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2006-01-17

CPT 1979

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PETRÓLEO:A MORTE EM SEGURANÇA(*)


[17-1-1979] - «Portugal descobrirá petróleo nas suas (largas) costas» - aí está uma previsão dos astrólogos para 1979. Nem tudo é austeridade e o esforço de off-shore e on-shore, desenvolvido por várias empresas nas nossas barbas continentais, será finalmente recompensado.
Extrair petróleo das profundezas é mexer nas camadas telúricas que mantêm a frágil crosta terrestre em equilíbrio. É um dos motivos (não o único, mas importante) que determina a crescente actividade sísmica da algumas zonas do globo mais sensíveis. As regiões limítrofes do golfo Pérsico, em especial o martiriado Irão, são um explícito exemplo dessa relação entre exploração petrolífera e desequilíbrios geoterrestres. Extrair petróleo das profundezas é ainda correr riscos de explosão e derrame incalculáveis. E imprevisíveis.
Mas não é disto que se trata hoje.
A hora é de júbilo e exaltação patriótica: o petróleo está na iminência de nos aparecer pelas costas, e quando o petróleo jorra, tudo esquece. Iremos ser uma ilha rodeada de petróleo a ocidente e radioactividade a oriente (Espanha disso se está encarregando) mas não é tudo: com as refinarias de Sines e Leixões, mas também a de Cabo Ruivo, que não desiste, o movimento de petroleiros gigantes, e não só, irá animar muito o nosso desanimado litoral.
O pouco peixe que há, mais lépido se irá daqui, pelo que já visiono a pescada a 800$00 o quilo. E nem só. Mas para quem vai gozar as riquezas do petróleo, que raio de diferença faz a pescada? E nem só: tem direito ao cheiro do dito, como já acontece com os derrames ocasionais e furtivos dos últimos dias.
O fim do ano da 1978 ficou assinalado por diversos cargueiros em aflição: o Andros Patria veio derramar nafta até o Conselho de Ministros dizer basta, e num porto da Dinamarca por um tris que não foram os depósitos todos ao ar com a explosão do francês «Betel-Gense», da Total Oil Group.
Foram devorados pelos tubarões 31 marinheiros do naufrágio do liberiano «Master Michell», no mar das Caraíbas (6 de Janeiro de 1979).
Há menos de um ano, com o «Amoco Cadiz», da Shell, na costa da Bretanha, foi o maior derrame em toneladas de nafta entre os 190 derrames por acidente verificados, em dez anos, desde o «Torrey Canion».
Em poucos dias, ficou demonstrada a tese de tantos economistas: a indústria petrolífera é quase tão segura como a nuclear, o que não evita, evidentemente, um desastre de vez em quando, devido ao mau tempo ou a qualquer outra malvadez da malvada Natureza.
Sobre o que vai ser a rede de oleodutos rabiando por todo o cemitério português a partir do terminal oceânico de Sines - terminal que o Atlântico nunca mais deixa terminar...- ainda não há notícias claras mas é evidente que será outro progresso enorme da nossa pátria, até agora tão desprovida de oleodutos. Não me admira que também nisso a gente venha a bater recordes: Alqueva já é-foi-será o maior lago artificial da Europa, Sines a maior refinaria.
Todos quantos comandam o nosso crescimento acelerado velam porque não nos deixemos ficar na cauda. Muito na cauda cansa. Passemos à vanguarda. Ainda havemos de ter muitos «Andros Paula» nossos, coxeando e a deitar petróleo, mas nossos.
A bola de fogo de Los Alfaques -500 mortos irreconhecíveis - foi um azar do propileno que aqueceu demais. Quem podia imaginar uma dessas, em pleno Agosto tórrido da Costa Brava? Foi um azar. Um acidente. Um incidente. Um (im)previsto. Pode suceder mas não significa que suceda. Viu-se.
Petroleiros também não ardem todos os dias nem é isso que iria empanar a alegria de termos petróleo no Algarve e na Figueira. Perdíamos turistas mas ganhávamos ramas. Bastou um mar tempestuoso para provocar em duas semanas um rol de acidentes. Mas nem todos os dias há mar tempestuoso e por cada cargueiro acidentado, o armador deve receber uma bem reconfortante soma do seguro. Se lhe tomam o gosto, de acidentas acidentais passamos a ter acidentes fabricados para melhor glória e fortuna dos armadoras sem pátria dos petroleiros. O Diabo tece-as. E Deus, pelos vistos, dorme.
Garantido nos tem sido, pelos engenheiros da EDP e nem só, que a indústria nuclear consegue ser a mais segura de todas.
Uma novidade aparece já em 1979: pela primeira vez na história do nuclear, é transportado, em cargueiro, combustível irradiado do Japão para a central de La Hague, ao norte de França.
«Pacific Fisher» é o seu lindo nome e Cherbourg o porto onde aliviou tão preciosa carga. O «Pacific Fisher» atravessou meio mundo e veio descarregar na Europa as 60 toneladas de urânio irradiado. Tudo na maior segurança e tudo para maior glória de Deus. O governo francês já mandou abrir uma estrada de ferro de Cherbourg a La Hague onde as stockagens de combustível irradiado são um super-problema de segurança. Toneladas de material irradiado ali serão armazenadas, concentradas. Com calma, porque não há-de ser nada e ainda agora a festa começou.
Agoireiros são os ecologistas que estão sempre a prever o pior. Os técnicos de segurança asseguram que um acidente é um acidente e, portanto, contingente, ocasional, acaso, azar. Contratos fabulosos dão ao Governo francês fabulosos lucros. Que importa a segurança, quando há lucros?
La Hague é o Vietnam dos anos 80: que importa, se é negócio?
Todos somos La Hague. A nossa pobre sorte joga-se aí e nem só. Tudo é seguro, mas não está fora do cálculo das probabilidades que o cargueiro com combustível irradiado se possa partir. Tal como se têm partido.
Em terra, oleodutos, camiões-cisternas, containers, armazéns de stocks». No mar, petroleiros o cargueiros.
Falta só que o petróleo passa a ser fretado nos supersónicos Concorde e Tupolev. Mas do ar aos trambolhões a última novidade em segurança absoluta (já noticiada largamente em .A Capital», 5 Janeiro 1979) é a que nos irá vindo dos 5000 satélites em desórbita, 20 dos quais são reactores nucleares (graças s Deus) e um dos quais (graças a Marx) já caiu no Canadá.
Tudo na maior segurança - garantem os técnicos do crescimento infinito rumo às galáxias...: eles dominam e controlam o processo até onde, evidentemente, deixam de o controlar.
Nos casos apontados, foi isso. Perderam o controlo. Nessa altura falam de azar, acidente, aqui d'el-rei, tantos mortos a feridos, é o preço a pagar pelo progresso. OK, etc. Indemnizações às vítimas já é numa oitava abaixo, e mal se ouve.
Petróleo em liberdade, a morte em segurança...
Ga-ran-ti-do.

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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com este título, no jornal «A Capital», 17-1-1979
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