TEJO 1979
tejo-1> retrocessos do progresso – rios fronteiriços
OS RATOS DO TEJO(*)
24/7/1979 - Uma semana antes de um zeloso colóquio internacional sobre os problemas do estuário do Tejo (UNESCO, PNUMA OMS e outras ilustres organizações internacionais muito preocupadas com a nossa saúde e poluição) e dias depois de um comunicado oficial - largamente difundido por toda a Imprensa - ter anunciado o desvio do curso do Tejo para o rio Segura, praticado pelas autoridades espanholas, e garantido que não haveria quaisquer efeitos nem consequências para os portugueses (excepto um aumento de poluição, mas isso era o menos...), eis que um telex da Agência France Press nos informa de que «a cidade de Toledo, a 80 Km de Madrid, se encontrava invadida por mosquitos e ratos de água». Ainda segundo a France Press, «o rio estaria a transportar uma grande quantidade de dejectos e de peixes no seu curso ao longo da cidade».
Há séculos, para não dizer milénios, que o Rio Tejo corria por ali! Mas só agora, horas depois de lhe terem desviado o curso, começam a saltar mosquitos por cordas e ratazanas de olho reluzente e dentinho afiado.
Dias depois, outra notícia: o município de Toledo convoca para o dia 6 de Julho uma rnanifestação de protesto contra o desvio das águas do Rio Tejo para o Segura através de um canal de 300 km, manifestações estas que se alargam aos municípios da Bacia do Tejo, incluindo Cáceres, já próximo da fronteira portuguesa.
Todos, portanto, em luta contra o desvio do Tejo e graves efeitos para terrenos e populações ribeirinhas.
Mas é claro: os problemas do Tejo desviado param exactamente aí, na fronteira com Portugal.
Para lá, ratos, mosquitos, povoações em pé de guerra. Para cá, tudo bem, tudo em paz, tudo certo, o nosso manso mar (rio) de rosas, pois nos foi garantido (mas quem garantiu?) que não haverá consequências nefastas. Nada aqui de municípios protestantes.
Desviem todos os tejos que quiserem, grita o subconsciente colectivo português. Venha a central nuclear de Sayago a 9 km de Miranda do Douro, venha a central de Valcaballeros na cabeceira do Guadiana, venham as experiências com chuva nos vinte mil quilómetros da bacia do Douro, a cargo da Organização Meteorológica Mundial desde a princípio deste ano, venha tudo quanto quiserem fazer desabar ou despejar em cima de nós: estamos protegidos, a norte pela Nossa Senhora de Fátima e ao Sul por uma brigada de organismos internacionais que, zelosa e cuidadosamente, se debruçam sobre o estuário do nosso Tejo.
Sob tais bênçãos, que mal nos pode acontecer? Aliás, tecno-anestesiados de promessas, mentiras e slogans, o que nos poderá já afectar a nós, povo deste rectângulo, cobaia de tantos laboratórios e especialistas?
Armando ao profeta, porém, o Ecologista permite-se lembrar, para já, três consequências que, apesar da anestesia, se poderão verificar em breve no Tejo, dependendo a sua gravidade das temperaturas e do Verão (mais ou menos quente, mais ou menos prolongado) que fizer.
a) O assoreamento do Tejo aumentará com a diminuição do caudal provocado pelo canal feito em Espanha - e onde estão os técnicos, sempre tão zelosos e verbosos, para explicar à gente as consequências que isso pode trazer?
b) A eutrofização das albufeiras das barragens aumentará também - com a diminuição do caudal - e onde estão aí os tão sempre eminentes e remexidos especialistas para explicar ao povo a gravidade do chamado «cancro de água».?
c) O jacinto de água - que só as desastrosas cheias do último inverno puderam minimizar um pouco - como irá recrudescer essa terrível praga em zonas infestadas dela como a barragem de Belver, quando o caudal do Tejo diminuir? Onde estão os amigos do Ambiente, as comissões, os técnicos, os engenheiros e os laboratórios sempre tão solícitos, para explicar ao povo as consequências disso?
Em Espanha, ao longo do Tejo, de Cáceres a Toledo no sentido de montante, municípios e populações não precisaram dos conselhos «abalizados». Mau grado os apelos das especialistas para estarem calmos, puseram-se em marcha de protesto. Digamos mesmo, à portuguesa, que se marimbaram neles.
Em Portugal, pelo contrário, acatámos religiosamente as suas recomendações e acreditámos que vai ficar tudo bem com o Tejo posto de avesso, enquanto do outro lado da fronteira, o povo em pé de guerra se mobiliza.
«A luta continua». Esta estranha luta da Sobrevivência contra a Destruição, da Vida contra a Morte pindericamente ataviada da «progresso tecnológico», «desenvolvimento económico e outras misérias douradas.
Esta estranha, arrebatadora e «nova» luta de classes que é também de gerações. Luta (esta sim) de vida ou de morte.
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(*) Publicado no jornal « O Correio da Manhã» , 24/7/1979
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OS RATOS DO TEJO(*)
24/7/1979 - Uma semana antes de um zeloso colóquio internacional sobre os problemas do estuário do Tejo (UNESCO, PNUMA OMS e outras ilustres organizações internacionais muito preocupadas com a nossa saúde e poluição) e dias depois de um comunicado oficial - largamente difundido por toda a Imprensa - ter anunciado o desvio do curso do Tejo para o rio Segura, praticado pelas autoridades espanholas, e garantido que não haveria quaisquer efeitos nem consequências para os portugueses (excepto um aumento de poluição, mas isso era o menos...), eis que um telex da Agência France Press nos informa de que «a cidade de Toledo, a 80 Km de Madrid, se encontrava invadida por mosquitos e ratos de água». Ainda segundo a France Press, «o rio estaria a transportar uma grande quantidade de dejectos e de peixes no seu curso ao longo da cidade».
Há séculos, para não dizer milénios, que o Rio Tejo corria por ali! Mas só agora, horas depois de lhe terem desviado o curso, começam a saltar mosquitos por cordas e ratazanas de olho reluzente e dentinho afiado.
Dias depois, outra notícia: o município de Toledo convoca para o dia 6 de Julho uma rnanifestação de protesto contra o desvio das águas do Rio Tejo para o Segura através de um canal de 300 km, manifestações estas que se alargam aos municípios da Bacia do Tejo, incluindo Cáceres, já próximo da fronteira portuguesa.
Todos, portanto, em luta contra o desvio do Tejo e graves efeitos para terrenos e populações ribeirinhas.
Mas é claro: os problemas do Tejo desviado param exactamente aí, na fronteira com Portugal.
Para lá, ratos, mosquitos, povoações em pé de guerra. Para cá, tudo bem, tudo em paz, tudo certo, o nosso manso mar (rio) de rosas, pois nos foi garantido (mas quem garantiu?) que não haverá consequências nefastas. Nada aqui de municípios protestantes.
Desviem todos os tejos que quiserem, grita o subconsciente colectivo português. Venha a central nuclear de Sayago a 9 km de Miranda do Douro, venha a central de Valcaballeros na cabeceira do Guadiana, venham as experiências com chuva nos vinte mil quilómetros da bacia do Douro, a cargo da Organização Meteorológica Mundial desde a princípio deste ano, venha tudo quanto quiserem fazer desabar ou despejar em cima de nós: estamos protegidos, a norte pela Nossa Senhora de Fátima e ao Sul por uma brigada de organismos internacionais que, zelosa e cuidadosamente, se debruçam sobre o estuário do nosso Tejo.
Sob tais bênçãos, que mal nos pode acontecer? Aliás, tecno-anestesiados de promessas, mentiras e slogans, o que nos poderá já afectar a nós, povo deste rectângulo, cobaia de tantos laboratórios e especialistas?
Armando ao profeta, porém, o Ecologista permite-se lembrar, para já, três consequências que, apesar da anestesia, se poderão verificar em breve no Tejo, dependendo a sua gravidade das temperaturas e do Verão (mais ou menos quente, mais ou menos prolongado) que fizer.
a) O assoreamento do Tejo aumentará com a diminuição do caudal provocado pelo canal feito em Espanha - e onde estão os técnicos, sempre tão zelosos e verbosos, para explicar à gente as consequências que isso pode trazer?
b) A eutrofização das albufeiras das barragens aumentará também - com a diminuição do caudal - e onde estão aí os tão sempre eminentes e remexidos especialistas para explicar ao povo a gravidade do chamado «cancro de água».?
c) O jacinto de água - que só as desastrosas cheias do último inverno puderam minimizar um pouco - como irá recrudescer essa terrível praga em zonas infestadas dela como a barragem de Belver, quando o caudal do Tejo diminuir? Onde estão os amigos do Ambiente, as comissões, os técnicos, os engenheiros e os laboratórios sempre tão solícitos, para explicar ao povo as consequências disso?
Em Espanha, ao longo do Tejo, de Cáceres a Toledo no sentido de montante, municípios e populações não precisaram dos conselhos «abalizados». Mau grado os apelos das especialistas para estarem calmos, puseram-se em marcha de protesto. Digamos mesmo, à portuguesa, que se marimbaram neles.
Em Portugal, pelo contrário, acatámos religiosamente as suas recomendações e acreditámos que vai ficar tudo bem com o Tejo posto de avesso, enquanto do outro lado da fronteira, o povo em pé de guerra se mobiliza.
«A luta continua». Esta estranha luta da Sobrevivência contra a Destruição, da Vida contra a Morte pindericamente ataviada da «progresso tecnológico», «desenvolvimento económico e outras misérias douradas.
Esta estranha, arrebatadora e «nova» luta de classes que é também de gerações. Luta (esta sim) de vida ou de morte.
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(*) Publicado no jornal « O Correio da Manhã» , 24/7/1979
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