ORDER BOOK

*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-01-15

LISTA NEGRA 1979

79-01-16-dioxina-1-na=notícias do apocalipse

CLORO A TODAS AS REFEIÇÕES(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Jornal de Notícias» (Porto)( 16/1/1979) e no jornal «A Capital» (Lisboa)(20/1/1979)

20/1/1979 - A dioxina em Seveso há dois anos (Agosto 1976), o propileno ainda não há um ano em Los Alfaques (Tarragona), o ácido nítrico há dias no Rio Paraná, (10.11.78), o mercúrio industrial há 15 anos em Minamata e há dois anos no Rio Grande do Sul, as 164,6 toneladas de pesticidas em 1977 também no Atlântico Sul, o petróleo nos mares todos os dias, ora nas costas inglesas, ora nas costas bretã, galega e portuguesa, são apenas alguns casos, acidentes ou sinais de uma "lista negra" que não pára, que dia a dia cresce e se agrava, que tende a ser rotina em vez de acaso e que de acidental se arrisca a ser sistemática, "lista negra" em que se insere agora o desastre com a nuvem de cloro, após explosão, na fábrica Sonitecna de Estarreja.
No dia anterior, aliás, só por um triz não houvera mesmo no centro da vila uma tragédia: o choque de um camião cisterna com ramas de petróleo e uma camioneta de vinho.

1 - Sinal, sintoma, aviso, alarme ou "grito", este e outros factos (que já fazem bicha) deveria servir, ao menos, para nos ensinar alguma coisa. O menos que se pode fazer (além de cuidar dos vivos e enterrar os mortos) sempre que uma destas agora rotineiras tragédias acontece, é tirar a respectiva e necessária lição. Sejamos didácticos, saibamos o Mundo em que estamos e, principalmente, o mundo que os tecnocratas do crescimento económico nos preparam.
Tragédia maior, no entanto, é que ninguém tira lição nenhuma, desta e doutras, tudo volta à mesma, os riscos aumentam em número e gravidade, a segurança das populações é um mito, camiões, petroleiros, fábricas, cargueiros continuam a sua ronda de veneno, morte, destruição, terror.
Afinal temos ou não temos o petróleo (ontem), o cloro (hoje) e a radioactividade (amanhã) que merecemos?
O transporte de matérias perigosas é para nosso bem. E para confeccionar produtos, objectos, coisas lindíssimas que a gente quer por força consumir. Sobre nós todos, em última instância, recai a responsabilidade de acidentes como o do cloro. Claro. Se não fosse ele, ainda havia mais cólera nos bairros da lata... Graças ao cloro, temos água branca de neve mas limpinha de bactérias.
Em caso de acidente ou tragédia com matérias perigosas, portanto, o grande alibi dos fabricantes é que se trata de produtos necessários ao consumidor e que fazem parte integrante da nossa civilização e deste progresso todo.
Condiciona-se o consumidor a usar isto ou aquilo, para depois se dizer que, no fim de contas, é o consumidor quem exige e, logo, o culpado de haver tais matérias-primas em circulação no mar, nas estradas, nos caminhos de ferro. O que até é verdade: como consumidores, somos culpados de todas as tragédias e desastres industriais.

CLORO & ÁTOMO: A GUERRA DAS APLICAÇÕES PACÍFICAS

2 - Na I Grande Guerra, o cloro serviu para gasear as tropas inimigas. Aí por 1933 houve logo um senhor cientista que lhe descobriu uma "aplicação pacífica" à vida civil: passou a desinfectar-se a água dos canos com esse mortífero gás, pois o que não mata, engorda. E assim tem sido até hoje, não cessando de se multiplicar as aplicações "pacíficas" do dito, pois as fábricas que o produzem estão montadas e até haver outra guerra e outros soldados para gasear, há que ir gastando o cloro na paz.
Com o átomo aconteceu assim: começou bélico e acabou pacífico. Serviu para o senhor Truman varrer do mapa mundi com duas bombas as cidades de Hiroxima e Nagasaki mas, de 1945 até hoje, não cessaram de se multiplicar as aplicações desta indústria de guerra de paz que é a indústria nuclear.

3 - Quando se instala uma central nuclear ou uma indústria venenosa, os técnicos encarregados da segurança prometem que não haverá azar. Mas caso haja, foi azar...da sorte.
Em matéria de segurança vai sempre tudo no melhor dos mundos. Excepto quando a segurança falha: por causa humana, por causa técnica, mas (o que é um pouco mais terrível) porque o próprio sistema deixa de ter controle sobre os processos, circuitos e ciclos. Sobre o sistema, que passa então a auto-governado (desgovernado).
É a caso dos 5000 satélites (20 dos quais são reactores nucleares) que, em desórbita da terra, deixaram de obedecer às ordens dos papás e se estão espatifando um pouco por toda a parte em cima do mundo habitado.
Centrais nucleares - nunca há perigo. E a prova é que nenhuma companhia de seguros do mundo aceita apólices delas... Está dito e redito que são «a indústria mais segura do mundo»: a prova é que um terço do seu custo é para construir medidas de segurança...
Quando eles prometem, portanto, quem acredita?
Quem confia?

4 - Mas não é só o descontrole dos técnicos que leva à desconfiança das populações. Outros factores de cepticismo e dúvida há, como, por exemplo, quando o acidente deixa afinal de o ser porque obedece a uma necessidade inelutável: o caso das 164,6 toneladas de pesticidas no Rio Grande do Sul, não foi cargueiro encalhado, fábrica que explodiu, camião cisterna que derrapou ou outro qualquer desses “infortúnios" a que a malvada pouca sorte serve de bode expiatório. Não sabendo o que fazer aos pesticidas, foi autorizado ao barco que se efectuasse a descarga no oceano. E foram as autoridades que autorizaram.
Aliás, o cargueiro "Alchimist», que o ano passado encalhou perto de Sesimbra, é um caso interessante e suspeito. São cada vez mais as cargas de produtos cujos proprietários não sabem o que lhes hão-de fazer. Relativamente fácil e como recurso de emergência será "provocar" um acidente do tipo "encalhe" nos molhes, deixando (como foi o caso do «Alchimist») às autoridades portuguesas o trabalho e a despesa de transportar a carga perigosa para terra. (De qualquer maneira, fica sempre a pergunta: que fazer com ela? Enxotar o lixo da soleira não resolve.).
Resta saber se o armador desse e outros cargueiros "acidentados", não irão receber ainda somas fabulosos do seguro... Facto que levaria a supor cada vez mais frequentes os "acidentes" fabricados.
O plutónio como resíduo de centrais nucleares é o caso mais conhecido, mais falado, mais assustador (uma laranja dele exterminaria toda a vida da terra) mas não é o único. Acidentes com cargueiros podem passar a não ser tão acidentais como os pintam. E as costas largas de países como o nosso, que aguentem.
Isto sem falar do acidente que não chega a ser notícia, quando sucede longe das costas, Muitos caixões deve guardar hoje o fundo do oceano sem que nenhum jornal o tivesse sabido ou noticiado.

5 - Outra característica pouca tranquilizadora deste género de acidentes é que não têm contra-ataque possível.
Para os derrames de petróleo só se conhecem detergentes domésticos e, para nuvens de gases tóxicos, só resta (quando resta) evacuar as populações, que às centenas terão de deixar casa, haveres, trabalho, terras, etc.. Quando a densidade destes focos ou transportes não permitir espaço de recuo ou refúgio, só restará permanecer no meio do holocausto. Encurralado. Respirando a morte. Ou numa bola-cogumelo de fogo, que a pira de Joana d’Arc é muito medieval.
Medidas contra-ofensivas, regra geral de uma ridícula inoperância, nada podem. É quase sempre demagogia as promessas dos técnicos em segurança. E as tácticas defensivas que preconizam.

ECOLOGIA OU MORTE: A JUVENTUDE QUE DECIDA

6 - Nuvens de cloro, no fim de contas, são apenas e por enquanto, amigáveis avisos, benignos sinais do que poderá vir a ser a mundo de amanhã para as gerações de hoje.
Quem governa e decide são ainda os megalómanos do crescimento: os ecologistas permanecem em minoria e ainda não ganham eleições. Quando muito, servem de bobos aos colegas de emprego, que acham muita piada a esta esquisita raça de animais.
Com a nuvem de cloro e outros acidentes, no entanto, podemos tomar conta de que, para lá do contingente, é todo um sistema monolítico em marcha para o apocalipse... Por mais remendos que os reformistas aconselhem, pouco ou nada é possível fazer quando chega a hora da verdade ou da tragédia.
Os megalómanos do crescimento dizem que não é possível recuar, que estamos metidos neste progresso todo e que as pessoas, ao fim e ao cabo, têm a cloro, o petróleo, a radioactividade, a dioxina, o propileno e etc. que merecem. O que até é verdade.
Às populações e às novas gerações incumbe decidir: se é com medidas de contra-ataque que se vão defender. Ou se terão que pôr este sistema de pantanas, e substituí-lo por outro.
Se a opção é entre um funeral assim ou um funeral assado, ou se as opções terão que ser de fundo: o funeral ou a vida.
Como o cloro de Estarreja o mostra, o mundo está dividido nesta bipolaridade: Ecologia ou Morte.

O TIO PAVLOV

7- Se alguns conseguirem perceber isto, já não se perdeu tudo. Pode é já ser tarde e quando os jovens, povos e países decidirem acordar, verem que acordaram já...mortos
O anedótico da tragédia de hoje é que, amanhã, vamos todos (jornalistas também), aplaudir o senhor engenheiro, economista, técnico, financeiro, industrial, deputado, amigo da Pátria, político, quando eles, badalando a sineta do progresso, nos fizerem a todos salivar de impaciência com a promessa de mais postos de trabalho, mais fábricas, mais mundos concentracionários. O tio Pavlov tinha razão.
Seremos nós, as vítimas do veneno em liberdade, quem irá dizer amen, obrigado, queremos bis, a quantas Estarrejas, Sines, Alquevas, Barreiros & etc. cá meterem, via Mercado Comum.
Basta que seja um senhor bem falante, engenheiro, diplomado pelas melhores Faculdades do Estrangeiro, basta o Dr.. e uma boa estatística acompanhada pelo repenicado da guitarra científica, para nos lambermos todos com o belo fado do progresso. Teremos cloro ao pequeno almoço, almoço e jantar, mas temos progresso. Crescer é bestial.
Crescer é que é necessário.
Esquecem-se eles, e nós também, de explicar que esse crescimento infinito inclui o infinito crescimento de tudo o que pode caber na alma (?) paranóica de tal gente. Cresce o PNB (como eles dizem) mas crescem também os acidentes, desastres, tragédias, venenos, explosões, poluições, mortes, doenças, hospitais, polícias...

- - - - -

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Jornal de Notícias» (Porto)( 16/1/1979) e no jornal «A Capital» (Lisboa)(20/1/1979)