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2006-07-23

MEDICINA 1989

89-07-23-CM>dcm89-3>=diário de um consumidor de medicinas

23-7-1989

PROGRESSO E RETROCESSO EM MEDICINA

PALAVRAS-CHAVE:
Positivismo
Ciências humanas
Museu das teorias obsoletas

23/7/1989 - Quando o positivismo já deixou de se usar há muito tempo, e faz apenas parte do museu das teorias que passaram de moda, uma ciência há que persiste, por insondáveis desígnios do destino, a teimar num qui proquo - o do progresso tecnológico - que já no princípio do século passado estava morto em muitas ciências humanas.
Essa ciência com tendência para fazer dos arcaísmos a última moda, é a medicina.
Completamente controlada pelos interesses dos laboratórios farmacêuticos, tem um tratamento deplorável, não já e não só em relação ao mundo, à vida e às pessoas mas até em relação a si própria, à sua própria e gloriosa história pregressa.
Com a patológica mania do progresso, a medicina actual despreza tudo o que seja experiência adquirida, acumulada e estratificada ao longo dos séculos, experiência que a história das medicinas regista como conquista maravilhosa do espírito e do conhecimento humano.
Ao querer impor o critério - ultrapassado, anacrónico, obsoleto - do positivismo evolucionista, a moderna medicina não só se transforma numa caricatura de si própria como perverte e desvirtua tudo aquilo que na prática pode fazer se o fizer com base na herança e nos pergaminhos históricos que possui. .
Se nenhuma das ciências humanas tolera ou suporta já hoje o critério mesquinho do positivismo castrador, a medicina, como triste abencerragem, é de todas as ciências humanas a única a persistir na tolice.
Uma ciência humana, de facto, é tanto mais rica quanto mais incorpora às conquistas modernas e recentes todas as aquisições do passado.
É a isto, a dialéctica do velho e do novo, que se chama cultura. Incultura é a negação dessa dialéctica, que em medicina se aplica também largamente à síntese do oriental e do ocidental.
Este é, pelo menos, o conceito recente que tem alimentado o mito moderno da «protecção ao património cultural». Ele só surgiu quando o buldozer positivista levou longe demais a sua tarefa de destruição, quando o banimento do passado se tornou numa verdadeira hecatombe, desde a arquitectura à natureza, passando pelas artes ancestrais e indústrias ou tecnologias populares.
O resto é moda, publicidade, marketing, sociedade de consumo, plástico, virtual, vazio.
Sem passado, sem memória, sem ligação às raízes últimas - à cultura - o homem transforma-se num idiota, desaparece feito em esterco histórico.
Ao adoptar a mundivisão herdada do positivismo - e que já foi abandonada na maior parte dos ramos do conhecimento, até nas ciências físicas - a medicina actual assume a posição ridícula do pechisbeque.
A cada novo grande avanço da tecnologia, fica de boca aberta como os indígenas da Papuásia quando viram pela primeira vez um avião sobrevoá-los. Desinsere-se do contexto cultural a que naturalmente pertence. Ao enfatizar as tecnologias de ponta, sem qualquer autocrítica ou consciência e contexto cultural, é infantil, provinciana, venal, negocista. É kitsch. Raia a tolice e a incultura.
Como qualquer outra ciência humana, a medicina é (foi) mais ou menos evoluída em diversas fases da sua história. Não seguiu uma linha invariável das cavernas para o foguetão espacial. Teve épocas de ouro e épocas de ferro. Hoje encontra-se numa época de ferro e sê-lo-á muito em breve de cinzas se a lógica do mercado teimar em conduzi-la para os mecanismos obsoletos e obsolescentes da moda, do progresso tecnológico, do usa-e-deita-fóra, do supermercado como quintessência da saúde e da vida.
Quando hoje já nenhum cientista leva a sério o mito do progresso - que só serve para anunciar novos modelos de carros na televisão -, quando hoje é ponto assente e consensual que, em cada momento, o verdadeiro progresso é a síntese dialéctica do velho e do novo, a medicina arrisca-se a ser o último abencerragem positivista, gloriosamente só, como Salazar ia ficando ao proclamar «Cacilhas ainda é nossa».