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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-05-01

TRABALHO 1981

1-4 - bosquet-1-ls-ie-quarta-feira, 18 de Dezembro de 2002-scan

ECOLOGIA E TRABALHO: 15 PONTOS NOS IIS (*)

[1-5-81] - 1 - Com o trabalho assalariado, a que Marx chamou alienação, começou a Escravatura Moderna.

Compreende-se que os ideólogos da sociedade industrial, a Leste e a Oeste, tivessem fechado à chave os manuscritos onde o Marx, na juventude, desenvolveu a sua teoria da alienação humana.

Compreende-se que todos os problemas de fundo defrontados pelos sindicatos - desemprego, salários, inflação, segurança, poluição, doenças profissionais, etc - sejam apenas consequência de uma só causa: a alienação do trabalho assalariado intrínseco à engrenagem industrial.

A palavra «engrenagem» é mais correcta porque o industrialismo envolve apenas uma parcela da totalidade social, condenando ao ostracismo e à marginalidade tudo o que não entra na... engrenagem.

2 - Consequências desta causa são também: o despovoamento dos campos, a substituição do trabalho artesanal, livre e criador, pelo mecânico, o corte das alternativas, etc

3 - «Mão-de-obra», por exemplo, é um conceito da escravatura moderna resultante do assalariado, tal como «desemprego», «emigração, «inflação», «bairro da lata», «proletarização», «subdesenvolvimento», «miséria» e mesmo «poluição».

4 - Arrancar o homem à terra - às raízes - foi a primeira prioridade da Escravatura, ainda em marcha em países como o nosso, rotulados de subdesenvolvidos.

Como demonstrou Josué de Castro, a Fome é a outra face da Indigestão, os Pobres são a outra face dos Ricos, o Subdesenvolvimento é originado pelo Desenvolvimento.

Da mesma forma o Desemprego só existe quando existe Emprego, quer dizer, quando se tornou irreversível para o trabalhador o retorno à terra, à raiz, à banca da actividade artesanal, à sua autosuficiência.

Matar as auto-suficiências (artes e ofícios) foi uma das primeiras «démarches» do imperialismo industrial galopante.

5 - Não se arrancam as raízes de um homem, porém, sem algum esforço por parte da engrenagem triunfante e triunfalista.

Toda a ideologia do trabalho, à esquerda e à direita, tem tido, neste último século e meio, essa gigantesca função de lavar o cérebro às «massas» (outro conceito resultante da Neo-Escravatura).

Campanhas maciças foram assim lançadas em nome do Crescimento, do Progresso, do Desenvolvimento, etc; à decadência das actividades agrícolas e depreciação calculada do preço dos produtos podia seguir-se, com êxito, uma campanha que levasse o agricultor, o rural, a deixar a terra e a procurar a cidade, a indústria.

Mantendo-se o mundo rural numa propositada e obstinada passividade - o tão falado «atraso dos campos», fenómeno deliberado, calculado e programado a computador - automaticamente se promovia a debandada.

Sicco Mansholt, quando era patrão da CEE, lançou um programa (ainda em curso) para arrancar dos campos da Europa pobre (Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Itália) até ao último camponês.

As vorazes cloacas do Império Industrial irão triturá-los.

7 - Vitoriosa esta primeira etapa, e enquanto os «mass media» (cinema incluído) continuavam a pintar o mundo rural de cores abomináveis, já a sociedade pós-industrial consumava a segunda grande etapa da sua  estratégia de Escravatura: Proletarizar o trabalhador que assalariara (alienara) e que agora, pura e simplesmente, atira para o desemprego.

Surgia o proletariado e as ideologias do proletariado, algumas das quais lhe ofereciam, depois da Escravatura, o Poder.

8 - Actualmente as estratégias sindicais não visam romper o cordão umbilical que mantém o trabalhador assalariado (escravo) mas - dizem os cadernos reivindicativos - dourar a jaula, adoçar a pílula.

Os reformistas não retomam a análise radical que Marx fez da Engrenagem (alienação) industrial, análise aliás bem aferrolhada à chave para que os trabalhadores não saibam como libertar-se.

9 - Nos meios de propaganda manipulados pelo imperialismo industrial, que são todos os «mass media», o Desemprego pinta-se de cores apocalípticas e catastróficas.

É preciso que o homem tema o Desemprego. E teme-o especialmente em países como Portugal onde o subsídio é de fome. Teme-o menos nos países ricos onde o desemprego é apenas reforma antecipada, alcatifada, confortável, aquilo a que já chamei a «queda com colchão».

10 - Manter o desemprego como uma queda (calamidade ou catástrofe) e não como uma libertação, é indispensável ao mecanismo explorador, quer dizer, ao Patronato e ao Estado-Patrão. Temendo ficar sem trabalho, quer dizer, sem salário, o operário submete-se a todas as tranquibérnias da exploração empresarial. O medo de ficar sem salário faz com que as alienações do emprego passem a segundo lugar, sejam suportadas com maior resignação. E menores salários, evidentemente.

11 - Em 4 de Dezembro de 1978, Michel Bosquet publicava no semanário «Le Nouvel Observateur» um artigo que, ao levantar todas estas questões, logo soava a heresia.

Bosquet assinara, durante muitos anos, com o nome de André Gorz, livros sobre a estratégia da emancipação operária.

Bosquet fizera-se amigo, discípulo e colaborador de Ivan Illich que traduziu, comentou e divulgou nos meios culturais franceses.

Bosquet realiza a síntese do marxismo original (o tal que os marxistas aferrolham no gavetão) e os novos dados fornecidos pela crise ecológica do Planeta.

Tudo isto o levou à descoberta da pólvora, quer dizer, assalariato igual a escravatura moderna. Proletário nasce do operário, desemprego nasce do emprego, subdesenvolvimento nasce do desenvolvimento, fome nasce da indigestão, etc, nunca a dialéctica se mostrara capaz de fazer tantos estragos.

12 - O último, em data, lançado por Bosquet à cara  da engrenagem industrial era a última e mais refinada invenção dessa mesma engrenagem: a tecnologia dos minicomputadores iria atirar mais alguns milhões para o desemprego.

Sobre esses milhões,  nem uma palavra se ouviu até agora dos sindicatos.

Ideólogos do trabalho fecham olhos, ouvidos e tudo, enquanto Bosquet lança o repto, o desafio, a tese: pode-se produzir mais trabalhando menos, pode satisfazer-se melhor as necessidades com menos produção.

13 - Mas a engrenagem prefere a ruptura calamitosa à transição possível que traria muito menos traumatismos sociais: reduzir horas de trabalho para aumentar postos de trabalho seria o ovo de Colombo, a solução, a saída.

Nenhum governo, partido, aparelho sindical, porém, quer solucionar o desemprego, abrandar as tensões, melhorar a qualidade de vida, por isso nunca a solução óbvia e lapalaciana de reduzir horas de trabalho foi, é, ou será adoptada.

A menos que empregados ou desempregados passem a fazer greve para obter essa reivindicação... De contrário, o sistema continuará a vomitar desempregados, porque é essa a sua lógica e a sua necessidade. Reduzir as horas de trabalho - note-se - era meio caminho andado para fazer a Revolução.

14 - Bosquet e mais dois ou três (entre os quais me incluo) limitam-se a lembrar aos milhões de desempregados que é altura de «quebrarem as grilhetas». «Desempregados de todo o mundo, uni-vos.»

Artesanato, bricolage, má-língua com os vizinhos, passear com os netos, ouvir música, apanhar borboletas, coleccionar selos, realizar pequenos trabalhos domésticos aos vizinhos, etc o trabalho criador espera outra vez o homem que há século e meio foi apanhado na engrenagem do trabalho assalariado.

Quando em Portugal pós-25 de Abril um homem bem intencionado, director do Jornal dos Reformados, propôs um quadro de «procura e oferta» de pequenos empregos, caiu-lhe em cima o Carmo e a Trindade.

Aqui d’El Rei que era a catástrofe, isso iria estragar o jogo interpartidário de manter o mal-estar, o isolamento, a alienação. Quem sabe se não seria o embrião de um partido de Reformados, Desempregados e outros «chutados» pela próspera e tramposa engrenagem.


15 - Por mais que as Neocensuras cortem os artigos de Bosquet, os minicadernos em que o traduzi e comentei, por mais que sobre a liberdade continue a pesar a máquina totalitária da ideologia alienadora, por mais que, a Leste e a Oeste, fechem à chave os manuscritos da Juventude de Karl Marx, é só querer...

«Não alinhados de todo o mundo, uni-vos.»


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(*) Este texto de Afonso Cautela, que continua a merecer 5 estrelas e que deu origem a dois cadernos das edições «Frente Ecológica», foi publicado na revista «Come e Cala», Nº12, 31-7 de 1981. Lembro os títulos dos dois cadernos conexos: «Ecologia e Descanso – Será o Desemprego uma Força Revolucionária?», Nº 5 da colecção 100 Dias (Janeiro, 1980), e «Ecologia Combate Desemprego – As ideias de Michel Bosquet», nº 2 da Colecção 100 Dias (Outubro, 1979). Nesta data do scan, tenciono passar no scan esses dois cadernos, vamos a ver se lá chego.
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