SILÊNCIOS 1970
bomba-1> - os dossiês do silêncio
LUZ VERDE PARA A DESTRUIÇÃO(*)
14/Julho/1970 - "Coroada de êxito" - foi como as agências telegráficas consideraram a última explosão H da França, no seu atol da Muroroa ( Oceano Pacífico).
Ninguém tem dúvidas, claro, que foi um êxito e de que os objectivos foram atingidos. Só não se sabe (ou ninguém diz, embora saiba) a que preço e com que consequências, a curto e longo prazo. Só ninguém sabe quanto vai custar ao futuro mais esse êxito estrondoso do presente. No presente tudo certo, ou com aparência disso. Para o futuro, que inquietante interrogação nos leva a formular , uma vez mais, essa força nuclear de que a França oficial tanto se orgulha?
A propósito, lembramos a Conferência de Cadarache (1), convocada há um ano para alertar a humanidade sobre os perigos da poluição radioactiva. Precisamente em França se acendia a luz vermelha, que agora passou novamente a luz verde: não sem alguns protestos dos países vizinhos do Oceano Pacífico. Na referida Conferência de Cadarache sobre a Protecção Contra os Riscos da Poluição Nuclear dos Continentes, acentuava-se que, se nos Estados Unidos, a radioactividade oscila entre os 10 e 12 micro-roentgens, na Europa Ocidental não estamos longe dessa taxa.
Apesar de não existirem polígonos nucleares europeus, o nosso céu carregou-se, mesmo assim, de toda a espécie de poeiras projectadas em profusão pelas diversas explosões experimentais. A estas poeiras "quentes" das explosões, juntaram-se as substâncias radioactivas que libertam forçosamente as inúmeras aplicações industriais, médicas, agrícolas e científicas dos radioisótopo.
Entre a uti1ização bélica da energia atómica e as suas aplicações pacíficas, é difícil a escolha. Entre uma e outra, venha o diabo e escolha.
Só reactores nucleares existem hoje cerca de 500 em todo o mundo, dos quais 102 são "reactores de potência'', quer dizer, reactores que produzem resíduos radioactivos às dezenas de toneladas.
Dentro de 5 anos apenas, existirão mais de 300 centrais nucleares sobre o Globo e estas 300 centrais produzirão 8 vezes mais corrente eléctrica do que o conjunto actual das centrais nucleares de todos os países reunidos. Em 1980 , as centrais nucleares deverão fornecer ainda duas vezes mais corrente eléctrica do que em 1975. Isto significa que, dentro de 10 anos, o átomo estará na origem de quantidades de electricidade que corresponderão, sensivelmente, a 20 vezes a produção actual das centrais atómico-eléctricas.
Como em técnica não há milagres, as centrais nucleares de 1980 acumularão, fatalmente, mais resíduos radioactivos do que as centrais de 1970. Ora eleva-se já a dezenas de milhar de toneladas a quantidade de resíduos radioactivos lançados nos oceanos e mares nos últimos 25 anos.
Em 1968, só no Verão, França, Holanda, Bélgica e Inglaterra lançaram mais de 20.000 toneladas de resíduos radiactivos no Atlântico. Americanos e Russos fazem outro tanto.
Além de que nada nos garante de que os recipientes de betão e aço, nos quais foram encerrados os resíduos das centrais nucleares, não sejam um dia corroídos ou rebentados pelos movimentos dos fundos submarinos - e que, em vez de uma poluição progressiva, se assista então à invasão explosiva da terra por materiais radioactivos.
Sendo estas as perspectivas tão "animadoras" do átomo dito pacífico, não admira que, além de brilhante êxito, se considere a deflagração de mais uma Bomba como um refrescante alívio. A destruição lenta e a longo prazo, talvez seja preferível à outra que mata mais, melhor e mais depressa.
- - - - -
(*) Publicado no jornal diário «Notícias da Beira” (Moçambique), 14/Julho/1970
(1) Cadarache é um importante centro de estudos nucleares (reactores utilizando plutónio) na margem esquerda do rio Durance, onde também existe uma famosa barragem hidroeléctrica.
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LUZ VERDE PARA A DESTRUIÇÃO(*)
14/Julho/1970 - "Coroada de êxito" - foi como as agências telegráficas consideraram a última explosão H da França, no seu atol da Muroroa ( Oceano Pacífico).
Ninguém tem dúvidas, claro, que foi um êxito e de que os objectivos foram atingidos. Só não se sabe (ou ninguém diz, embora saiba) a que preço e com que consequências, a curto e longo prazo. Só ninguém sabe quanto vai custar ao futuro mais esse êxito estrondoso do presente. No presente tudo certo, ou com aparência disso. Para o futuro, que inquietante interrogação nos leva a formular , uma vez mais, essa força nuclear de que a França oficial tanto se orgulha?
A propósito, lembramos a Conferência de Cadarache (1), convocada há um ano para alertar a humanidade sobre os perigos da poluição radioactiva. Precisamente em França se acendia a luz vermelha, que agora passou novamente a luz verde: não sem alguns protestos dos países vizinhos do Oceano Pacífico. Na referida Conferência de Cadarache sobre a Protecção Contra os Riscos da Poluição Nuclear dos Continentes, acentuava-se que, se nos Estados Unidos, a radioactividade oscila entre os 10 e 12 micro-roentgens, na Europa Ocidental não estamos longe dessa taxa.
Apesar de não existirem polígonos nucleares europeus, o nosso céu carregou-se, mesmo assim, de toda a espécie de poeiras projectadas em profusão pelas diversas explosões experimentais. A estas poeiras "quentes" das explosões, juntaram-se as substâncias radioactivas que libertam forçosamente as inúmeras aplicações industriais, médicas, agrícolas e científicas dos radioisótopo.
Entre a uti1ização bélica da energia atómica e as suas aplicações pacíficas, é difícil a escolha. Entre uma e outra, venha o diabo e escolha.
Só reactores nucleares existem hoje cerca de 500 em todo o mundo, dos quais 102 são "reactores de potência'', quer dizer, reactores que produzem resíduos radioactivos às dezenas de toneladas.
Dentro de 5 anos apenas, existirão mais de 300 centrais nucleares sobre o Globo e estas 300 centrais produzirão 8 vezes mais corrente eléctrica do que o conjunto actual das centrais nucleares de todos os países reunidos. Em 1980 , as centrais nucleares deverão fornecer ainda duas vezes mais corrente eléctrica do que em 1975. Isto significa que, dentro de 10 anos, o átomo estará na origem de quantidades de electricidade que corresponderão, sensivelmente, a 20 vezes a produção actual das centrais atómico-eléctricas.
Como em técnica não há milagres, as centrais nucleares de 1980 acumularão, fatalmente, mais resíduos radioactivos do que as centrais de 1970. Ora eleva-se já a dezenas de milhar de toneladas a quantidade de resíduos radioactivos lançados nos oceanos e mares nos últimos 25 anos.
Em 1968, só no Verão, França, Holanda, Bélgica e Inglaterra lançaram mais de 20.000 toneladas de resíduos radiactivos no Atlântico. Americanos e Russos fazem outro tanto.
Além de que nada nos garante de que os recipientes de betão e aço, nos quais foram encerrados os resíduos das centrais nucleares, não sejam um dia corroídos ou rebentados pelos movimentos dos fundos submarinos - e que, em vez de uma poluição progressiva, se assista então à invasão explosiva da terra por materiais radioactivos.
Sendo estas as perspectivas tão "animadoras" do átomo dito pacífico, não admira que, além de brilhante êxito, se considere a deflagração de mais uma Bomba como um refrescante alívio. A destruição lenta e a longo prazo, talvez seja preferível à outra que mata mais, melhor e mais depressa.
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(*) Publicado no jornal diário «Notícias da Beira” (Moçambique), 14/Julho/1970
(1) Cadarache é um importante centro de estudos nucleares (reactores utilizando plutónio) na margem esquerda do rio Durance, onde também existe uma famosa barragem hidroeléctrica.
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