ORDER BOOK

*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2005-12-29

LEGADO 1994

6817 caracteres-hm-1>

31-12-1994

Quando há dois anos, o jornalista Afonso Cautela doou à Escola Secundária de Paço de Arcos a sua biblioteca de ecologia, organizada ao longo de 20 anos, nada quis dizer ao nosso jornal sobre a motivação desse gesto. «Esses 2.000 livros podem ser mais úteis à Comunidade se estiverem na Escola, do que aqui em casa» foi apenas o que na altura lhe ouvimos. Afinal, era apenas o fim de um ciclo e o princípio de outro. Deixara de acreditar na Natureza para ter mais certezas sobre o Espírito. Em conversa informal. Hoje que a ecologia até já se vende nos detergentes e nos pesticidas, Afonso Cautela deixa-nos hoje algumas pistas sobre o que pensa do ecologismo como movimento social e da ecologia como matéria interdisciplinar que já é nas escolas.

- Acha que na base da ideia ecológica está um pressentimento de catástrofe?
- Sobre os tempos que estão a chegar (vulgo: Apocalipse), confesso que estou um bocado aflito. O mundo moderno assusta-me com a sua barbárie. A ciência e a tecnologia de ponta assustam-me: e o «crash» na bolsa de Nova Iorque pode acontecer de um segundo para o outro. Nesse momento, será a hecatombe em todo o mundo ocidental: e nenhum de nós está minimamente preparado para sobreviver em clima de terceiro mundo. Mas tenho muita fé em Deus e na Banca Internacional: espero bem que os grandes cérebros do capitalismo tenham preparado uma estratégia que, no minuto final, evite a derrocada. Acho mesmo que os grandes banqueiros sabem a data certa em que o «crash» vai acontecer: nós, sempre inocentes, é que não sabemos e vamos ser apanhados de surpresa com as calças na mão.

- Nesse caso, qual a saída?
- Se, com o Apocalipse à porta, já não vamos a tempo de salvar a pele, então o mais avisado (e pragmático) será mesmo tentar salvar a alma. Daí que tenho aderido de alma e coração à ideia religiosa fundamentalista: ou seja, à saída vertical do atoleiro. Na horizontal, já não vamos a tempo. Toda a política do ambiente e todos os grupos de defesa do ambiente, fazem-me pena: estão convencidos de que ainda vão a tempo de salvar alguma coisa. Mas já nada no Planeta Terra pode ser salvo: como há 20 anos, a destruição acelera cada vez mais e não há um único exemplo de que tenha travado ou abrandado a marcha para o abismo. As presidências abertas sobre Ambiente são mesmo patéticas: o Poder sabe perfeitamente o que fez e o que continua fazendo para nos afundar no Chafurdo. Depois de nos sugar até ao tutano. É de uma suprema hipocrisia ainda vir cantar hinos de louvor à Natureza. E aos animais coitadinhos, tão engraçadinhos.

- Mas como é que se salva a alma?
- Considero-me um empresário de ideias e o único investimento que me importa fazer nesse ramo - da alma - é naquilo que designo hoje por Nova Idade de Ouro ou projecto 3º Milénio: nunca, desde há 41 anos, as condições cósmicas foram tão favoráveis ao advento do Paraíso. Nunca estivemos tão perto de tocar a Luz: e, no entanto, nunca se perfilaram tantas bestas para nos abortar tamanha chance. Esta - a da ponte para o terceiro milénio - é a única grande guerra que (me) interessa travar. Encontrei um estupendo companheiro de jornada: Etienne Guillé, professor da Sorbonne, biologista molecular, investigador do Cancro, matemático, uma sumidade em termodinâmica. Entre outros livros verdadeiramente prodigiosos, publicou em Agosto último «L'Homme entre Ciel et Terre» que, além de ser o maior tratado de Ecologia Profunda jamais escrito, é também o mapa completo sobre o percurso labiríntico a percorrer rumo à tal démarche que lhe falei: a salvação da alma e já que a salvação da pele é cada vez mais problemática. Desta é que sou hoje militante: da caquinha ecologista e seus maus cheiros, estou um bocadinho farto. E continuo a acreditar no ser humano, como a morada mais preciosa onde deus pode habitar. Mas onde, neste momento, não habita.

- Se colectivamente se pode fazer pouco, há algum caminho (de salvação) individual?
- A partir do momento em que os «opinion makers» chamam saúde ao que é doença, progresso ao que é retrocesso, desenvolvimento ao que é pura e simplesmente destruição e terror, a lógica da perversidade está em marcha e não vai parar. Com a ajuda mediática, vai acelerar. Só irá parar quando estivermos todos no fundo. Incluindo o deputado Almeida Santos que escreveu um livro a defender os dinossauros e a vituperar os fundamentalistas da Ecologia como eu. Afinal a «deep ecology» - que foi sempre a minha, desde tenra idade - até é hoje uma corrente respeitável e possivelmente terá algum representante no Parlamento de algum país europeu. Aqui na terrinha dos navegadores é que continuam a insultar-se os fundamentalismos: acontece que sou fundamentalista/integrista e que preferia ter um primeiro-ministro da Jiad islâmica, por exemplo, do que aquele que tenho. Aliás, o mundo será muçulmano muito mais cedo do que se pensa e eu já estou a preparar-me, lendo todos os dias os contos da mil e uma noites. Que, ainda por cima, são afrodisíacos à brava. E lindos de morrer.

- Depois da sua doação de livros à escola, ficou livre do que chamou «lixo papelístico»?
- Tenho um pequeno problema de «know-how» a resolver: não sei o que hei-de fazer, a quem doar, as 20 caixas Inapa cheias de folhas A4 com o Banco de Ideias que fui acumulando desde 1969, ano em que publiquei o primeiro livro sobre ecologia aparecido em Portugal: «O Suicídio da Humanidade». Depois foi o Movimento Ecológico Português e foi a «Frente Ecológica»: com o 25 de Abril, as ideias foram-se desvalorizando na Bolsa de Valores e eu entrei em bancarrota: só produzia ideias que não davam dinheiro. Arruinei-me e acumulei uma dívida ao fisco que já não posso pagar, nem mesmo em prestações. Quem quererá hoje aceitar, ou comprar, esse património que, com o Apocalipse à porta, se arrisca de património histórico a ser património arqueológico?

- Ainda é contra o desperdício e ainda o preocupa a conservação, portanto, que é uma ideia essencialmente ecológica?
- Segundo me informaram na Sociedade Portuguesa de Autores, onde recorri para registar as ideias e projectos que me foram roubando ao longo dos anos, a lei não prevê qualquer medida de segurança e de salvaguarda ao copyright de «ideias». Na dita SPA - que construiu um arranha-céus em cima das ideias dos autores - nem sabiam mesmo o que era isso de «ideias»: ali só se protegem obras, ou autores com obra feita, e não autores (como eu) de projectos com ideias. Para a televisão, por exemplo, rejeitaram-me umas duas ou três ideias, que meses mais tarde apareciam realizadas por outros. Acho que isto é hoje corrente e a mim aconteceu-me por toda a parte - editores, rádios, jornais, televisão - a quem propuz guiões com ideias. Ofereço-os agora a quem der mais. Não é o Crédit Lyonnais quem dá mais? Ou será a «Forum Ambiente»?
***