BIOCÍDIO 1974
74-01-03-et>=entrevista-testamento-terça-feira, 3 de Dezembro de 2002-scan
CONTRA O BIOCÍDIO E EM DEFESA DAS ESPÉCIES AMEAÇADAS(ENTRE AS QUAIS O HOMEM)(*)
Respondendo às perguntas formuladas pelo "Diário do Alentejo", a propósito da colecção "Dossiê Zero", lançada na Editora Arcádia em Junho de 1973, o autor afirmou o que parcialmente se transcreve por se supor de interesse para a matéria versada neste livro de ensaios sobre Ecologia Humana em Geral e Política em particular.
[3-1-1974] - Estou tão pouco habituado, que me parece quase uma história fantástica esta possibilidade de realizar editorialmente o que constitui hoje para mim uma obsessão de todas as horas, de todos os dias, de todos os momentos: o Biocídio e a Ecologia.
Acredito de tal maneira na importância destes problemas que vou ao ponto de acreditar que todos compartilharão desta minha ideia e que a colecção terá de ser comercialmente um êxito... É que as editoras normalmente só acreditam nos assuntos novos depois de outras os editarem com resultados satisfatórios. Uma colecção de Ecologia ainda não existia entre nós mas era inevitável.
Uma biblioteca fundamental da próxima década, sobre o que nela será decisivo para a sobrevivência do homem e do globo que habita, uma - digamos - biblioteca do Apocalipse, era fatal que aparecesse. E apareceu.
"Dossier Zero" - colecção para os que estiverem vivos daqui a dez anos - é assim um caso raro, se não mesmo inédito no panorama editorial português: é um desafio e uma aposta que a própria editora está disposta a compartilhar. Identidade absoluta de intenções entre organizador e editora.
"Dossier Zero" não será mais uma colecção, sem engagement polémico, sem programa de trabalho, sem estratégia. Corresponde a uma linha de pensamento - abjeccionista por um lado, neo-utópica por outro - que sem ser restritiva é programática, sem ser ortodoxa é rigorosamente definida e tem um rosto que se expõe às críticas.
Para que se tornasse possível uma colecção de tais características era necessário haver alguém que acreditasse nessa linha de pensamento e com ela tivesse profundas afinidades. Natália Correia foi essa pessoa e, embora a colecção seja de minha inteira responsabilidade, a ela em grande parte se ficará devendo.
Fazendo da Ecologia ponto de partida e de confluência para as mil direcções do realismo fantástico, "Dossier Zero" está efectivamente a pisar terreno virgem na lusa bibliografia. Ninguém acreditava ontem que houvesse público para os temas fundamentais do próximo futuro da humanidade. Mas poucos meses bastaram para que a Imprensa vulgarizasse esses temas até ao lugar-comum. É possível que agora - desbravado o caminho - surjam muitas colecções pretendendo o mesmo.
Há três anos, quando organizei, na colecção Cadernos do Século, o volume sobre O Suicídio da Humanidade, não só recebi vários sorrisos de troça por causa desse título como levei recusas sistemáticas de várias editoras que contactei na vaga esperança de encontrar alguma capaz de se interessar pela Ecologia e pelos temas prospectivos.
Riam-se da Prospectiva, da futurologia só se conhecia Herman Khan e portanto assimilava-se Prospectiva com militarismo norte-americano. Enfim, a confusão habitual da ignorância, que por aqui se jacta de sábia.
De tal modo os acontecimentos se aceleraram que a estratégia editorial do nosso tempo tem fatalmente que ser de antecipação e prospectiva. Há que acreditar nas novas ideias quando elas ainda não são aceites, sob pena de uma irremediável ultrapassagem. Há, acima de tudo, que enfrentar tabus, desmontar sofismas e mitos, atacar dogmas frontalmente. Vivemos um tempo terrível de mitos e sofismas em nome da ciência e da filosofia científica. O terror industrial, científico e tecnológico é todo baseado numa rede de sofismas. Há uma imensa tarefa de lucidez crítica (científica, a única cientifica) e de imaginação criadora na revolução dos conceitos que se transformaram, mesmo nas cabeças das elites, em pré-conceitos e pré-juízos.
Todo esse propósito ambicioso se contém nesta colecção, por isso esta colecção será polémica e um desafio a todos os imobilismos. Acredito, no entanto, que vem na hora precisa e que obterá dos leitores um tão grande entusiasmo como aquele que ponho a realizá-la. Por amor da vida, de todas as formas de vida que esta civilização homicida ameaça a exterminar nos próximos e decisivos e apocalípticos dez anos.
D.A. - Acusam-te de seres pouco pacífico e de andares sempre em rixa com as pessoas ilustres, diplomadas. É verdade?
A.C. - Mais do que verdade, é verdadíssima.
De ha um século a esta parte, também têm acusado o índio americano de pouco "pacífico" frente aos pacificadores ocupantes que lhe querem tratar da saúde. Também se pode ler nos jornais como os negros dos guetos andam sempre a provocar distúrbios e andam sempre à pancada com as pessoas de bem, com a respeitabilidade e a honra, a ordem, a virtude (seja ela à esquerda ou à direita). Também acusam certa juventude minoritária de «delinquência» e malvadez, a "pior” juventude, porque a das motorizadas é considerada boa pelos próprios papás, de boa pinta e futuro. Também acusam os ciganos de indesejáveis.
Enfim, acrescenta agora os exemplos que quiseres. Parece-me que estou em boa companhia com esses desordeiros e marginais, desclassificados e segregados, revoltados e "violentos".
Vou contar-te uma fábula.
As ruas de Lisboa, como se sabe, são apenas destinadas a cães e automóveis. Acontece que, estacionados nesse já de si restrito espaço vital, há sempre alguns homens felizes ocupando com as suas gordas barrigas o espaço que podia servir a três ou quatro pessoas, normais de barriga. Pois vai um magro cidadão passar, a caminho do emprego, sem querer alterar a ordem estabelecida, pede desculpa e licença mas acontece que a tal barriga lhe dá na magreza um encontrão, uma canelada, uma pisadela.
Acontece que o magro leva a pisadela, a canelada, o encontrão e ainda leva uma torrente de impropérios: o agressor é que ainda prega um sermão de moral ao agredido e lhe oferece cadeia.
Esta cena, que se pode repetir em centenas de variantes, faz parte da psicopatologia da vida portuguesa. Faz parte da nossa doença. É semelhante a todas as situações que no mundo ocorrem onde a minoria sofre a prepotência da maioria e é a maioria quem tem razão.
A fábula do gordo e do magro pode aplicar-se com propriedade à vida intelectual portuguesa, onde o magro, além de levar os encontrões todos que o gordo lhe apetece, ainda leva sermões de moral e prédicas de virtude. Faz parte da nossa doença. Constantemente em legitima defesa , é muito possível, pois, que me acusem de andar sempre ao ataque.
A história da independência e concomitante resistência é semelhante em todo o mundo. Tenho o meu Vietname, é disso que me acusam, quantos aqui desempenhara o papel dos que sobre ele jogam as bombas: o editor revisionista, o semanário da Amadora, o escritor neo-realista, o filósofo anti o crítico estruturalista, o profissional da publicidade, o júri dos poluentes, o lírico de Melides, só não me jogam as bombas que não podem. E se me defendo, dizem que ataco. A fábula repete-se, quase diariamente.
D.A.- O primeiro volume da colecção "Dossier Zero" intitula-se "A Conferência do Terror" e refere-se, creio, à conferência sobre Ambiente realizada em Estocolmo por iniciativa da ONU. "Terror" porquê?
A.C. - Porque efectivamente o Mundo em que vamos meter os nossos filhos será o Mundo do Terror generalizado.
Aquilo que foi um surto localizado (e muito explorado posteriormente pela propaganda israelita) na Alemanha hitleriana - a ciência e a técnica ao serviço dos extermínios sistemáticos, maciços e cientificamente organizados - tornou-se um fenómeno mundial. Deixou de haver arame farpado, porque deixou de haver fronteiras para o Ter ror, quer dizer, para a violação sistemática e maciça e organizada (programada) dos direitos humanos, entre os quais direitos temos a sobrevivência como primário.
E já não falo dos que directamente promovem, executam o extermínio. Seria demasiado fácil apontar os executantes.
Falo das superestruturas ideológicas – cientistas, filósofos, economistas, técnicos, especialistas - que servindo o terror tecnológico ou tecnocrático, usam as suas posições privilegiadas para encobrir os abusos que a esse mesmo terror se devem.
E já nem falo dos Panglosses que pretendem encobrir com discursos de laracha optimista a gravidade e extensão do ecocídio. Falo dos que se dizem abertos aos problemas do Ambiente para melhor os escamotear e deles distrair as atenções.
O terror hoje é o mais completo e totalitário porque encoberto por aqueles que o promovem: cientistas e arredores.
De toda a mitologia que nos escraviza, a rede de sofismas arquitectados em nome da ciência é a mais fantástica máquina de mentiras e de fraudes que já houve sobre a terra. Desafiar esses tabus é lavrar a sentença de morte. Resistir neste Vietname é a atitude suicida por excelência. A faina mais urgente e necessária ao humanista contemporâneo é assim a mais difícil e arriscada.
Desordeiro, indesejável, violento, será assim o que resiste, o que estraga esse jogo e denuncia essa conspiração, o que se defende do terror generalizado. A "violência” individual - o suicida, o uxoricida, o homicida, o fratricida, o parricida, o matricida, etc - é sempre resposta às tensões insuportáveis impostas ao indivíduo pelo terror colectivizado: do ecocídio ao biocídio, dos etnocídios aos genocídios, esse terror hoje tem nome, forma, rosto e contornos muito precisos. Por isso a Conferência de Estocolmo foi, rigorosamente, "a conferência do terror", do terror ambiente.
Quando ilustres economistas do nosso mercado, ou ilustres críticos, ou ilustres líricos, ou ilustres políticos - sempre ilustres servidores do terror estabelecido - me acusam de violência, mais do que verdade é verdadíssima. É a verdade de todos os que respondem, pelo suicídio, pelo homicídio, pela revolta às insuportáveis tensões que esses ilustres todos fomentam e alimentam, fomentando e alimentando o mundo do terror que hão-de dar aos filhos deles e, o que é pior, aos nossos.
Só estes serão os definitivos juizes. Só deles espero o juízo que não espero hoje de nada nem de ninguém, neste país, neste mundo, neste universo onde a absoluta solidão é o preço a pagar pelo amor a todas as criaturas vivas do universo.
Por isso "Dossier Zero" é uma colecção para amanhã, para os que amanhã forem os sobreviventes da catástrofe ecológica. Se os houver, a colecção é deles. Não me importo absolutamente nada o que no presente façam para a destruir e me destruir.
Depois de Estocolmo, a contagem do tempo começou a fazer-se de maneira contrária à clássica. Dantes, partia-se de zero e ia-se até ao infinito. Agora, a contagem é para o fim e em vez do Ano 2 000 dos tecnocratas, o número sigla passou a ser 1 ou ano zero.
Daí o titulo da colecção que começa com um volume consagrado à conferência de Estocolmo e daí que a referida conferência se chame de terror.
D.A.-O título dessa colecção faz-me lembrar o de uns cadernos que publicaste em 1957, cadernos Zero, se não estou em erro. Mero acaso ou corresponde essa coincidência de títulos a uma intenção?
A.C. - Foi um acaso mas que me entusiasmou.
De facto, gostaria de acentuar a profunda continuidade de pensamento que existe entre as preocupações desses cadernos, desse tempo d'A Planície e as que hoje se reflectem numa colecção como "Dossier Zero".
Interessa sublinhar essa fidelidade de 15 anos, especialmente para responder aos que me acusam de oportunismo ou de seguir uma moda.
Importa salientar que entre o franciscanismo d' A Planície muito de panteísmo e de ateo-teísmo à Pascoaes, com muito de Walt Whitman, com muito até de Thoreau, e a monomania ecológica que hoje me obceca há apenas uma diferença de grau, apenas uma maior consciencialização dos problemas e uma mais firme, mais inabalável firmeza nos pressupostos.
Abjeccionismo, surrealismo, existencialismo, realismo fantástico, naturismo, prospectiva, ecología, quem conheça um pouquinho a profunda razão de ser de qualquer dessas experiências, saberá que real, intensa, profunda afinidade as une e de como são apenas metamorfoses no tempo da mesma básica luta, da mesma radical incompatibilidade, consequências imediatas de uma mesma causa: o horror a esta civilização do terror que nos é imposta.
A simpatia pelas civilizações extremo-orientais, ou pelas culturas marginais e marginalizadas é apenas mais um passo na marcha de uma radicalização cada vez mais consciente dos problemas que aquele terror impõe.
Posso responder-te, pois, dizendo que entre o "Zero" de 1957 e o "zero" de 1973 apenas houve o amadurecimento de uma intuição - Utopia? Contra-Cultura? - ou as sucessivas metamorfoses de uma mesma conversão.
Aliás, é a firmeza inabalável dessa convicção que explica muitos eventos circunjacentes: a sanha dos ïnimigos (neo-realistas a um lado, estruturalistas e experimentalistas a outro) e a consequente posição de constante defensiva.
D.A. - Qual é a base documental da colecção "Dossier Zero”?
A.C. - Aquela que está mais à mão do jornalista: a informação diária mundial. Seleccionado, hierarquizado e analisado criticamente, o noticiário da actualidade fornecido pela Imprensa pode representar, ao fim de certo tempo, um manancial valioso, que fica perdido no mar sem fim de papel.
O meu trabalho e apenas o de "salvar" essa informação da sua efemeridade, retirando dela o que permanece de essencial (não gosto da palavra, mas não tenho outra). O meu trabalho é apenas o de seleccionar o que se apresenta caótico, inflacionário, indiscriminado na imprensa diária, trabalho portanto de ordenamento crítico, de estruturação, de síntese.
O fenómeno de congestionamento que se verifica em todos os espaços da sociedade de consumo (e que foi um dos que mais violentamente me atiraram para a percepção ecológica) é também extensivo à Informação. Afogam-nos, asfixiam-nos de papel. Somos diariamente bombardeados de notícias e já não distinguimos, no meio de mil, a que verdadeiramente importa e que é "notícia do futuro", quer dizer, que se tornará mais importante à medida que o tempo decorrer (quando o destino da maioria das noticias é perder importância quanto mais tempo decorre sobre a sua emissão).
A importância dos acontecimentos (logo das notícias) é considerada em função dos critérios políticos, diplomáticos de curtíssimo prazo, - esses, sim, oportunísticos no sentido mais rigoroso da palavra - e o que a colecção Zero pretende é avaliar os acontecimentos em função da sua importância potencial, logo em função de um critério prospectivo, a médio e longo prazo.
Quando encarado da perspectiva Ambiente, o futuro pode assumir aspectos que vão do critico ao humorístico.
Quem estiver atento à Imprensa vai sabendo que todas as medidas de "ataque à poluição", na sua quase nula eficácia e no seu confesso reformismo, assumem aspectos ridículos se proporcionalmente comparadas à dimensão gigantesca e catastrófica dos danos e morticínios anunciados pela mesma Imprensa, danos e morticínios causados pela mesma poluição.
Do crítico e do humorístico, pois, terá esta colecção, que pretende ser um espelho do tempo (retrovisor e provisor) e um reflexo da história que - dizem, vê-se - está agonizante.
D.A. - Acusam-te de oportunismo, de teres escrito tanto sobre ambiente para ostensivamente concorrer ao prémio de 10 mil escudos instituído pela Gáslimpo. É verdade?
A.C. - Antes de mais, é verdadíssima. Depois quero agradecer aos amigos que manifestam tão zeloso interesse por mim e que não me perdoam.
Depois ainda, deixemos bem claro que o prémio da Gáslimpo era na importância de 10 contos, e que efectiva, ostensivamente concorri, mas que o júri entendeu dar o dinheiro aos doutores e licenciados, reservando-me a humilhação, o castigo, o ridículo das menções honrosas. Como o júri deliberou mês a mês, mas muitos meses depois do concurso iniciado, fui apanhado na armadilha e caí na esparrela até ao pescoço.
Total, literalmente bandarilhado, uma vez mais vítima cega da minha boa fé e da minha boa vontade em prol da comunidade humana e da sobrevivência dos compatriotas. Bem feito, trinta vezes bem feito. Durante 3 vezes, como se uma não bastasse, tive de suportar essa doce vingança sobre o meu trabalho, a minha boa fé e o meu ingénuo desejo de contribuir, de colaborar na tal "defesa do Ambiente". Tarde me apercebi que não interessava nada o Ambiente, pois outros factores estavam em jogo. Muitos outros, que são também parte do Ambiente e que fazem parte integrante da nossa Doença, do nosso lindo funeral.
Claríssimo, pois, o que sucedeu (clarinho agora, antes a ingenuidade cegou-me): só quem não está comprometido a nenhum nível com o Sistema dos biocídios – enquanto doutor, engenheiro, técnico, advogado, etc – através de qualquer providencial licenciatura pode assumir em relação ao Ambiente (mas só) a única posição possível que é também a mais "perigosa": radical, independente, inconformista, crítica e contestatária.
Só o autodidacta, o maltrapilho, o out-sider, o marginado, o resistente, o franco-atirador, o não licenciado, o poeta, oferece verdadeiro perigo à demagogia e aos demagogos da poluição, que falam de poluentes unicamente para industrializarem os antipoluentes.
Um júri de poluentes está-se a ver que iria premiar artigos sobre poluição do mar costeiro pelos hidrocarbonetos e antipoluentes respectivos. Eu sabia que era assim e oportunisticamente não escrevi nem escreverei sobre poluição do oceano costeiro, sobre hidrocarbonetos, a não serr que me mandem em serviço profissional.
Se ostensivamente me fiz aos 10 mil escudos do concurso, foi porque precisava e preciso do dinheiro para pagar fotocópias dos artigos que, em legítima defesa, nenhuma imprensa publica (depois de atacar) e que tenho de andar distribuindo pelas portas prevenindo as pessoas do que as mata e de quem as mata. Isto não merece prémio. Merece, sim, o castigo de 3 menções honrosas.
Quem divulga o biocídio, merece lindo funeral...
O "prémio" que tive, pois, foi mais uma lição mestra que me ensinou aspectos ainda para mim desconhecidos, do ambiente intelectual luso.
Outra lição (mestra) foi o ataque do camarada e lírico Eduardo Olímpio, como se não bastassem tecnocratas, biocratas, burocratas.
Pilhas de pilhéria tem, pois, acusarem-me de oportunismo aqueles que, dentro do sistema, funcionários obedientes dele, falam de poluição hoje como ontem falavam e defendiam tudo o que exactamente a provoca e lá conduz: o sistema fundamentalmente homicida em que vivem e em que aceitam viver, sem protesto, sem resistência, sem oposição, sem crítica, sem inconformismo.
Procurando através dos tempos o que sempre me identificou com o anarco-pacifista, o poeta, o homem revoltado, o aprendiz, o herege de todas as ortodoxias, o franco-atirador, o panteísta, o naturista, o zoófilo - chego afinal à conclusão de que os júris poluentes não podem gostar nada disso.
Oportunistas, pois, foram, são e serão, os que falam de poluentes para industrializar os antipoluentes e os que falam de conservar a natureza para melhor perpetrarem os biocídios, ecocídios, genocídios, etnocídios, homicídios e etc de que são autores.
E isto que fique dito uma vez por todas.
- - - -
(*) Este texto de AC, sob a forma de entrevista (a José António Moedas) foi publicado no "Diário do Alentejo", 3/Janeiro/1974, graças aos bons ofícios do meu querido e inesquecível amigo José António Moedas. Posteriormente, o texto seria transcrito no livro«Contributo à Revolução Ecológica», edição do autor, 1976, nº 1 de uma colecção intitulada «Ecopolítica»
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CONTRA O BIOCÍDIO E EM DEFESA DAS ESPÉCIES AMEAÇADAS(ENTRE AS QUAIS O HOMEM)(*)
Respondendo às perguntas formuladas pelo "Diário do Alentejo", a propósito da colecção "Dossiê Zero", lançada na Editora Arcádia em Junho de 1973, o autor afirmou o que parcialmente se transcreve por se supor de interesse para a matéria versada neste livro de ensaios sobre Ecologia Humana em Geral e Política em particular.
[3-1-1974] - Estou tão pouco habituado, que me parece quase uma história fantástica esta possibilidade de realizar editorialmente o que constitui hoje para mim uma obsessão de todas as horas, de todos os dias, de todos os momentos: o Biocídio e a Ecologia.
Acredito de tal maneira na importância destes problemas que vou ao ponto de acreditar que todos compartilharão desta minha ideia e que a colecção terá de ser comercialmente um êxito... É que as editoras normalmente só acreditam nos assuntos novos depois de outras os editarem com resultados satisfatórios. Uma colecção de Ecologia ainda não existia entre nós mas era inevitável.
Uma biblioteca fundamental da próxima década, sobre o que nela será decisivo para a sobrevivência do homem e do globo que habita, uma - digamos - biblioteca do Apocalipse, era fatal que aparecesse. E apareceu.
"Dossier Zero" - colecção para os que estiverem vivos daqui a dez anos - é assim um caso raro, se não mesmo inédito no panorama editorial português: é um desafio e uma aposta que a própria editora está disposta a compartilhar. Identidade absoluta de intenções entre organizador e editora.
"Dossier Zero" não será mais uma colecção, sem engagement polémico, sem programa de trabalho, sem estratégia. Corresponde a uma linha de pensamento - abjeccionista por um lado, neo-utópica por outro - que sem ser restritiva é programática, sem ser ortodoxa é rigorosamente definida e tem um rosto que se expõe às críticas.
Para que se tornasse possível uma colecção de tais características era necessário haver alguém que acreditasse nessa linha de pensamento e com ela tivesse profundas afinidades. Natália Correia foi essa pessoa e, embora a colecção seja de minha inteira responsabilidade, a ela em grande parte se ficará devendo.
Fazendo da Ecologia ponto de partida e de confluência para as mil direcções do realismo fantástico, "Dossier Zero" está efectivamente a pisar terreno virgem na lusa bibliografia. Ninguém acreditava ontem que houvesse público para os temas fundamentais do próximo futuro da humanidade. Mas poucos meses bastaram para que a Imprensa vulgarizasse esses temas até ao lugar-comum. É possível que agora - desbravado o caminho - surjam muitas colecções pretendendo o mesmo.
Há três anos, quando organizei, na colecção Cadernos do Século, o volume sobre O Suicídio da Humanidade, não só recebi vários sorrisos de troça por causa desse título como levei recusas sistemáticas de várias editoras que contactei na vaga esperança de encontrar alguma capaz de se interessar pela Ecologia e pelos temas prospectivos.
Riam-se da Prospectiva, da futurologia só se conhecia Herman Khan e portanto assimilava-se Prospectiva com militarismo norte-americano. Enfim, a confusão habitual da ignorância, que por aqui se jacta de sábia.
De tal modo os acontecimentos se aceleraram que a estratégia editorial do nosso tempo tem fatalmente que ser de antecipação e prospectiva. Há que acreditar nas novas ideias quando elas ainda não são aceites, sob pena de uma irremediável ultrapassagem. Há, acima de tudo, que enfrentar tabus, desmontar sofismas e mitos, atacar dogmas frontalmente. Vivemos um tempo terrível de mitos e sofismas em nome da ciência e da filosofia científica. O terror industrial, científico e tecnológico é todo baseado numa rede de sofismas. Há uma imensa tarefa de lucidez crítica (científica, a única cientifica) e de imaginação criadora na revolução dos conceitos que se transformaram, mesmo nas cabeças das elites, em pré-conceitos e pré-juízos.
Todo esse propósito ambicioso se contém nesta colecção, por isso esta colecção será polémica e um desafio a todos os imobilismos. Acredito, no entanto, que vem na hora precisa e que obterá dos leitores um tão grande entusiasmo como aquele que ponho a realizá-la. Por amor da vida, de todas as formas de vida que esta civilização homicida ameaça a exterminar nos próximos e decisivos e apocalípticos dez anos.
D.A. - Acusam-te de seres pouco pacífico e de andares sempre em rixa com as pessoas ilustres, diplomadas. É verdade?
A.C. - Mais do que verdade, é verdadíssima.
De ha um século a esta parte, também têm acusado o índio americano de pouco "pacífico" frente aos pacificadores ocupantes que lhe querem tratar da saúde. Também se pode ler nos jornais como os negros dos guetos andam sempre a provocar distúrbios e andam sempre à pancada com as pessoas de bem, com a respeitabilidade e a honra, a ordem, a virtude (seja ela à esquerda ou à direita). Também acusam certa juventude minoritária de «delinquência» e malvadez, a "pior” juventude, porque a das motorizadas é considerada boa pelos próprios papás, de boa pinta e futuro. Também acusam os ciganos de indesejáveis.
Enfim, acrescenta agora os exemplos que quiseres. Parece-me que estou em boa companhia com esses desordeiros e marginais, desclassificados e segregados, revoltados e "violentos".
Vou contar-te uma fábula.
As ruas de Lisboa, como se sabe, são apenas destinadas a cães e automóveis. Acontece que, estacionados nesse já de si restrito espaço vital, há sempre alguns homens felizes ocupando com as suas gordas barrigas o espaço que podia servir a três ou quatro pessoas, normais de barriga. Pois vai um magro cidadão passar, a caminho do emprego, sem querer alterar a ordem estabelecida, pede desculpa e licença mas acontece que a tal barriga lhe dá na magreza um encontrão, uma canelada, uma pisadela.
Acontece que o magro leva a pisadela, a canelada, o encontrão e ainda leva uma torrente de impropérios: o agressor é que ainda prega um sermão de moral ao agredido e lhe oferece cadeia.
Esta cena, que se pode repetir em centenas de variantes, faz parte da psicopatologia da vida portuguesa. Faz parte da nossa doença. É semelhante a todas as situações que no mundo ocorrem onde a minoria sofre a prepotência da maioria e é a maioria quem tem razão.
A fábula do gordo e do magro pode aplicar-se com propriedade à vida intelectual portuguesa, onde o magro, além de levar os encontrões todos que o gordo lhe apetece, ainda leva sermões de moral e prédicas de virtude. Faz parte da nossa doença. Constantemente em legitima defesa , é muito possível, pois, que me acusem de andar sempre ao ataque.
A história da independência e concomitante resistência é semelhante em todo o mundo. Tenho o meu Vietname, é disso que me acusam, quantos aqui desempenhara o papel dos que sobre ele jogam as bombas: o editor revisionista, o semanário da Amadora, o escritor neo-realista, o filósofo anti o crítico estruturalista, o profissional da publicidade, o júri dos poluentes, o lírico de Melides, só não me jogam as bombas que não podem. E se me defendo, dizem que ataco. A fábula repete-se, quase diariamente.
D.A.- O primeiro volume da colecção "Dossier Zero" intitula-se "A Conferência do Terror" e refere-se, creio, à conferência sobre Ambiente realizada em Estocolmo por iniciativa da ONU. "Terror" porquê?
A.C. - Porque efectivamente o Mundo em que vamos meter os nossos filhos será o Mundo do Terror generalizado.
Aquilo que foi um surto localizado (e muito explorado posteriormente pela propaganda israelita) na Alemanha hitleriana - a ciência e a técnica ao serviço dos extermínios sistemáticos, maciços e cientificamente organizados - tornou-se um fenómeno mundial. Deixou de haver arame farpado, porque deixou de haver fronteiras para o Ter ror, quer dizer, para a violação sistemática e maciça e organizada (programada) dos direitos humanos, entre os quais direitos temos a sobrevivência como primário.
E já não falo dos que directamente promovem, executam o extermínio. Seria demasiado fácil apontar os executantes.
Falo das superestruturas ideológicas – cientistas, filósofos, economistas, técnicos, especialistas - que servindo o terror tecnológico ou tecnocrático, usam as suas posições privilegiadas para encobrir os abusos que a esse mesmo terror se devem.
E já nem falo dos Panglosses que pretendem encobrir com discursos de laracha optimista a gravidade e extensão do ecocídio. Falo dos que se dizem abertos aos problemas do Ambiente para melhor os escamotear e deles distrair as atenções.
O terror hoje é o mais completo e totalitário porque encoberto por aqueles que o promovem: cientistas e arredores.
De toda a mitologia que nos escraviza, a rede de sofismas arquitectados em nome da ciência é a mais fantástica máquina de mentiras e de fraudes que já houve sobre a terra. Desafiar esses tabus é lavrar a sentença de morte. Resistir neste Vietname é a atitude suicida por excelência. A faina mais urgente e necessária ao humanista contemporâneo é assim a mais difícil e arriscada.
Desordeiro, indesejável, violento, será assim o que resiste, o que estraga esse jogo e denuncia essa conspiração, o que se defende do terror generalizado. A "violência” individual - o suicida, o uxoricida, o homicida, o fratricida, o parricida, o matricida, etc - é sempre resposta às tensões insuportáveis impostas ao indivíduo pelo terror colectivizado: do ecocídio ao biocídio, dos etnocídios aos genocídios, esse terror hoje tem nome, forma, rosto e contornos muito precisos. Por isso a Conferência de Estocolmo foi, rigorosamente, "a conferência do terror", do terror ambiente.
Quando ilustres economistas do nosso mercado, ou ilustres críticos, ou ilustres líricos, ou ilustres políticos - sempre ilustres servidores do terror estabelecido - me acusam de violência, mais do que verdade é verdadíssima. É a verdade de todos os que respondem, pelo suicídio, pelo homicídio, pela revolta às insuportáveis tensões que esses ilustres todos fomentam e alimentam, fomentando e alimentando o mundo do terror que hão-de dar aos filhos deles e, o que é pior, aos nossos.
Só estes serão os definitivos juizes. Só deles espero o juízo que não espero hoje de nada nem de ninguém, neste país, neste mundo, neste universo onde a absoluta solidão é o preço a pagar pelo amor a todas as criaturas vivas do universo.
Por isso "Dossier Zero" é uma colecção para amanhã, para os que amanhã forem os sobreviventes da catástrofe ecológica. Se os houver, a colecção é deles. Não me importo absolutamente nada o que no presente façam para a destruir e me destruir.
Depois de Estocolmo, a contagem do tempo começou a fazer-se de maneira contrária à clássica. Dantes, partia-se de zero e ia-se até ao infinito. Agora, a contagem é para o fim e em vez do Ano 2 000 dos tecnocratas, o número sigla passou a ser 1 ou ano zero.
Daí o titulo da colecção que começa com um volume consagrado à conferência de Estocolmo e daí que a referida conferência se chame de terror.
D.A.-O título dessa colecção faz-me lembrar o de uns cadernos que publicaste em 1957, cadernos Zero, se não estou em erro. Mero acaso ou corresponde essa coincidência de títulos a uma intenção?
A.C. - Foi um acaso mas que me entusiasmou.
De facto, gostaria de acentuar a profunda continuidade de pensamento que existe entre as preocupações desses cadernos, desse tempo d'A Planície e as que hoje se reflectem numa colecção como "Dossier Zero".
Interessa sublinhar essa fidelidade de 15 anos, especialmente para responder aos que me acusam de oportunismo ou de seguir uma moda.
Importa salientar que entre o franciscanismo d' A Planície muito de panteísmo e de ateo-teísmo à Pascoaes, com muito de Walt Whitman, com muito até de Thoreau, e a monomania ecológica que hoje me obceca há apenas uma diferença de grau, apenas uma maior consciencialização dos problemas e uma mais firme, mais inabalável firmeza nos pressupostos.
Abjeccionismo, surrealismo, existencialismo, realismo fantástico, naturismo, prospectiva, ecología, quem conheça um pouquinho a profunda razão de ser de qualquer dessas experiências, saberá que real, intensa, profunda afinidade as une e de como são apenas metamorfoses no tempo da mesma básica luta, da mesma radical incompatibilidade, consequências imediatas de uma mesma causa: o horror a esta civilização do terror que nos é imposta.
A simpatia pelas civilizações extremo-orientais, ou pelas culturas marginais e marginalizadas é apenas mais um passo na marcha de uma radicalização cada vez mais consciente dos problemas que aquele terror impõe.
Posso responder-te, pois, dizendo que entre o "Zero" de 1957 e o "zero" de 1973 apenas houve o amadurecimento de uma intuição - Utopia? Contra-Cultura? - ou as sucessivas metamorfoses de uma mesma conversão.
Aliás, é a firmeza inabalável dessa convicção que explica muitos eventos circunjacentes: a sanha dos ïnimigos (neo-realistas a um lado, estruturalistas e experimentalistas a outro) e a consequente posição de constante defensiva.
D.A. - Qual é a base documental da colecção "Dossier Zero”?
A.C. - Aquela que está mais à mão do jornalista: a informação diária mundial. Seleccionado, hierarquizado e analisado criticamente, o noticiário da actualidade fornecido pela Imprensa pode representar, ao fim de certo tempo, um manancial valioso, que fica perdido no mar sem fim de papel.
O meu trabalho e apenas o de "salvar" essa informação da sua efemeridade, retirando dela o que permanece de essencial (não gosto da palavra, mas não tenho outra). O meu trabalho é apenas o de seleccionar o que se apresenta caótico, inflacionário, indiscriminado na imprensa diária, trabalho portanto de ordenamento crítico, de estruturação, de síntese.
O fenómeno de congestionamento que se verifica em todos os espaços da sociedade de consumo (e que foi um dos que mais violentamente me atiraram para a percepção ecológica) é também extensivo à Informação. Afogam-nos, asfixiam-nos de papel. Somos diariamente bombardeados de notícias e já não distinguimos, no meio de mil, a que verdadeiramente importa e que é "notícia do futuro", quer dizer, que se tornará mais importante à medida que o tempo decorrer (quando o destino da maioria das noticias é perder importância quanto mais tempo decorre sobre a sua emissão).
A importância dos acontecimentos (logo das notícias) é considerada em função dos critérios políticos, diplomáticos de curtíssimo prazo, - esses, sim, oportunísticos no sentido mais rigoroso da palavra - e o que a colecção Zero pretende é avaliar os acontecimentos em função da sua importância potencial, logo em função de um critério prospectivo, a médio e longo prazo.
Quando encarado da perspectiva Ambiente, o futuro pode assumir aspectos que vão do critico ao humorístico.
Quem estiver atento à Imprensa vai sabendo que todas as medidas de "ataque à poluição", na sua quase nula eficácia e no seu confesso reformismo, assumem aspectos ridículos se proporcionalmente comparadas à dimensão gigantesca e catastrófica dos danos e morticínios anunciados pela mesma Imprensa, danos e morticínios causados pela mesma poluição.
Do crítico e do humorístico, pois, terá esta colecção, que pretende ser um espelho do tempo (retrovisor e provisor) e um reflexo da história que - dizem, vê-se - está agonizante.
D.A. - Acusam-te de oportunismo, de teres escrito tanto sobre ambiente para ostensivamente concorrer ao prémio de 10 mil escudos instituído pela Gáslimpo. É verdade?
A.C. - Antes de mais, é verdadíssima. Depois quero agradecer aos amigos que manifestam tão zeloso interesse por mim e que não me perdoam.
Depois ainda, deixemos bem claro que o prémio da Gáslimpo era na importância de 10 contos, e que efectiva, ostensivamente concorri, mas que o júri entendeu dar o dinheiro aos doutores e licenciados, reservando-me a humilhação, o castigo, o ridículo das menções honrosas. Como o júri deliberou mês a mês, mas muitos meses depois do concurso iniciado, fui apanhado na armadilha e caí na esparrela até ao pescoço.
Total, literalmente bandarilhado, uma vez mais vítima cega da minha boa fé e da minha boa vontade em prol da comunidade humana e da sobrevivência dos compatriotas. Bem feito, trinta vezes bem feito. Durante 3 vezes, como se uma não bastasse, tive de suportar essa doce vingança sobre o meu trabalho, a minha boa fé e o meu ingénuo desejo de contribuir, de colaborar na tal "defesa do Ambiente". Tarde me apercebi que não interessava nada o Ambiente, pois outros factores estavam em jogo. Muitos outros, que são também parte do Ambiente e que fazem parte integrante da nossa Doença, do nosso lindo funeral.
Claríssimo, pois, o que sucedeu (clarinho agora, antes a ingenuidade cegou-me): só quem não está comprometido a nenhum nível com o Sistema dos biocídios – enquanto doutor, engenheiro, técnico, advogado, etc – através de qualquer providencial licenciatura pode assumir em relação ao Ambiente (mas só) a única posição possível que é também a mais "perigosa": radical, independente, inconformista, crítica e contestatária.
Só o autodidacta, o maltrapilho, o out-sider, o marginado, o resistente, o franco-atirador, o não licenciado, o poeta, oferece verdadeiro perigo à demagogia e aos demagogos da poluição, que falam de poluentes unicamente para industrializarem os antipoluentes.
Um júri de poluentes está-se a ver que iria premiar artigos sobre poluição do mar costeiro pelos hidrocarbonetos e antipoluentes respectivos. Eu sabia que era assim e oportunisticamente não escrevi nem escreverei sobre poluição do oceano costeiro, sobre hidrocarbonetos, a não serr que me mandem em serviço profissional.
Se ostensivamente me fiz aos 10 mil escudos do concurso, foi porque precisava e preciso do dinheiro para pagar fotocópias dos artigos que, em legítima defesa, nenhuma imprensa publica (depois de atacar) e que tenho de andar distribuindo pelas portas prevenindo as pessoas do que as mata e de quem as mata. Isto não merece prémio. Merece, sim, o castigo de 3 menções honrosas.
Quem divulga o biocídio, merece lindo funeral...
O "prémio" que tive, pois, foi mais uma lição mestra que me ensinou aspectos ainda para mim desconhecidos, do ambiente intelectual luso.
Outra lição (mestra) foi o ataque do camarada e lírico Eduardo Olímpio, como se não bastassem tecnocratas, biocratas, burocratas.
Pilhas de pilhéria tem, pois, acusarem-me de oportunismo aqueles que, dentro do sistema, funcionários obedientes dele, falam de poluição hoje como ontem falavam e defendiam tudo o que exactamente a provoca e lá conduz: o sistema fundamentalmente homicida em que vivem e em que aceitam viver, sem protesto, sem resistência, sem oposição, sem crítica, sem inconformismo.
Procurando através dos tempos o que sempre me identificou com o anarco-pacifista, o poeta, o homem revoltado, o aprendiz, o herege de todas as ortodoxias, o franco-atirador, o panteísta, o naturista, o zoófilo - chego afinal à conclusão de que os júris poluentes não podem gostar nada disso.
Oportunistas, pois, foram, são e serão, os que falam de poluentes para industrializar os antipoluentes e os que falam de conservar a natureza para melhor perpetrarem os biocídios, ecocídios, genocídios, etnocídios, homicídios e etc de que são autores.
E isto que fique dito uma vez por todas.
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(*) Este texto de AC, sob a forma de entrevista (a José António Moedas) foi publicado no "Diário do Alentejo", 3/Janeiro/1974, graças aos bons ofícios do meu querido e inesquecível amigo José António Moedas. Posteriormente, o texto seria transcrito no livro«Contributo à Revolução Ecológica», edição do autor, 1976, nº 1 de uma colecção intitulada «Ecopolítica»
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