ECOLOGIA 1976
1-7 - 76-04-29-ie-terça-feira, 19 de Novembro de 2002 – scan
29-4-1976
Só há uma maneira de defender este texto , enquanto texto: considerá-lo um rascunho, por vezes ilegível, de um esboço de qualquer coisa de ambicioso e utópico que se queria defender – nem o ano em que foi escrito pode justificar ou perdoar a insistência na terminologia do tempo
Tomando como ponto de análise e reflexão, e como pretexto, um comunicado do Grupo de Lisboa (*) que pretende funcionar de proclamação para o Dia Mundial do Ambiente, deveremos indagar que bode expiatório deve neste momento escolher o militante ecológico. Se há , em muitos grupos anarco-ecológicos, uma tendência para centrar o alvo ou culpado no indivíduo, abstractamente considerado, há quem critique essa posição, quando outros alvos certamente carregam culpas bem mais pesadas.
Se a classe exploradora existe, se existe a tecnocracia e seus sofismas, se existe o capitalismo e o imperialismo na sua desvairada exploração do homem pelo homem, se existem multinacionais e monopólios energéticos, culturais, médicos, económicos, políticos, agrícolas, industriais, etc., se existem indústrias pesadas e super-poluentes, se existem os paranóicos do Nuclear, das Celuloses, da Petroquímica, das barragens gigantescas, se existem poluidores não pagadores, se existem serviços pagos para corromper e degradar o habitat; se existem as grandes internacionais da mentira que são as OMS, as FAO, as OMM, as UNESCO, se existem terrorismo e terroristas da direita; se existe exploração do homem pelo homem,corre-se um sério risco atirando as culpas para o Zé Ninguém que é passiva vítima de todos aqueles algozes.
Muitos militantes da Ecologia sonharam um Nuremberga, um tribunal ecológico - e ele foi uma das propostas aprovadas por unanimidade no II Encontro do MEP, em Março de 1975. Mas nunca terá passado pela ideia a um militante, escolher o Zé Ninguém para vítima a imolar no banco dos réus, esquecendo outros indiscutíveis réus.
Neste momento em que o M.E.P., um ano depois dos estatutos aprovados, procura a sua regulamentação interna e uma certa unidade que consiga vencer inimigos e obstáculos, vamos todos ajudar um bocadinho, fugindo um pouco à tendência grupuscularizante, embora sem ninguém - indivíduo ou grupo - alienar a sua personalidade própria; vamos ajudar a que o M.E.P. em formação e em processo de crescimento, tenha também a sua personalidade própria, antes que o destruam...
Face a tantos que querem submergi-lo, ora no pantanoso ideal-anarquismo, ora no individualismo liberalesco, ora na reacção direitista do conservador e do retrógrado, ora nos enganosos meandros de uma democracia burguesa e pequeno-burguesa, ora num radicalismo de estrema esquerda, igualmente filho-família de trotsquismos traidores, vamos reflectir.
SERÁ O ZÉ NINGUÉM CULPADO DE UM CONDICIONAMENTO PAVLOVIANO ONDE ESTAMOS TODOS ATASCADOS?
Se a cultura ocidental é um processo secular de condicionamento pavloviano;
se a ideologia hoje dominante em camadas da esquerda e da direita é a ideologia da
dominação da Natureza e do antropocentrismo mais ridículo e laplaciano ( além de lapalissiano...)
se todos, até os padres, respeitam Darwin e o seu evolucionismo racista;
se todos acreditam na infalibilidade da ciência dogmática e fazem dela a nova religião, o novo "ópio do povo”;
se o Sistema está bem organizado e enraizada na alma popular a inevitabilidade de lhe render vassalagem;
se essa dependência do Mestre, do Pai, do Progenitor, de Deus, do Ditador, do Partido, do agente da Autoridade se instalou no subconsciente colectivo de modo a vigorar de geração para geração como dado congénito infalível (inscrito no código genético...), quase instintivo;
se todos acreditam na superioridade da cultura europeia sobre as culturas asiáticas, americanas, antárcticas e oceânicas ; passadas, presentes e futuras, terrestres e extra-terrestres; da raça branca sobre as outras raças, da espécie humana sobre os outros mamíferos, do reino orgânico sobre o reino mineral
se a Escola, a Universidade, a Edição, a Publicidade, a Cátedra, e respectivos aparelhos de repressão intelectual, continuam a produzir tratados, livros, epítomes, relatórios, ensaios, teses, segundo a sua ideologia humanista, colonial-racista, paternalista, antropo e europocentrista;
se as novas gerações continuam a ser intoxicadas, desde o berço, desde a escola primária, com os mesmos princípios (muitos deles já tornados inconscientes), do evolucionismo, do positivismo, do experimentalismo, do cientifismo - que são apenas traços da cultura europeia-mediterrânica, e se continuam a acreditar, beatamente, (como qualquer "selvagem” acredita nos próprios mitos) nos mitos da Geometria, da Antropologia, da Biologia, da Matemática, da Estatística, da Economia, da Política, da Arte, do Diabo e mais o tio,
pergunta-se: será o Zé Ninguém culpado?
Será muito fácil que o Movimento Ecológico possa conquistar, rapidamente, muitos adeptos?
Será muito fácil que um militante ecológico o seja de facto, com tudo o que de cultural e ideologicamente subversivo isso significa?
Será muito fácil que o professor e o profissional desta ou daquela especialidade, desta ou daquela ordem estabelecida, desta ou daquela forma de ganha-pão realize autocrítica e verifique a mistificação fundamental em que uma pseudo-ciência o coloca?
Será muito fácil que a consciência ecológica desperte, sem que se verifique, para lá dos pressupostos teóricos, a vivência e a experiência sofrida de uma incompatibilidade visceral, biológica, fundamental do militante com o sistema de valores, com o sistema ideológico, com o sistema metodológico que o rege?
Será fácil, sem um corpo a corpo violento com o sistema, ganhar a serenidade cósmica da verdadeira não-violência?
O SISTEMA DUALISTA NASCEU PODRE
Entre os que se julgam política ou ideologicamente mais avançados, é comum a beatice de adorar princípios do mais primário racionalismo; facilmente esses activistas enrolam o militante na designação abusiva mas estigmatizante de “metafisico"; recusar o fanatismo de um certo racionalismo de via reduzida, repetir a crítica que ao racionalismo, aliás, já foi feita por correntes de cunho existencial, surreal, vitalista - crítica que volta a ser feita pelo realismo fantástico - preconizar alguns princípios subversivos que fizeram a Revolução de Maio de 1968, tudo isso é para esses activistas (muito seguros da sua querida ciência, da sua sofística, da sua tecnocracia, da sua tecnologia hiperpoluente, da sua medicina , da sua pavloviana educação, da sua cultura catedrática e elitista, da sua indústria pesada, da sua paranoia desenvolvimentista, da sua alienação e da sua sarcástica obediência à ordem), cair em pecado de irracionalismo, etc. etc.
Esta divisão entre virtuosos (progressistas, adeptos da ciência estabelecida, activistas de um olho só) e “pecadores” (os que superaram a metafísica crónica do dualismo, o irracionalismo crónico das teorias racionalistas, o idealismo crónico dos materialismos não dialécticos , etc.), eis um dos pontos a decidir pelo ecomilitante no despertar da sua eco-consciência.
O que a consciência cósmica ou ecológica rejeita, a priori, é a divisão da realidade em espírito e matéria, em primitiva e civilizada, em antiga e moderna, em atrasada e evoluída, em desenvolvida e subdesenvolvida, em virtuosa e pecadora, etc
São todos estes sistemas de valores que à luz da subversão ecológica se encontram podres. Mas totalmente podres, como é sensível pelo mau cheiro e pelo mau aspecto do pequenino globo terráqueo onde temos pocilga comum.
Enquanto o militante não o sentir - tal como o sentiu Ulianov Lenine, esse camarada dos homens - com angústia, com experiência, no quotidiano dos gestos e das palavras mais simples, estará longe.
Claro que ele constitui uma elite. Claro que Lenine e Marx constituiram uma elite. Mas note-se que o conceito de elite ou minoria é ainda um tipo de segregação que o mesmo podre sistema do valores pré-impõe.
Claro que o ecomilitante constitui minoria. E a função subversiva de uma ideia ou de uma ideologia não pode ser percebida ou concebida inicialmente por maiorias.
Por definição, a consciência - ecopolítica ou de classe – nasce no indivíduo; é minoritária.
QUANDO O ZÉ NINGUÉM ACORDA - DESPERTAR DOS MÁGICOS E DO ECOMILITANTE
O que distingue um ecomilitante das suas imitações é, portanto, a função subversiva que nele assume a "Ecologia".
Já vimos como esta disciplina "científica" pode ser anexada pelos partidos da Direita
Já vimos como raramente é recuperada a tempo pelos partidos de esquerda.
Falta acentuar de que modo o sistema e a sociedade de consumo, ao sentirem ameaçados pela função subversiva da ecologia a sua ordem e a sua prepotência sobre o cidadão, se apressam a criar também uma ecologia à sua maneira:
a) Aparece então a ecologia assimilada a naturalismo romântico, a uma visão idílica da Natureza, a uma epidérmica moral maternal-proteccionista, em que o homem continua a ser o rei e senhor da Criação, só com a diferença que, em vez de caçar, pescar, pilhar, assassinar e destruir com o maior à vontade, cria uma superestrutura ideológica favorável à delicada protecção da «bela Natureza que nos rodeia”.
Há quem confunda ecologia com este naturalismo romântico, forma larvar de maternal-paternalismo que nada tem a ver com a consciência ecológica e respectiva destruição das ridículas pretensões humanistas ou evolucionistas.
b) Chega a hora, depois, de a Geografia Humana vir dizer que estuda há muito a "Ecologia dos povos” e que essa antropologia paralela é afinal a Ecologia Humana arrumadinha na prateleira que lhe cabe no quadro das "ciências organizadas".
Trata-se de outro equívoco, pois a Ecologia Humana não atinge nem esgota a Ecologia Política ou, mais correctamente, a Ecopolítica.
c) Chega a hora, entretanto, em que o escutista se reclama da Ecologia, bem como o biólogo, o geógrafo, o filósofo da história, o antropologista cultural, o engenheiro sanitário, o técnico da antipoluição, o político do ambiente, o urbanista, o arquitecto paisagista , o silvicultor, o zoólogo, o botânico, etc.
Todos eles, porém, têm em comum: esquecer, omitir, ignorar ou descartar a função subversiva da ecologia, a sua função de metodologia crítica não só à sociedade de consumo, não só à civilização do lixo e do desperdício, não só ao sistema do biocídio e do etnocídio, não só à sofística e à tecnocracia, mas também ao racionalismo, ao positivismo, ao materialismo não dialéctico, ao dualismo, ao cientifismo, e a todos os antecedentes ou consequentes.
Basta, aliás, aprofundar um pouco os fundamentos teóricos da rebelião ecológica, para se verificar de que maneira «reage» qualquer daqueles técnicos, às propostas que, através dos tempos, significaram a linha ecológica do pensamento humano, na contra-ofensiva à linha biocida e homicida dos vários sistema anti-ecológicos ;
basta lembrar de que modo aqueles técnicos assimilaram, dentro da cultura ocidental, o surrealismo, o existencialismo, a experiência mágica, mística, alquímica, enfim, as tendência anarcopacifistas e anarco-convivialistas que nunca deixaram de se verificar sob a tirania racionalista ou pseudo-racionalista; para a aurora da consciência ecológica, prefácio de um Mundo Novo a construir, é inevitável a passagem pelo diabolismo criador da imaginação e da contestação crítica que aquelas contra-correntes em oposição da corrente oficial representam; mas é também indispensável a passagem pela experiência de outras culturas estrangeiras à órbita ocidental: a experiência ioga, taoísta, zen, por exemplo, são experiências indispensáveis ao despertar de uma eco-consciência , na função subversiva que lhe temos vindo aqui a definir.
Tudo o mais, são formas mais ou menos auto-satisfeitas, mais ou menos espertas, mais ou menos oportunistas de estar com o sistema e trabalhar para a Merda, dizendo embora que não.
O ZÉ NINGUÉM EM PÉ DE IGUALDADE COM TUDO QUANTO EXISTE
O despertar da consciência ecológica e, com ela, o nascer do ecomilitante, não é um fenómeno tão comum como pode parecer, vendo a inflação sofrida pelos temas ditos ecológicos e sua apropriação pelos donos do sistema: programas de Ambiente nas escolas, técnicos do Ambiente nas autarquias, ciências do Ambiente na Universidade, políticos do Ambiente nos governos e nos hemiciclos, etc - se não houver consciência ecológica, tudo isso é apenas a continuação e perpetuação do sistema com tudo o que ele carrega e comporta de anti-ecológico; ou seja, o seu incurável europocentrismo; o seu incurável humanismo, ora ateu ora teológico; o seu incurável vício de dominar, violentar, explorar a Natureza, etc.
Consciência ecológica nasce quando o neófito ou iniciado verifica o chavascal do sistema que se baseias nesses três princípios de toda a violências nazi-fasacista; quando experimenta o nojo dessa abjecção e vai até ao extremo do niilismo que inevitavelmente essa abjecção produz em qualquer homem sadio de espírito; quando faz da ecologia a única alternativa para esse niilismo e para o suicídio. Consciência ecológica é o esforço que o iniciado faz:
1º - para se desintoxicar de todos os princípios de humanismo, moralismo, cientifismo, paternalismo;
2º - para se reintegrar e sentir reintegrado na ordem natural, ao lado da baleia, da árvore, da lagoa, da floresta, do rio, da montanha, do sol, da água, do ar, do micróbio, da bactéria patogénica, do lobo, do lince, como um ser igual a ele, em pé de igualdade com eles, falando com eles a linguagem universal que é a linguagem ecológica .
(Está por declarar esta Carta dos Direitos da Natureza, na única perspectiva correcta, não paternalista, nem racista, nem reformista em que ela pode ser estabelecida. ).
(6/Abril/1976)
«Em numerosos países, os serviços públicos relacionados com a alimentação e a nutrição dependem dos respectivos departamentos de agricultura ou encontram-se em ligação mais ou menos directa com eles. A posição relativa dos serviços agrícolas oficiais na resolução dos problemas alimentares tem grande importância, condicionando a possibilidade dos técnicos agrários trabalharem intensamente neste importantíssimo sector, ao mesmo tempo que facilita a acção consultiva de organizações internacionais como a F. A. O. ou a O. M. S., as quais, como é sabido, viram na vigência da ditadura, a sua vastíssima e imensamente útil actividade cerceada entre nós; ou, na melhor das hipóteses, reduzida a um acervo de exercícios de carácter mais ou menos académico, pouco eficazes para melhorar os padrões alimentares das populações menos favorecidas.»
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29-4-1976
Só há uma maneira de defender este texto , enquanto texto: considerá-lo um rascunho, por vezes ilegível, de um esboço de qualquer coisa de ambicioso e utópico que se queria defender – nem o ano em que foi escrito pode justificar ou perdoar a insistência na terminologia do tempo
Tomando como ponto de análise e reflexão, e como pretexto, um comunicado do Grupo de Lisboa (*) que pretende funcionar de proclamação para o Dia Mundial do Ambiente, deveremos indagar que bode expiatório deve neste momento escolher o militante ecológico. Se há , em muitos grupos anarco-ecológicos, uma tendência para centrar o alvo ou culpado no indivíduo, abstractamente considerado, há quem critique essa posição, quando outros alvos certamente carregam culpas bem mais pesadas.
Se a classe exploradora existe, se existe a tecnocracia e seus sofismas, se existe o capitalismo e o imperialismo na sua desvairada exploração do homem pelo homem, se existem multinacionais e monopólios energéticos, culturais, médicos, económicos, políticos, agrícolas, industriais, etc., se existem indústrias pesadas e super-poluentes, se existem os paranóicos do Nuclear, das Celuloses, da Petroquímica, das barragens gigantescas, se existem poluidores não pagadores, se existem serviços pagos para corromper e degradar o habitat; se existem as grandes internacionais da mentira que são as OMS, as FAO, as OMM, as UNESCO, se existem terrorismo e terroristas da direita; se existe exploração do homem pelo homem,corre-se um sério risco atirando as culpas para o Zé Ninguém que é passiva vítima de todos aqueles algozes.
Muitos militantes da Ecologia sonharam um Nuremberga, um tribunal ecológico - e ele foi uma das propostas aprovadas por unanimidade no II Encontro do MEP, em Março de 1975. Mas nunca terá passado pela ideia a um militante, escolher o Zé Ninguém para vítima a imolar no banco dos réus, esquecendo outros indiscutíveis réus.
Neste momento em que o M.E.P., um ano depois dos estatutos aprovados, procura a sua regulamentação interna e uma certa unidade que consiga vencer inimigos e obstáculos, vamos todos ajudar um bocadinho, fugindo um pouco à tendência grupuscularizante, embora sem ninguém - indivíduo ou grupo - alienar a sua personalidade própria; vamos ajudar a que o M.E.P. em formação e em processo de crescimento, tenha também a sua personalidade própria, antes que o destruam...
Face a tantos que querem submergi-lo, ora no pantanoso ideal-anarquismo, ora no individualismo liberalesco, ora na reacção direitista do conservador e do retrógrado, ora nos enganosos meandros de uma democracia burguesa e pequeno-burguesa, ora num radicalismo de estrema esquerda, igualmente filho-família de trotsquismos traidores, vamos reflectir.
SERÁ O ZÉ NINGUÉM CULPADO DE UM CONDICIONAMENTO PAVLOVIANO ONDE ESTAMOS TODOS ATASCADOS?
Se a cultura ocidental é um processo secular de condicionamento pavloviano;
se a ideologia hoje dominante em camadas da esquerda e da direita é a ideologia da
dominação da Natureza e do antropocentrismo mais ridículo e laplaciano ( além de lapalissiano...)
se todos, até os padres, respeitam Darwin e o seu evolucionismo racista;
se todos acreditam na infalibilidade da ciência dogmática e fazem dela a nova religião, o novo "ópio do povo”;
se o Sistema está bem organizado e enraizada na alma popular a inevitabilidade de lhe render vassalagem;
se essa dependência do Mestre, do Pai, do Progenitor, de Deus, do Ditador, do Partido, do agente da Autoridade se instalou no subconsciente colectivo de modo a vigorar de geração para geração como dado congénito infalível (inscrito no código genético...), quase instintivo;
se todos acreditam na superioridade da cultura europeia sobre as culturas asiáticas, americanas, antárcticas e oceânicas ; passadas, presentes e futuras, terrestres e extra-terrestres; da raça branca sobre as outras raças, da espécie humana sobre os outros mamíferos, do reino orgânico sobre o reino mineral
se a Escola, a Universidade, a Edição, a Publicidade, a Cátedra, e respectivos aparelhos de repressão intelectual, continuam a produzir tratados, livros, epítomes, relatórios, ensaios, teses, segundo a sua ideologia humanista, colonial-racista, paternalista, antropo e europocentrista;
se as novas gerações continuam a ser intoxicadas, desde o berço, desde a escola primária, com os mesmos princípios (muitos deles já tornados inconscientes), do evolucionismo, do positivismo, do experimentalismo, do cientifismo - que são apenas traços da cultura europeia-mediterrânica, e se continuam a acreditar, beatamente, (como qualquer "selvagem” acredita nos próprios mitos) nos mitos da Geometria, da Antropologia, da Biologia, da Matemática, da Estatística, da Economia, da Política, da Arte, do Diabo e mais o tio,
pergunta-se: será o Zé Ninguém culpado?
Será muito fácil que o Movimento Ecológico possa conquistar, rapidamente, muitos adeptos?
Será muito fácil que um militante ecológico o seja de facto, com tudo o que de cultural e ideologicamente subversivo isso significa?
Será muito fácil que o professor e o profissional desta ou daquela especialidade, desta ou daquela ordem estabelecida, desta ou daquela forma de ganha-pão realize autocrítica e verifique a mistificação fundamental em que uma pseudo-ciência o coloca?
Será muito fácil que a consciência ecológica desperte, sem que se verifique, para lá dos pressupostos teóricos, a vivência e a experiência sofrida de uma incompatibilidade visceral, biológica, fundamental do militante com o sistema de valores, com o sistema ideológico, com o sistema metodológico que o rege?
Será fácil, sem um corpo a corpo violento com o sistema, ganhar a serenidade cósmica da verdadeira não-violência?
O SISTEMA DUALISTA NASCEU PODRE
Entre os que se julgam política ou ideologicamente mais avançados, é comum a beatice de adorar princípios do mais primário racionalismo; facilmente esses activistas enrolam o militante na designação abusiva mas estigmatizante de “metafisico"; recusar o fanatismo de um certo racionalismo de via reduzida, repetir a crítica que ao racionalismo, aliás, já foi feita por correntes de cunho existencial, surreal, vitalista - crítica que volta a ser feita pelo realismo fantástico - preconizar alguns princípios subversivos que fizeram a Revolução de Maio de 1968, tudo isso é para esses activistas (muito seguros da sua querida ciência, da sua sofística, da sua tecnocracia, da sua tecnologia hiperpoluente, da sua medicina , da sua pavloviana educação, da sua cultura catedrática e elitista, da sua indústria pesada, da sua paranoia desenvolvimentista, da sua alienação e da sua sarcástica obediência à ordem), cair em pecado de irracionalismo, etc. etc.
Esta divisão entre virtuosos (progressistas, adeptos da ciência estabelecida, activistas de um olho só) e “pecadores” (os que superaram a metafísica crónica do dualismo, o irracionalismo crónico das teorias racionalistas, o idealismo crónico dos materialismos não dialécticos , etc.), eis um dos pontos a decidir pelo ecomilitante no despertar da sua eco-consciência.
O que a consciência cósmica ou ecológica rejeita, a priori, é a divisão da realidade em espírito e matéria, em primitiva e civilizada, em antiga e moderna, em atrasada e evoluída, em desenvolvida e subdesenvolvida, em virtuosa e pecadora, etc
São todos estes sistemas de valores que à luz da subversão ecológica se encontram podres. Mas totalmente podres, como é sensível pelo mau cheiro e pelo mau aspecto do pequenino globo terráqueo onde temos pocilga comum.
Enquanto o militante não o sentir - tal como o sentiu Ulianov Lenine, esse camarada dos homens - com angústia, com experiência, no quotidiano dos gestos e das palavras mais simples, estará longe.
Claro que ele constitui uma elite. Claro que Lenine e Marx constituiram uma elite. Mas note-se que o conceito de elite ou minoria é ainda um tipo de segregação que o mesmo podre sistema do valores pré-impõe.
Claro que o ecomilitante constitui minoria. E a função subversiva de uma ideia ou de uma ideologia não pode ser percebida ou concebida inicialmente por maiorias.
Por definição, a consciência - ecopolítica ou de classe – nasce no indivíduo; é minoritária.
QUANDO O ZÉ NINGUÉM ACORDA - DESPERTAR DOS MÁGICOS E DO ECOMILITANTE
O que distingue um ecomilitante das suas imitações é, portanto, a função subversiva que nele assume a "Ecologia".
Já vimos como esta disciplina "científica" pode ser anexada pelos partidos da Direita
Já vimos como raramente é recuperada a tempo pelos partidos de esquerda.
Falta acentuar de que modo o sistema e a sociedade de consumo, ao sentirem ameaçados pela função subversiva da ecologia a sua ordem e a sua prepotência sobre o cidadão, se apressam a criar também uma ecologia à sua maneira:
a) Aparece então a ecologia assimilada a naturalismo romântico, a uma visão idílica da Natureza, a uma epidérmica moral maternal-proteccionista, em que o homem continua a ser o rei e senhor da Criação, só com a diferença que, em vez de caçar, pescar, pilhar, assassinar e destruir com o maior à vontade, cria uma superestrutura ideológica favorável à delicada protecção da «bela Natureza que nos rodeia”.
Há quem confunda ecologia com este naturalismo romântico, forma larvar de maternal-paternalismo que nada tem a ver com a consciência ecológica e respectiva destruição das ridículas pretensões humanistas ou evolucionistas.
b) Chega a hora, depois, de a Geografia Humana vir dizer que estuda há muito a "Ecologia dos povos” e que essa antropologia paralela é afinal a Ecologia Humana arrumadinha na prateleira que lhe cabe no quadro das "ciências organizadas".
Trata-se de outro equívoco, pois a Ecologia Humana não atinge nem esgota a Ecologia Política ou, mais correctamente, a Ecopolítica.
c) Chega a hora, entretanto, em que o escutista se reclama da Ecologia, bem como o biólogo, o geógrafo, o filósofo da história, o antropologista cultural, o engenheiro sanitário, o técnico da antipoluição, o político do ambiente, o urbanista, o arquitecto paisagista , o silvicultor, o zoólogo, o botânico, etc.
Todos eles, porém, têm em comum: esquecer, omitir, ignorar ou descartar a função subversiva da ecologia, a sua função de metodologia crítica não só à sociedade de consumo, não só à civilização do lixo e do desperdício, não só ao sistema do biocídio e do etnocídio, não só à sofística e à tecnocracia, mas também ao racionalismo, ao positivismo, ao materialismo não dialéctico, ao dualismo, ao cientifismo, e a todos os antecedentes ou consequentes.
Basta, aliás, aprofundar um pouco os fundamentos teóricos da rebelião ecológica, para se verificar de que maneira «reage» qualquer daqueles técnicos, às propostas que, através dos tempos, significaram a linha ecológica do pensamento humano, na contra-ofensiva à linha biocida e homicida dos vários sistema anti-ecológicos ;
basta lembrar de que modo aqueles técnicos assimilaram, dentro da cultura ocidental, o surrealismo, o existencialismo, a experiência mágica, mística, alquímica, enfim, as tendência anarcopacifistas e anarco-convivialistas que nunca deixaram de se verificar sob a tirania racionalista ou pseudo-racionalista; para a aurora da consciência ecológica, prefácio de um Mundo Novo a construir, é inevitável a passagem pelo diabolismo criador da imaginação e da contestação crítica que aquelas contra-correntes em oposição da corrente oficial representam; mas é também indispensável a passagem pela experiência de outras culturas estrangeiras à órbita ocidental: a experiência ioga, taoísta, zen, por exemplo, são experiências indispensáveis ao despertar de uma eco-consciência , na função subversiva que lhe temos vindo aqui a definir.
Tudo o mais, são formas mais ou menos auto-satisfeitas, mais ou menos espertas, mais ou menos oportunistas de estar com o sistema e trabalhar para a Merda, dizendo embora que não.
O ZÉ NINGUÉM EM PÉ DE IGUALDADE COM TUDO QUANTO EXISTE
O despertar da consciência ecológica e, com ela, o nascer do ecomilitante, não é um fenómeno tão comum como pode parecer, vendo a inflação sofrida pelos temas ditos ecológicos e sua apropriação pelos donos do sistema: programas de Ambiente nas escolas, técnicos do Ambiente nas autarquias, ciências do Ambiente na Universidade, políticos do Ambiente nos governos e nos hemiciclos, etc - se não houver consciência ecológica, tudo isso é apenas a continuação e perpetuação do sistema com tudo o que ele carrega e comporta de anti-ecológico; ou seja, o seu incurável europocentrismo; o seu incurável humanismo, ora ateu ora teológico; o seu incurável vício de dominar, violentar, explorar a Natureza, etc.
Consciência ecológica nasce quando o neófito ou iniciado verifica o chavascal do sistema que se baseias nesses três princípios de toda a violências nazi-fasacista; quando experimenta o nojo dessa abjecção e vai até ao extremo do niilismo que inevitavelmente essa abjecção produz em qualquer homem sadio de espírito; quando faz da ecologia a única alternativa para esse niilismo e para o suicídio. Consciência ecológica é o esforço que o iniciado faz:
1º - para se desintoxicar de todos os princípios de humanismo, moralismo, cientifismo, paternalismo;
2º - para se reintegrar e sentir reintegrado na ordem natural, ao lado da baleia, da árvore, da lagoa, da floresta, do rio, da montanha, do sol, da água, do ar, do micróbio, da bactéria patogénica, do lobo, do lince, como um ser igual a ele, em pé de igualdade com eles, falando com eles a linguagem universal que é a linguagem ecológica .
(Está por declarar esta Carta dos Direitos da Natureza, na única perspectiva correcta, não paternalista, nem racista, nem reformista em que ela pode ser estabelecida. ).
(6/Abril/1976)
«Em numerosos países, os serviços públicos relacionados com a alimentação e a nutrição dependem dos respectivos departamentos de agricultura ou encontram-se em ligação mais ou menos directa com eles. A posição relativa dos serviços agrícolas oficiais na resolução dos problemas alimentares tem grande importância, condicionando a possibilidade dos técnicos agrários trabalharem intensamente neste importantíssimo sector, ao mesmo tempo que facilita a acção consultiva de organizações internacionais como a F. A. O. ou a O. M. S., as quais, como é sabido, viram na vigência da ditadura, a sua vastíssima e imensamente útil actividade cerceada entre nós; ou, na melhor das hipóteses, reduzida a um acervo de exercícios de carácter mais ou menos académico, pouco eficazes para melhorar os padrões alimentares das populações menos favorecidas.»
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