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2006-04-19

TRABALHO 1991

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NÃO SEI PORQUE SE ADMIRAM TANTO

[19-4-1991]

Não sei porque se admiram tanto, os senhores jornalistas, quando o número de mortos na construção civil ainda está bem longe dos mínimos exigidos pela CEE e, antes desta, pela OCDE.
Afinal o que são 40 trabalhadores mortos num ano, na maioria caboverdianos e/ ou vindos da periferia. Não é para isso que existem, cristãmente existem, democraticamente existem as periferias?
Que significado têm 40 vidas miseráveis, que bem podiam ter morrido de fome ou inanição ou à facada em bairro pobre, se a Indústria da Construção Civil, agora próspera, os não chamasse ao seu seio, os não acolhesse, os não beijasse na boca e não lhes desse a mão?
Trabalham às escuras na CGD? Mas porque raio haviam de trabalhar iluminados? Seria porventura rentável gastarem mais velas e ter uma melhor iluminação, ao preço a que está a Electricidade de Portugal»?
O trabalhador civil -- saibam disto os senhores jornalistas -- trabalha muito melhor às escuras, como já demonstraram vários investigadores da Universidade de Telavive: além disso, o trabalhador não conta na contabilidade das grandes empresas, traduzido em termos de cifrão e dólares per capita bem pode figurar nas «verbas indiscriminadas» ao lado da publicidade ou dos almoços de representação.
A Fiscalização do Trabalho também tem mais que fazer do que fiscalizar e, além disso, fiscalizar é uma coisa e fiscalizar o trabalho é outra, nada tem a ver com Higiene e Segurança, que estão em outro departamento, e as companhias de Seguros não existem para perder dinheiro, antes pelo contrário. De resto, como conseguiriam erguer os arranha-céus das suas sedes sem esta poupança-crédito à habitação?
O trabalhador é um acidente nos planos nacionais, nas metas europeias, nos ideais de progresso, civilização e bem-estar, nas grandes operações de construção de envergadura multinacional.
Preocuparam-se, por exemplo, os franceses e ingleses com as dezenas de trabalhadores que regaram, com o seu sangue, o Grande e ecuménico Canal da Mancha, orgulho do progresso e um dos maiores empreendimentos que, depois das pirâmides, foram erguidos, não à estupidez humana mas em honra da raça humana, só comparável aos bunkers subterrâneoas de Saddam, onde, aliás e de certeza, morreram muitos mais trabalhadores, fóra os trocos. O senhor jornalista tem que perder o feio hábito de dizer mal.
Aliás, só por uma imensa falta de assunto se pode compreender que o Telejornal da RTP abordasse tema tão insignificante, dando-lhe uma dimensão irrealista e desproporcionada, hipertrofiada e peripatética que, na verdade, o caso não tem.
Fait-divers de uma qualquer robusta economia de mercado, a morte de trabalhadores vivifica o sangue da nação e dinamiza a alma da raça, deve ser encarado como dádiva sem fim, ainda que modesta, e simbólica ao país.
Se não houvesse progresso, se não houvesse caixas gerais, se não houvesse montepios, se não houvesse padres franciscanos e pias intenções, se não houvesse trabalho -- quem havia de morrer pela Pátria, não me dizem? Os militares? E como achariam os jornais manchetes de 1ª página se não encontrassem ossos de trabalhadores da construção civil para roer? E como conseguiriam animar a concorrência?
Não só os trabalhadores precisam de quem lhes dê a mão de obra e de morrer para dar o subsídio de morte às famílias enlutadas como precisam de deixar o lugar a outros que se equilibrem melhor em cima dos andaimes.
Isso significa mesmo o índice de progresso mais seguro, segundo as directivas emanadas da OCDE, da OIT, da Confederação Internacional do Trabalho, 30 trabalhadores mortos por mês já é uma boa percentagem, uma boa média europeia, mas se quisermos ir às Olimpíadas de Barcelona, em 1993, ao Mercado Único em 1992, à Expo Automóvel 1999, à exposição Universal de 1996, à exposição de Sevilha,[---], é natural que governos e responsáveis máximos da economia providenciem no sentido de que essas taxas não nos envergonhem e sejam natural e substancialmente melhoradas, conforme mandam as regras comunitárias e as confederações patronais.
Não temos um Canal da Mancha mas temos um Monstro de Belém. Não temos o transsiberiano mas vamos ter o gazoduto Norte-Sul, ou Sul-Norte, conforme a perspectiva por onde for enfiado o supositório: por baixo ou por cima.
Não temos petroleiros Valdez em espasmos de crude pelas nossas costas e praias mas vamos arranjando alguns valdezes de segunda para ficarmos a par do melhor que se fabrica lá fora e para chingar o negócio turístico ao Funchal, cuja prosperidade andava a fazer sombra aos empresários hoteleiros algarvios, que são ingleses.
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