ao falar-se do exemplo português, poderia pensar-se que é da condição nacional que advém o fenómeno da emancipação feminina. Que dizer, no entanto, quando num meio emancipado, surgem ainda casos maiores como: Simone de Beauvoir, Violette Leduc, Albertine Sarrazin?
Quase todas páginas de confissão , de interioridade e desespero existencial, pertencem elas a um “terceiro mundo” espiritual , que ainda está por catalogar entre os críticos europeus mas que já se afirma independente e paralelamente ao Terceiro Mundo. É um facto, antes de como facto ser conhecido e reconhecido.
Albertine Sarrazin teve lugar na língua francesa, por um acaso. Ela vem de um exílio que, maior pelas fronteiras geográficas, se define pelas fronteiras da vida. Exilada, ela, como bastarda Violette Leduc, chegam à literatura pelo canal de onde os escritores literatos (a maioria!) fogem.
Fazendo companhia a Jean Genet ou Antonin Artaud – Albertine Sarrazin pagou com juros e anterioridade, tudo quanto escreveu. E tudo – incluindo breve fama – o que ganhou com quanto escreveu. Motivo por que fica fora dos cânones e é maior do que tudo quanto se narrou dentro deles.
O NOBEL PARA ASTÚRIAS
Miguel Angel Astúrias foi «ofendido» com a atribuição do prémio Nobel. Porta-voz de um Terceiro Mundo onde a fome é de sentido plural (há várias fomes e fomes de tudo!) e se subdivide em todas as formas possíveis , equipara-se a Albertine Sarrazin na grande pátria das independências recentemente conquistadas.
Também o romance deixou de ser campo de privilegiados e nele se ouvem, agora, as vozes daqueles que não tinham até agora direito à palavra. Da ruína e da submissão nasce uma literatura que, embora individual ou individualista na aparência e nos processos, fala implicitamente de um grupo mais vasto: a humanidade humilhada que toma consciência e conta de si através da literatura.
PALAVRAS-CHAVE NA DESCOLONIZAÇÃO DO ESCRITOR
A literatura de novas ópticas é subversiva no sentido em que vem afirmar mais mundos e mais «marias na terra», dando a palavra aos que até agora a não tinham: ao Terceiro Mundo do Mundo: a criança, o louco, o doente, o negro.
A literatura prospectiva é a descolonização em sentido lato, é o terceiro mundo da literatura.
Temos, em resumo, algumas noções básicas ( sublinhadas no texto) ao desvendar as leis que regem a nova imaginação:
Relatividade
Resistência de minorias
Descolonização
Novas ópticas
Epistemologias múltiplas
Mudança
Dialéctica
Terceiro mundo
***
DESCOLONIZAÇÃO LITERÁRIA E ALGUMAS MINORIAS
21-5-1969 - Pode ser uma minoria de vinte milhões ( os negros americanos dentro da população) ou apenas de algumas unidades. Mas o que define as minorias - a solidariedade universal - torna-as na soma e totalidade a maioria absoluta. Só que, por distribuição irregular de riquezas, as minorias aparentes são as maiorias reais (em poder económico e político) e as minorias reais são as maiorias aparentes.
Exemplificando, na literatura: autores privilegiados, pertencentes à classe que pode e manda, monopolizam o direito de falar dos outros, dos próprios humilhados e ofendidos, do lumpen-proletariat, dos que não têm voz; monopolizam a voz dos que a não têm e deles, sobre eles, por eles falam.
Caryl Chessmann, Albertine Sarrazin, Violette Leduc, Jean Genet, surgidos da infra.-miséria que os privilegiados denominam abjecção, falam de si e por si.
Quando procuramos, no deserto humano que constitui hoje o "convívio" tal como as empresas e o trabalho o estabeleceram, só nos perseguidos de todos os tempos encontramos, tanto como na música, a companhia não alienada, a companhia que não é ainda outra forma burlesca de solidão. Perseguidos e doentes, out-siders e franco-atiradores, segregados e famintos, de qualquer forma e por qualquer motivo o rebotalho da sociedade, as sobras da abundância, as migalhas do banquete.
NÃO PÁRA DE NOS SURPREENDER
Um fenómeno que não pára de nos surpreender, de nos emocionar: o advento, para a maioridade literária, daqueles povos e daquelas criaturas que tradicional e secularmente se supunham sem meios nem méritos criadores. Os países latino-americanos, no primeiro caso, as escritoras portuguesas, no segundo, - são para já e sem nos alargarmos agora para outros horizontes , exemplos de maior representatividade.
As escritoras portuguesas, há apenas uma dezena de anos que impuseram a sua presença: Irene Lisboa seria a tímida afirmação de um génio que não soube defender-se a tempo das cóleras circundantes; depois , dezenas de escritoras, principalmente romancistas, asseguraram não só a superioridade definitiva do naipe feminino sobre o masculino das letras portuguesas, como nos revelaram uma nova escala de estilos ou «modos de ver o mundo».
Por isto ou por aquilo, a obra destes autores é diferente, é melhor, é mais vivida e sofrida e autêntica. Parece que a emancipação de uma minoria até então desconsiderada, perseguida ou diminuída (povo ou grupo “rácico”) deixa marcas que a literatura , depois, quando não é meramente literária, transforma e prolonga em vigor existencial.
Mas, ao falar-se do exemplo português, poderia pensar-se que é da condição nacional que advém o fenómeno da emancipação feminina. Que dizer, no entanto, quando num meio emancipado, surgem ainda casos maiores como: Simone de Beauvoir, Violette Leduc, Albertine Sarrazin?
Quase todas páginas de confissão , de interioridade e desespero existencial, pertencem elas a um “terceiro mundo” espiritual , que ainda está por catalogar entre os críticos europeus mas que já se afirma independente e paralelamente ao Terceiro Mundo. É um facto, antes de como facto ser conhecido e reconhecido.
Albertine Sarrazin teve lugar na língua francesa, por um acaso. Ela vem de um exílio que, maior pelas fronteiras geográficas, se define pelas fronteiras da vida. Exilada, ela, como bastarda Violette Leduc, chegam à literatura pelo canal de onde os escritores literatos (a maioria!) fogem.
Fazendo companhia a Jean Genet ou Antonin Artaud – Albertine Sarrazin pagou com juros e anterioridade, tudo quanto escreveu. E tudo – incluindo breve fama – o que ganhou com quanto escreveu. Motivo por que fica fora dos cânones e é maior do que tudo quanto se narrou dentro deles.
O NOBEL PARA ASTÚRIAS
Miguel Angel Astúrias foi «ofendido» com a atribuição do prémio Nobel. Porta-voz de um Terceiro Mundo onde a fome é de sentido plural (há várias fomes e fomes de tudo!) e se subdivide em todas as formas possíveis , equipara-se a Albertine Sarrazin na grande pátria das independências recentemente conquistadas.
Também o romance deixou de ser campo de privilegiados e nele se ouvem, agora, as vozes daqueles que não tinham até agora direito à palavra. Da ruína e da submissão nasce uma literatura que, embora individual ou individualista na aparência e nos processos, fala implicitamente de um grupo mais vasto: a humanidade humilhada que toma consciência e conta de si através da literatura.
PALAVRAS-CHAVE NA DESCOLONIZAÇÃO DO ESCRITOR
A literatura de novas ópticas é subversiva no sentido em que vem afirmar mais mundos e mais «marias na terra», dando a palavra aos que até agora a não tinham: ao Terceiro Mundo do Mundo: a criança, o louco, o doente, o negro.
A literatura prospectiva é a descolonização em sentido lato, é o terceiro mundo da literatura.
Temos, em resumo, algumas noções básicas ( sublinhadas no texto) ao desvendar as leis que regem a nova imaginação:
Relatividade
Resistência de minorias
Descolonização
Novas ópticas
Epistemologias múltiplas
Mudança
Dialéctica
Terceiro mundo
***
<< Home