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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-03-31

DOCUMENTO FE 1983

documento-2- os dossiês do silêncio

1-4-1983

400 MEDIDAS PARA 100 ANOS(*)- PRIORIDADES EXIGIDAS PELO GRUPO "FRENTE ECOLÓGICA" AO GOVERNO QUE VIER

Sem pretender ter a representação dos ecologistas portugueses, o grupo "Frente Ecológica" lembra algumas prioridades que, no campo do Ambiente e da Qualidade de Vida, deverão ser levadas em conta por um governo que se reclame do socialismo democrático e da social-democracia.
No entender da "Frente Ecológica", um governo socialista deverá:
- Desenvolver as premissas ecológicas contidas no próprio projecto socialista
- Apoiar, incentivar e fomentar a autonomia dos movimentos independentes de cidadãos que vitalizam o tecido da comunidade, garantem a oxigenação da vida nacional e constituem válvulas de segurança da democracia pluralista
- Completar e fazer cumprir a legislação do Ambiente que a própria entrada na CEE implica
- Estar atento aos apelos dos ecologistas europeus representados no movimento Eco-Ropa, no sentido de alterar o artigo 2 do Tratado de Roma, que respeita ao conceito de expansão contínua da economia, hoje posto totalmente em causa pela realidade física e histórica
- Rever, à luz da Ecologia, do impacto ambiental e dos custos sociais e humanos que provocam, os megaplanos alegadamente propostos para desenvolvimento português quando por toda a Europa esse modelo de desenvolvimento, implicado por tais projectos, entrou clara e expressamente em falência
- Entre os planos megalómanos, que ultrapassam as nossas forças e violentam a própria independência nacional, um governo socialista e democrático deverá rever totalmente: Plano Nuclear, Plano de Alqueva, Plano Petroquímico, Plano Siderúrgico, Plano das Pirites, Plano de Agro-culturas esgotantes como o Tabaco, o Cártamo o Girassol, o Eucalipto, etc., Plano Rodoviário de Auto-Estradas e vias Rápidas, Plano de Navegabilidade do Douro, Plano do Sal-Cloro de Estarreja, Plano Celulósico, Plano de Prospecções Petrolíferas, Plano do Gasoduto soviético e do Oleoduto da NATO, etc.
- Pôr em prática o slogan muito divulgado "libertação da sociedade civil"
- Pôr em prática uma efectiva descentralização cultural e informativa, fase preparatória de uma regionalização autêntica e não demagógica
- Dar à Economia de Reciclagem e Reaproveitamento de Recursos e Desperdícios o lugar prioritário que a legislação comunitária já dá e que em países mergulhados numa crise profunda como Portugal se torna condição sine qua non
- Agir para que a falada «modernização da agricultura» inclua um sector-piloto de agricultura biológica, auge e ponto avançado de vanguarda nas mais modernas políticas agrícolas
- Tomar medidas efectivas para atenuar a macrocefalia que asfixia o pais real das regiões
- Pôr imediatamente em prática a redução do horário de trabalho e da idade da reforma, adoptando estas duas campanhas dos ecologistas como slogan libertador específico do socialismo democrático
Os ecologistas exigem ainda de um governo socialista:
- Que se estruturem e disciplinem os serviços oficiais do Ambiente, pondo fim à escandalosa anarquia e à inoperância verificada durante o governo AD, envolvido em chicanas internas, quando não meramente conjugais
- Que a lei Quadro do Ambiente seja discutida e aprovada de uma vez por todas
- Que se ataque de vez o problema ecológico das chamadas arborizações e se diga ao país, com números, quanto vai custar , em alterações climáticas, seca, sede e deserto, a eucaliptação monstruosa deste país
- Que se prossiga e se incrementem experiências-piloto de ordenamento biofísico do território já realizadas
- Que a lei contra o ruído se cumpra integral e imediatamente, sem mais desculpas de mau pagador, que a Lei do Aproveitamento de Desperdícios seja implementada como lei fundamental do País, que os planos de ordenamento dos parques naturais saiam da sornice em que têm estado, enfim, que se saneie a corrupção que também neste campo impera com elevadíssimos custos sociais para a população portuguesa, cuja vida quotidiana atingiu o mais abominável grau de degradação jamais verificado
- Que se complete o inventário de recursos pesqueiros efectuado pelo I.N.I.P. e que se estenda a política de inventário de recursos a todos os domínios da realidade biofísica portuguesa
- Que se adopte uma política corajosa de prevenção contra o Biocídio perpetrado com uma crueldade única no mundo em rios, lagos, serras, e outros ecossistemas portugueses
- Que se incentive a criação de gabinetes de planeamento urbanístico e rural, integrando "técnicos alternativos" com uma visão menos fossilizada da evolução histórica e com o mínimo de sensibilidade ecológica
- Que a diversidade das regiões e a voz das populações entre como artigo fundamental da Constituição Portuguesa
- Que economistas e políticos com funções de mando e responsabilidade na administração pública se abram às novas correntes da análise económica e energética, quer dizer, que se desfossilizem também
- Que esses economistas não continuem , comodamente, a aproveitar-se da desinformação, da incultura e da alienação intoxicante em que, por via dos mass media totalitários, vive mergulhado o povo português, para continuar impondo mitos que já faliram nos países da Europa onde queremos entrar
- Que se ponha em prática já, no caso pontual do previsto plano electro-nuclear, uma moratória e se prepare sem discriminação um referendo sobre o assunto
- Que os serviços responsáveis pela segurança nuclear descubram a cara e digam claramente o que farão, ao menos enquanto defesa civil, em caso de acidente num reactor espanhol de fronteira como o de Almaraz
- Que o governo diga claramente o que decidiu, e em nome de quem, com que legitimidade democrática, sobre as centrais de Valdecaballeros e Sayago
- Que se apontem de imediato as agulhas para que, a médio e longo prazo, a Economia passe a estar ao serviço do homem e deixe de ser progressivamente o homem que está ao serviço da Economia
- Que a vida quotidiana - até segundo os índices proclamados pela OCDE - seja vector fundamental nos planos do governo e que deixe de estar, como tem estado, omissa das preocupações dos políticos
- Que o caminho para superar as brutais contradições da engrenagem industriocrática seja, não o da escalada hipertecnocrática da Asneira mas o das alternativas radicais reformistas abertas como unidades-piloto na violência, na megalomania e na brutalidade do chamado crescimento exponencial ou logarítmico
- Que as experiências de convivialidade, comunidade e autarcia rural sejam efectivamente apoiadas, e criadas escolas de tecnologias leves e artesanais para preparar os que queiram sair do cancro e pesadelo da cidade para se organizar em experiências de renascimento rural
- Que entre imediatamente em prática, nas autarquias, um sistema para selecção dos três tipos de lixos e se ponha em prática imediatamente o seu posterior reaproveitamento
- Que se proceda à liquidação imediata daquilo que, em matéria de Ambiente e Segurança do Cidadão, é deliberada e expressamente criminoso propósito de continuar intoxicando, adoecendo, destruindo, alienando
- Que se acabem as desculpas até agora apresentadas por governos desgovernados, quando se trata de tomar medidas efectivas no mero controle da poluição, na indemnização das vítimas, na segurança dos cidadãos, na qualidade alimentar, na garantia dos consumos, etc.
- Que se acabe com os alibis clássicos - não há leis, não há dinheiro, não há tecnologia, não há a quadros quando pura e simplesmente o que não tem havido é vergonha na cara
- Que se ponha cobro à demagogia retórica de responsáveis que continuam impunemente a afirmar que a qualidade de vida só se conquista quando todo o país for empestado de indústrias pesadas, hiperpoluentes, venenosas, tóxicas e perigosas
- Que se acabe de vez com a peste do ruído, cancro da vida quotidiana, com a porcaria acumulada por desmazelo e desleixo, que se acabe com as escandaleiras mais evidentes, as eucaliptações, os arboricídios de espécies seculares, o desvio de cereais indispensáveis à alimentação humana para engorda de porcos e outras porcarias, etc
- Que as doenças da civilização, assim classificadas pelos médicos da O.M.S. , sejam objecto da política profiláctica lógica e adequada, e que se deixe consequentemente de marrar no absurdo de combater pelo sintoma o que, do outro lado, se está a instigar pela multiplicação das causas
- Que no campo da política alimentar se tomem medidas prioritárias relativamente ao escândalo criminoso dos refinados (sal, cereais, óleos), não só como rombos que são na economia alimentar dos portugueses mas como principais responsáveis pelas doenças degenerativas epidémicas
- Que os responsáveis respondam, que os serviços atendam o telefone, que os departamentos não fechem a porta na cara dos cidadãos que pagam e repagam para os sustentar
- Que se ponha cobro drástico ao desprezo dos técnicos pela população que lhes paga os ordenados e as ajudas de custo
- Que ao conceito de crime contra o património cultural já introduzido, por iniciativa do CDS, na legislação portuguesa, o governo socialista não se deixe ficar atrás introduzindo, com tão bons legistas que tem, o conceito de crime contra o Ambiente, a Natureza e o Homem, sempre que a segurança, integridade e identidade do cidadão está ameaçada - tudo isto aliás de acordo com o artigo 112 da actual Constituição Portuguesa
- Que se dê fim imediato ao escândalo dos fumos negros dos escapes automóveis, deixando Portugal de ter esse brilhante recorde, bem como ao crime público do chumbo na gasolina em percentagens que conseguem rebentar todas as escalas europeias de normas
- Que se acabe com a política de obstrução ao incremento das energias renováveis, limpas e gratuitas - nacionais -, obstrução que tem sido praticada pelos organismos oficialmente encarregados de as incentivar
- Que se substitua de imediato a ridícula e grotesca campanha de conservação de energia, substituindo-a por uma política de conservação e poupança e austeridade a sério, quer dizer, que não esteja a gozar como esta está, com o pagode
- Que se intensifiquem experiências com gás metano nas zonas mais carecidas , na certeza de que é possível cobrir com essa fonte energética 8% das necessidades em combustível da agricultura portuguesa
- Que se estimulem os jovens para as carreiras profissionais mais ligadas à defesa dos recursos naturais, até porque são as mais criadoras de empregos
- Que se crie, em profissões alheias à Natureza, uma espécie de dupla actividade optativa, podendo vir a definir-se uma categoria profissional de ambientalista prático dos recursos e ambiente
- Que se dê prioridade absoluta à política geral de recursos e ambiente, criando um departamento (ministério, secretaria, direcção geral, instituto) encarregado de estimular e fomentar a participação popular em iniciativas para a defesa da sua própria vida e qualidade de vida
- Que no âmbito de uma política nacional do Meio Ambiente se declarem áreas prioritárias de intervenção, salvaguarda e defesa: rios, ribeiras e ribeiros afluentes, factor que normalmente afecta mais directamente a população residente; plantação indiscriminada de eucaliptos e desertificação acelerada que provocam; erosionamento verificado em áreas como o Nordeste Transmontano, o Baixo Mondego, a Serra Nordeste do Algarve; recursos de água potável face à concentração já instalada de indústrias hidróvoras e das que se preparam para entrar em laboração
- Que se promovam inquéritos nas áreas até agora tabu para os partidos políticos, tais como: internamentos psiquiátricos, prisionais, asilares, de ensino, etc; crimes contra a saúde pública praticados por indústrias nacionais ou multinacionais; inaproveitamento de recursos humanos; abusos de autoridade praticados em locais de trabalho; os cidadãos sem estatuto, velhos sem reforma, crianças sem pais, doentes sem cama, idosos sem casa, etc.; doenças ditas do trabalho, stress, etc.; em que medida os espaços congestionados produzem manifestações patológicas como suicídio, homicídio, alcoolismo, toxicomania, neurose, esquizofrenia, etc;
- Que se reformule a chamada política de saúde e que mais não tem sido que política de doença
- Que seja posta em prática uma política de agricultura biológica, introduzindo gradualmente projectos-piloto viáveis, campos exeprimentais, zonas de produção alternativa, para que experimentalmente se verifiquem os princípios e métodos defendidos pelos ecologistas, na certeza de que maior produtividade só será conseguida, a médio e longo prazo, pela defesa biológica dos solos, obviando à sistemática esterilização provocada pela hecatombe química
- Que uma política do quotidiano leve em consideração o combate decidido contra a lista negra do chamado "fascismo quotidiano": publicidade explícita e oculta; multas que são verdadeiros roubos(assaltos) legais praticados por empresas públicas de serviços públicos, aquilo a que já se chama a "ladrocracia"; bichas a que se obriga o cidadão para pagar o que o obrigam a pagar; o ruído como principal destruidor das defesas nervosas; o fisco e sua actualização electrónica - Número do Contribuinte - que além de ilegal e inconstitucional nem sequer já governos fascistas se atrevem a manter; a chicana partidária que completamente paralisa a produção do país e narcotiza a consciência do povo; medicamentos e seus efeitos comprovadamente cancerígenos; pesticidas e sua escalada de morte, fome, miséria, tudo isto em nome da fartura e da produtividade
- Que um instituto de apoio aos movimentos autogestionários de cidadãos facilite a visita destes a centros europeus de práticas alternativas
- Que o mesmo instituto permita a profissionalização de ecologistas de forma a que possam dedicar-se em tempo inteiro à difusão e articulação de grupos e actividades de carácter convivial e alternativo
- Que o instituto dê andamento e força a campanhas como:
- Construção de pequenas barragens, exigindo os ecologistas um serviço expressamente votado ao planeamento e execução dessas pequenas barragens
- Campanha pela redução do horário de trabalho; etc.

Os ecologistas voltam a lembrar a importância de uma política de saúde como vector fundamental de uma ética política e de um Estado de Direito.
É urgente pois:
- Que as instituições de saúde respondam claramente ao desafio posto pelas chamadas "doenças da civilização", ao respectivo diagnóstico ecológico e às respectivas terapêuticas naturais/causais adequadas
- Que as elites governantes, especialmente no campo médico, desfossilizem as suas posições, abdiquem do seu trogloditismo nato e vejam que é vanguarda europeia dar atenção aos métodos ecológicos de conservar a saúde, muito mais económicos para o orçamento geral do Estado do que o famigerado combate à doença
- Que se ponha cobro ao escândalo do pão-borracha, à sua inferior qualidade, aos vários produtos químicos que, ilegal ou legalmente, se adicionam no seu fabrico

- Que se tomem a sério medidas, até agora poucas e tímidas, para a diversificação de horários em Lisboa e localidades onde o congestionamento é um factor patológico determinante
- Que se ponham imediatamente a funcionar as 'Comissões de gesto do Ar" criadas por decreto-lei 255/80, de 30 de Julho, e cujo adiamento é mais um sinal do comprovado desprezo pela saúde pública e sintoma da comprovada sornice e corrupção nacional
- Que se tome , sem hesitar, partido pela saúde pública, quando o dilema for entre saúde e interesses corporativos de uma determinada indústria
- Que os esquemas de previdência cubram imediatamente os tratamentos e terapêuticas na turais/causais, como acupunctura, homeopatia, etc.
- Que se dê apoio a cooperativas de medicina tradicional chinesa

Face ao estado de catástrofe provocado pela seca, os ecologistas impõem como prioridade número 1 a um governo que governe:
- Que o problema da seca seja imediatamente atacado nas suas dimensões ecológicas e que se ponha fim às medidas silvo-pastoris, ridículas e grotescas de carácter meramente administrativo e pontual com que se tem pretendido defrontar o que é já declaradamente (embora ainda não declarada por covardia de quem governa) catástrofe nacional
- Que se mobilize e prepare o país para minimizar os custos do que é efectivamente uma catástrofe mas que ainda não deixou de ser encarado como um acidente meteorológico passageiro por governos cuja menoridade política, moral e mental têm nesse diagnóstico e nessa terapêutica o teste decisivo
- Que se promova imediatamente um inquérito oficial aos arboricídios que subrepticiamente têm vindo a multiplicar-se pelos municípios de todo o país
- Que se dê resposta clara sobre o destino do Projecto delta que previa reciclar todos os despojos portugueses de origem animal para farinha de rações
- Que se acabe com o cínico discurso que promete auxílios aos bombeiros mas que nunca são praticados por escuras e inconfessáveis razões
- Que seja criado o Banco Cooperativo Central
- Que se mande imprimir em milhares de exemplares um Manual Prático de Auto-Emancipação e Auto-Organização dos grupos e cidadãos e de incentivo à independência local


Voltando às prioridades energéticas, relembra-se a urgência de pôr em acção uma medida já anunciada:
- Que se implemente o sistema de diagnóstico energético das empresas, para combater gastos supérfluos e desperdícios desnecessários
- Que se faça aprovar na Assembleia da República o empréstimo de mais de quarenta mil contos facultado pelo Banco Mundial e que contempla, além daquele projecto, mais uma dezena de outros de racionalização energética

Entre outras prioridades, exigimos ainda:
- Que se acelerem e ponham à prova os esquemas de defesa civil criados por lei
- Que se divulgue o serviço de apoio ao jovem agricultor igualmente criado por lei mas obstruído por falta de vontade política
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(*) Este documento foi entregue, pelo representante do jornal «Frente Ecológica», a Mário Soares, durante um almoço com os ecologistas por ele promovido num restaurante do Bairro Alto, em Lisboa, no dia 1 de Abril de 1983
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