DEEP ECOLOGY 1992
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17/1/1992
J.C.M.: Foi uma grande alegria e uma grande ajuda a tua carta de 11/1/1992, com tantos pontos interessantes e motivadores para «voltar à vida». Haver um horizonte em relação ao qual possa caminhar, é para mim particularmente terapêutico. E eu peço desculpa de todo este egoísmo, -- de toda esta conversa em «eu» -- como se estivesse a convalescer de uma mimada criancice. Esse horizonte poderá ser a «convergência ambientalista», de que tu serás o centro e o garante.
Valerá a pena ainda batalhar por mais alguma coisa? Não vou responder, taco a taco, às questões por ti levantadas, mas tentar seguir o esquema que espontaneamente se me impôs: dar às minhas respostas o ar de um diário que vai acontecendo, conforme os assuntos que me ocorrem, com seu quê também de memórias mais antigas sobre o que pensámos em comum ou deixámos, por força das circunstâncias, cair no vazio e no esquecimento.
Como o computador permite estas manobras de inserção (a que o Fernando Pessoa chamaria «intersecção»), vou chamar para aqui alguns textos que, já depois da minha última carta, fui teclando.
*
9/1/1992
BIOTIPOLOGIA: PEDRA ANGULAR DA ECOLOGIA HUMANA
J.C.M., Encontrar alguém com quem dialogar, nesta fase de convalescença, em que tento sair do buraco sem fundo da melancolia, é já meia terapia. Dou-te notícia de alguns projectos pessoais de trabalho -- a que pomposamente chamo de investigação, de eco-investigação -- que gostaria de fazer convergentes da «plataforma ambientalista eleitoral», embora me pareça que a «ecologia humana» continua arredada da política ambiental e por mais que os marxistas agora façam acto de contrição -- «mea culpa, mea grande culpa» -- dizendo que um dos erros do sistema foi ter menosprezado a «psicologia».
Face aos imperativos de uma concepção tecnocrática da economia e da ecologia, penso que a «ecologia humana», pedra angular das ciências humanas, continua omissa, proibida, tabu e sem inserção numa estratégia ecológica global.
Pedra angular da Ecologia Humana é uma outra matéria, também omissa de programas e currículos, aquilo a que alguns manuais modernos chamaram «psicologia diferencial» e a que outros, antigos, a meu ver mais correctamente, chamaram «biotipologia».
Não vejo educação ou medicina -- só para dar dois exemplos -- sem apoio em uma Biotipologia esclarecida. Pedra angular da Biotipologia, é a Endocrinologia: e se me tenho enfronhado a ler livros sobre hormonas e glândulas endócrinas!
Mas o obstáculo metodológico, é o mesmo que encontrei em outras áreas: a ciência analítica leva a análise até ao infinito, nunca revertendo para uma aplicação global e prática (terapêutica) dessa análise; os movimentos, como a Fraternidade Rosa Cruz, facção Max Heindel, ramo brasileiro, que se interessam mais globalmente pelos sete «chakras» que são os centros endócrinos, só dizem asneiras, sob o ponto de vista do discurso. Correntes como a Naturoterapia e a Macrobiótica, ignoram completamente a importância do eixo endócrino no equilíbrio do universo humano. E mais uma vez vejo-me nesta encruzilhada de coisa nenhuma, agarrado com unhas e dentes a uma ideia em que ninguém acredita; desta vez, nem do Estrangeiro me vem ajuda. Regra geral, 15 ou 20 anos depois, acabava por encontrar, vinda dos centros cultos internacionais, companhia para as minhas ideias, embora levasse décadas a fazer, sozinho, a travessia do deserto.
Sei que está aí -- na Biotipologia, ou Perfil Holístico como prefiro chamar-lhe -- um ponto de «viragem» para uma mentalidade diferente e mais humana das coisas humanas; mas encontro apenas cientifismo arrogante e sofístico de um lado, do outro a charlatanaria e o discurso tolinho e esparvoeirado dos pseudo-místicos de pseudo-iniciações.
Quem quer investigar comigo uma linha prática de Biotipologia, que -- valendo-se do muito já investigado pela ciência profana -- leve a uma síntese desde já possível e a uma visão integrada (holística) desta pobre humanidade feita em pedaços? Se eu assentar num esquema básico de 7 «biotipos», toda a terapêutica -- em sentido lato -- passa a ser a terapêutica de cada um desses 7 tipos, nem mais nem menos.
Entre o diagnóstico impessoal e desumano da medicina moderna -- que se preocupa mais com o órgão e a doença do que com a pessoa que tem diante -- e a preconizada «individualização» que pulveriza até ao infinito o número de casos que comparecem diante do terapeuta, a Biotipologia representa uma revolução ... ecológica no campo da terapia. Quem me ajuda a escrever o livro que tenho em projecto, de homenagem aos meus 58 anos e a toda a gente que fizer mais do que 49 anos, 7 X 7 ? ...
«As Nossas Sete Idades e a alimentação yin-yang», eis o nome que gostaria de dar a esta tentativa de fazer a súmula útil de tudo o que, de útil à humanidade sofredora, a ecologia alimentar -- ciência aliada à Sabedoria -- pode dar. Macrobiótica é o horrível nome que resolveram dar a uma linha de ecologia alimentar que data de alguns milhares de anos como linha enviada dos deuses para sabedoria dos humanos. No envelope azul, vinha também esse tesouro de sabedoria chamado Acupunctura, que igualmente transformámos -- à excepção de alguns centros iniciáticos -- em pechisbeque de agulhas.
LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA UMA POLÍTICA ECOLÓGICA EM CABO VERDE -- «A RIQUEZA DE SER POBRE»
Projecto no qual espero possas vir a colaborar com os preciosos dados informativos que possuis, é o de um relatório-projecto para Cabo Verde que estou elaborando, com vista a sublinhar algumas tecnologias apropriadas que teriam ali, naquele arquipélago «maldito», a sua terra de eleição. Projecto-piloto, como vês, embora não goste muito da expressão. Quando me vi empurrado de todos os lados, ouvindo, no meu autismo esquizofrénico, atrás de mim gritos roucos «sai daqui, sai daqui», «nada tens a fazer aqui», «rua, rua», «destruam-no, destruam-no», resolvi muito simploriamente fazer a vontade a toda esta gente e fui inscrever-me como cooperante para Cabo Verde, embora sabendo das poucas probabilidades que me restam disso: eles querem é médicos (dos bons, dos autênticos, dos que receitam medicamentos em barda) e professores do secundário, também dos bons: não estão muito necessitados de professores do ensino primário, que é o título que tenho, nem de jornalistas falhados. Mas não desisto, até ver, de continuar juntando informação eco-alternativa, que possa dar umas luzes de verdade aos novos políticos de Cabo Verde, já suficientemente hipnotizados, como é óbvio, pela Unideologia do chamado «desenvolvimento». Já reparaste, José Carlos, que a Unideologia chega sempre primeiro do que as «tecnologias apropriadas»?
PEQUENOS TRUQUES DA HIPNOSE MEDIÁTICA [ + ESPANTOS + TABUS – 7/1/1992]
Sempre que há temporal nos Açores, a RTP -- a trabalhar em estreita concordância com o Mota Amaral da Opus Dei -- tem ordens automáticas de exagerar, para que se tenha, no Continente, a consciência pânica da situação, dos prejuízos. No fim de apresentar imagens vulgaríssimas do temporal que «assolou os Açores», o locutor nunca se esquece de perguntar: e quem irá pagar os prejuízos? Moral da história: sempre que há notícias na RTP de «catástrofes naturais», é de perguntar se a realidade corresponde à dimensão que dela dá a reportagem. Quando a notícia, a pretexto de neutral, manipula a 100%, há que perguntar em que mundo de fantasmas -- dado pelo mundo mediático -- habitamos. E o que pode fazer a consciência ecológica -- ou apenas uma sergiana consciência crítica -- como antídoto contra este SAMA ( Sindroma da Automanipulação Adquirida).
ERRATA - Leitura desatenta de jornais, levou-me, na minha última carta para ti, a uma afirmação que (por enquanto!...) não é correcta: onde se lia «não há dinheiro para apoiar cidadãos em situação de risco -- evitando suicídios -- mas enterram-se 30 milhões para alojar funcionários da CEE que agora já ditam leis aqui mandando que o Centro Cultural de Belém não abra ao público», deve ler-se apenas: «não há dinheiro para apoiar cidadãos em situação de risco -- evitando suicídios -- mas enterram-se 30 milhões para alojar funcionários da CEE.» Quanto à demagogia da afirmação, tu próprio farás os descontos: acho que os ingénuos ecologistas também têm o direito de ser de vez em quando demagogos, se a causa é boa, justa...
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11/1/1992
BOA IDEIA! - NOTÍCIAS PARA UMA ANTOLOGIA
Dando volta ao que resta dos arquivos de recortes da «Frente Ecológica», encontro uma notícia sobre o «Oekobank» (10/5/1989), iniciativa dos então «verdes» da então RFA, que me lembro ter sido também por ti referenciada em carta que me escreveste. Vem a propósito, caso a gente possa vir a retomar as «boas ideias», saber em que ponto se encontra a situação desse tal «Oekobank». Nem digo que terá desaparecido na voragem, para que -- neste momento de «Viragem» -- a minha filha Ana Cristina, mais uma vez, não me censure por eu pensar sempre o pior e só ter ideias negras. Não gosto desta má fama de ter só más ideias. Por isso fui à procura de uma pequena recolha das boas, tipo antologia, que nem seria «má ideia» recriar, em tempo -- diz-se -- de vazio ideológico. E eu que me gabava de um único ofício, de um único artesanato: produzir ideias ao ritmo normal de quem respira.
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9/1/1992
Disseram-me que havia em Paris, ligado ao softaware, um grupo, ou centro de investigação, herdeiro do trabalho literário do escritor Georges Perec, de que há dois livros publicados em português, na Presença, que, sob certos aspectos, me impressionaram. Ainda estou a tentar digerir esta aventura da linguagem , este jogo com o idioma que é o romance «A Vida Modo de Usar». Se existe esse centro ou grupo herdeiro do trabalho de Georges Perec, já falecido, ele deverá ser importante para quem goste de fazer «jogos com o idioma» e tenha verificado que o processador de texto é um convite a esses jogos que o Fernando Pessoa, mas principalmente Almada Negreiros -- esses interseccionistas -- faziam sem sonhar ainda com computadores. É um dos meus projectos pessoais de actividade, se algum dia ainda conseguir ter de novo projectos, se algum dia conseguir sair deste buraco negro, deste cerrado nevoeiro em que a Andropausa (que tem as costas largas) e este País (com as costas ainda mais largas) me jogaram, não sei se irreversivelmente e não sei se porque karmicamente o mereço.
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16/1/1992
Tentei aliciar um editor meu amigo -- o Mário Moura, da Pergaminho -- para uma «Geografia Sagrada de Portugal», itinerários a percorrer com reportagens aos sítios. Entusiasmou-se, mas depois queria que eu realizasse o projecto sentado à secretária, sem reportagem «in loco». Fiquei triste e à espera, ou que alguém faça o projecto; ou que um editor me mande percorrer Portugal à procura dos fios do «sagrado» que ainda haja nesta geografia.
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16/1/1992
Se há lobbies para tudo, tenho-me feito a pergunta porque raio os ecologistas não se organizam também em «lobby»? Será tão ingénua e irrealista a pergunta? Porque não um «lobby» da qualidade, um lobby «industrial» ecoalternativo?
Outro projecto que me tem, por vezes, parecido necessário, mas talvez inviável, é o de uma «Revista Holística de Saúde» ou «Revista de Medicina Holística». Tal como na década de 70 foi urgente e necessário batalhar pela palavra Ecologia -- completamente em vão, restando hoje todos os equívocos e aproveitamentos oportunistas e partidários da palavra --, porque não fazer da década de 90 a década da palavra «Holística», tentando afastar equívocos e oportunismos? Ou já não vale a pena lutar por esclarecer nada, porque o tempo é de total balbúrdia e confusão?
AC
*
De acordo com as notícias, indicações, desafios que receber de ti nas tuas cartas, irei teclando e/ ou imprimindo aqueles textos que eventualmente possam ter mais interesse para aproveitar na «convergência»: de um modo geral, trata-se de exumar coisas quase arqueológicas e que, para o bem a para o mal, ainda se conservam intactas como foram escritas «in illo tempore»... Prometo vir a mandar-te textos em que a impressora se digne colocar o «til», o que é apenas uma questão de rapidez de expediente: como sabes a impressão sem til é muito mais rápida e eu, neste momento, tenho os momentos da minha baixa todos contados, para não os perder com o menos importante...
17/1/1992
J.C.M.: Foi uma grande alegria e uma grande ajuda a tua carta de 11/1/1992, com tantos pontos interessantes e motivadores para «voltar à vida». Haver um horizonte em relação ao qual possa caminhar, é para mim particularmente terapêutico. E eu peço desculpa de todo este egoísmo, -- de toda esta conversa em «eu» -- como se estivesse a convalescer de uma mimada criancice. Esse horizonte poderá ser a «convergência ambientalista», de que tu serás o centro e o garante.
Valerá a pena ainda batalhar por mais alguma coisa? Não vou responder, taco a taco, às questões por ti levantadas, mas tentar seguir o esquema que espontaneamente se me impôs: dar às minhas respostas o ar de um diário que vai acontecendo, conforme os assuntos que me ocorrem, com seu quê também de memórias mais antigas sobre o que pensámos em comum ou deixámos, por força das circunstâncias, cair no vazio e no esquecimento.
Como o computador permite estas manobras de inserção (a que o Fernando Pessoa chamaria «intersecção»), vou chamar para aqui alguns textos que, já depois da minha última carta, fui teclando.
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9/1/1992
BIOTIPOLOGIA: PEDRA ANGULAR DA ECOLOGIA HUMANA
J.C.M., Encontrar alguém com quem dialogar, nesta fase de convalescença, em que tento sair do buraco sem fundo da melancolia, é já meia terapia. Dou-te notícia de alguns projectos pessoais de trabalho -- a que pomposamente chamo de investigação, de eco-investigação -- que gostaria de fazer convergentes da «plataforma ambientalista eleitoral», embora me pareça que a «ecologia humana» continua arredada da política ambiental e por mais que os marxistas agora façam acto de contrição -- «mea culpa, mea grande culpa» -- dizendo que um dos erros do sistema foi ter menosprezado a «psicologia».
Face aos imperativos de uma concepção tecnocrática da economia e da ecologia, penso que a «ecologia humana», pedra angular das ciências humanas, continua omissa, proibida, tabu e sem inserção numa estratégia ecológica global.
Pedra angular da Ecologia Humana é uma outra matéria, também omissa de programas e currículos, aquilo a que alguns manuais modernos chamaram «psicologia diferencial» e a que outros, antigos, a meu ver mais correctamente, chamaram «biotipologia».
Não vejo educação ou medicina -- só para dar dois exemplos -- sem apoio em uma Biotipologia esclarecida. Pedra angular da Biotipologia, é a Endocrinologia: e se me tenho enfronhado a ler livros sobre hormonas e glândulas endócrinas!
Mas o obstáculo metodológico, é o mesmo que encontrei em outras áreas: a ciência analítica leva a análise até ao infinito, nunca revertendo para uma aplicação global e prática (terapêutica) dessa análise; os movimentos, como a Fraternidade Rosa Cruz, facção Max Heindel, ramo brasileiro, que se interessam mais globalmente pelos sete «chakras» que são os centros endócrinos, só dizem asneiras, sob o ponto de vista do discurso. Correntes como a Naturoterapia e a Macrobiótica, ignoram completamente a importância do eixo endócrino no equilíbrio do universo humano. E mais uma vez vejo-me nesta encruzilhada de coisa nenhuma, agarrado com unhas e dentes a uma ideia em que ninguém acredita; desta vez, nem do Estrangeiro me vem ajuda. Regra geral, 15 ou 20 anos depois, acabava por encontrar, vinda dos centros cultos internacionais, companhia para as minhas ideias, embora levasse décadas a fazer, sozinho, a travessia do deserto.
Sei que está aí -- na Biotipologia, ou Perfil Holístico como prefiro chamar-lhe -- um ponto de «viragem» para uma mentalidade diferente e mais humana das coisas humanas; mas encontro apenas cientifismo arrogante e sofístico de um lado, do outro a charlatanaria e o discurso tolinho e esparvoeirado dos pseudo-místicos de pseudo-iniciações.
Quem quer investigar comigo uma linha prática de Biotipologia, que -- valendo-se do muito já investigado pela ciência profana -- leve a uma síntese desde já possível e a uma visão integrada (holística) desta pobre humanidade feita em pedaços? Se eu assentar num esquema básico de 7 «biotipos», toda a terapêutica -- em sentido lato -- passa a ser a terapêutica de cada um desses 7 tipos, nem mais nem menos.
Entre o diagnóstico impessoal e desumano da medicina moderna -- que se preocupa mais com o órgão e a doença do que com a pessoa que tem diante -- e a preconizada «individualização» que pulveriza até ao infinito o número de casos que comparecem diante do terapeuta, a Biotipologia representa uma revolução ... ecológica no campo da terapia. Quem me ajuda a escrever o livro que tenho em projecto, de homenagem aos meus 58 anos e a toda a gente que fizer mais do que 49 anos, 7 X 7 ? ...
«As Nossas Sete Idades e a alimentação yin-yang», eis o nome que gostaria de dar a esta tentativa de fazer a súmula útil de tudo o que, de útil à humanidade sofredora, a ecologia alimentar -- ciência aliada à Sabedoria -- pode dar. Macrobiótica é o horrível nome que resolveram dar a uma linha de ecologia alimentar que data de alguns milhares de anos como linha enviada dos deuses para sabedoria dos humanos. No envelope azul, vinha também esse tesouro de sabedoria chamado Acupunctura, que igualmente transformámos -- à excepção de alguns centros iniciáticos -- em pechisbeque de agulhas.
LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA UMA POLÍTICA ECOLÓGICA EM CABO VERDE -- «A RIQUEZA DE SER POBRE»
Projecto no qual espero possas vir a colaborar com os preciosos dados informativos que possuis, é o de um relatório-projecto para Cabo Verde que estou elaborando, com vista a sublinhar algumas tecnologias apropriadas que teriam ali, naquele arquipélago «maldito», a sua terra de eleição. Projecto-piloto, como vês, embora não goste muito da expressão. Quando me vi empurrado de todos os lados, ouvindo, no meu autismo esquizofrénico, atrás de mim gritos roucos «sai daqui, sai daqui», «nada tens a fazer aqui», «rua, rua», «destruam-no, destruam-no», resolvi muito simploriamente fazer a vontade a toda esta gente e fui inscrever-me como cooperante para Cabo Verde, embora sabendo das poucas probabilidades que me restam disso: eles querem é médicos (dos bons, dos autênticos, dos que receitam medicamentos em barda) e professores do secundário, também dos bons: não estão muito necessitados de professores do ensino primário, que é o título que tenho, nem de jornalistas falhados. Mas não desisto, até ver, de continuar juntando informação eco-alternativa, que possa dar umas luzes de verdade aos novos políticos de Cabo Verde, já suficientemente hipnotizados, como é óbvio, pela Unideologia do chamado «desenvolvimento». Já reparaste, José Carlos, que a Unideologia chega sempre primeiro do que as «tecnologias apropriadas»?
PEQUENOS TRUQUES DA HIPNOSE MEDIÁTICA [ + ESPANTOS + TABUS – 7/1/1992]
Sempre que há temporal nos Açores, a RTP -- a trabalhar em estreita concordância com o Mota Amaral da Opus Dei -- tem ordens automáticas de exagerar, para que se tenha, no Continente, a consciência pânica da situação, dos prejuízos. No fim de apresentar imagens vulgaríssimas do temporal que «assolou os Açores», o locutor nunca se esquece de perguntar: e quem irá pagar os prejuízos? Moral da história: sempre que há notícias na RTP de «catástrofes naturais», é de perguntar se a realidade corresponde à dimensão que dela dá a reportagem. Quando a notícia, a pretexto de neutral, manipula a 100%, há que perguntar em que mundo de fantasmas -- dado pelo mundo mediático -- habitamos. E o que pode fazer a consciência ecológica -- ou apenas uma sergiana consciência crítica -- como antídoto contra este SAMA ( Sindroma da Automanipulação Adquirida).
ERRATA - Leitura desatenta de jornais, levou-me, na minha última carta para ti, a uma afirmação que (por enquanto!...) não é correcta: onde se lia «não há dinheiro para apoiar cidadãos em situação de risco -- evitando suicídios -- mas enterram-se 30 milhões para alojar funcionários da CEE que agora já ditam leis aqui mandando que o Centro Cultural de Belém não abra ao público», deve ler-se apenas: «não há dinheiro para apoiar cidadãos em situação de risco -- evitando suicídios -- mas enterram-se 30 milhões para alojar funcionários da CEE.» Quanto à demagogia da afirmação, tu próprio farás os descontos: acho que os ingénuos ecologistas também têm o direito de ser de vez em quando demagogos, se a causa é boa, justa...
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11/1/1992
BOA IDEIA! - NOTÍCIAS PARA UMA ANTOLOGIA
Dando volta ao que resta dos arquivos de recortes da «Frente Ecológica», encontro uma notícia sobre o «Oekobank» (10/5/1989), iniciativa dos então «verdes» da então RFA, que me lembro ter sido também por ti referenciada em carta que me escreveste. Vem a propósito, caso a gente possa vir a retomar as «boas ideias», saber em que ponto se encontra a situação desse tal «Oekobank». Nem digo que terá desaparecido na voragem, para que -- neste momento de «Viragem» -- a minha filha Ana Cristina, mais uma vez, não me censure por eu pensar sempre o pior e só ter ideias negras. Não gosto desta má fama de ter só más ideias. Por isso fui à procura de uma pequena recolha das boas, tipo antologia, que nem seria «má ideia» recriar, em tempo -- diz-se -- de vazio ideológico. E eu que me gabava de um único ofício, de um único artesanato: produzir ideias ao ritmo normal de quem respira.
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9/1/1992
Disseram-me que havia em Paris, ligado ao softaware, um grupo, ou centro de investigação, herdeiro do trabalho literário do escritor Georges Perec, de que há dois livros publicados em português, na Presença, que, sob certos aspectos, me impressionaram. Ainda estou a tentar digerir esta aventura da linguagem , este jogo com o idioma que é o romance «A Vida Modo de Usar». Se existe esse centro ou grupo herdeiro do trabalho de Georges Perec, já falecido, ele deverá ser importante para quem goste de fazer «jogos com o idioma» e tenha verificado que o processador de texto é um convite a esses jogos que o Fernando Pessoa, mas principalmente Almada Negreiros -- esses interseccionistas -- faziam sem sonhar ainda com computadores. É um dos meus projectos pessoais de actividade, se algum dia ainda conseguir ter de novo projectos, se algum dia conseguir sair deste buraco negro, deste cerrado nevoeiro em que a Andropausa (que tem as costas largas) e este País (com as costas ainda mais largas) me jogaram, não sei se irreversivelmente e não sei se porque karmicamente o mereço.
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16/1/1992
Tentei aliciar um editor meu amigo -- o Mário Moura, da Pergaminho -- para uma «Geografia Sagrada de Portugal», itinerários a percorrer com reportagens aos sítios. Entusiasmou-se, mas depois queria que eu realizasse o projecto sentado à secretária, sem reportagem «in loco». Fiquei triste e à espera, ou que alguém faça o projecto; ou que um editor me mande percorrer Portugal à procura dos fios do «sagrado» que ainda haja nesta geografia.
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16/1/1992
Se há lobbies para tudo, tenho-me feito a pergunta porque raio os ecologistas não se organizam também em «lobby»? Será tão ingénua e irrealista a pergunta? Porque não um «lobby» da qualidade, um lobby «industrial» ecoalternativo?
Outro projecto que me tem, por vezes, parecido necessário, mas talvez inviável, é o de uma «Revista Holística de Saúde» ou «Revista de Medicina Holística». Tal como na década de 70 foi urgente e necessário batalhar pela palavra Ecologia -- completamente em vão, restando hoje todos os equívocos e aproveitamentos oportunistas e partidários da palavra --, porque não fazer da década de 90 a década da palavra «Holística», tentando afastar equívocos e oportunismos? Ou já não vale a pena lutar por esclarecer nada, porque o tempo é de total balbúrdia e confusão?
AC
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De acordo com as notícias, indicações, desafios que receber de ti nas tuas cartas, irei teclando e/ ou imprimindo aqueles textos que eventualmente possam ter mais interesse para aproveitar na «convergência»: de um modo geral, trata-se de exumar coisas quase arqueológicas e que, para o bem a para o mal, ainda se conservam intactas como foram escritas «in illo tempore»... Prometo vir a mandar-te textos em que a impressora se digne colocar o «til», o que é apenas uma questão de rapidez de expediente: como sabes a impressão sem til é muito mais rápida e eu, neste momento, tenho os momentos da minha baixa todos contados, para não os perder com o menos importante...
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