GERIATRIA 2002
02-07-27-mr>
Sábado, 27 de Julho de 2002
Maria Rosa:
Não levo nada a mal que me tenhas enviado as fotos da Cristina, antes pelo contrário: também estou a tentar resolver o destino que darei àquilo que, no meio da papelada inútil, tu classificas, e muito bem, de sagrado. É essa triagem que estou, muito lentamente, a fazer há anos... Aquilo a que chamo os meus «balanços» pessoais.
O que me entristece, sim, é o teu estado de espírito e essa depressão continuada, que eu compreendo muito bem porque também tento defender-me dela. Fui descobrir, na medicina chinesa, que, maltratando o Baço, com abuso de coisas no forno, farinhas e etc, piorava do Baço e, portanto, da depressão. Mas de vez em quando , ela volta a galope e o vazio de tudo também. Não preciso de te explicar o que é isto, porque infelizmente também o conheces bem. Estou reagindo, neste momento, com a ajuda do computador , com o qual se vai matando o tempo, matando em sentido literal.
Calha dizer, a propósito de depressões, que tenho vindo a ficar cada vez mais materialista e menos psicologista. Materialista, no sentido chinês, significa que todo o psiquismo, especialmente o das emoções, tem uma base física (fisiológica) e que nos andamos a carpir uma vida inteira (ou a correr para psicanalistas e psiquiatras) quando o que devíamos fazer era saber qual o órgão que, maltratado por nós, está a manifestar-se (a queixar-se) por aquilo a que chamamos emoções. Na menor das hipóteses, o que alguma vez poderemos ter, neste Ocidente que fabrica doenças, é uma psicosomática, deitando então fora todas as psicologias, psiquiatrias, psicanálises e psicomoralismos em que a chamada «civilização» é estupidamente fértil.
Pedindo desculpa destas minhas filosofias baratas, digo-te então que estou agora a matar o tempo com o computador e com o que o computador pode fazer para matar o tempo. Tendo a sorte de haver quem me ensine (e venha a casa dar lições) estou a aprender como se trabalha num programa «Front Page» que se destina, imagina tu, a fazer «sites» para a Internet. Há dois anos, proclamava eu, com grande arrogância (alguma vez deixaremos de ser arrogantes?) , que nunca me meteria nesse charco da Net. Por coincidência, a Cristina trabalha numa empresa de jovens e também é o que faz. Pode ser que, por isso, um dia venha a interessar-se pelos escritos do pai, o que até agora não aconteceu.
Mas no tal site que se chamará « O Gato das Letras» , irei incluir não só os meus escritos (os menos perigosos, pois a Net é uma exposição sem público-alvo definido) e numa secção especial «Lugar aos Amigos» tenciono incluir, evidentemente, os meus amigos.
Por muitos e prolongados silêncios que eu use, não poderás duvidar da minha amizade. Aliás, sem ela, ainda o balanço de vida seria mais pobre e com saldo ainda mais negativo. Só que cada um tem a sua maneira de mostrar e demonstrar a amizade pelo outro.
Sei que tens muitos livros publicados. Mas se quiseres enviar-me alguns títulos teus (de que ainda tenhas exemplares e que eu possa ainda não ter) seria o momento, pois, como te digo, ando a triar tudo o que se refere aos amigos para o tal «Gato das Letras». Permitirás que eu depois te envie a importância com a despesa do correio: na era dos «euros» é preciso mesmo contar bem os cêntimos.
Sempre que queiras, telefona, nem que seja para relatar problemas sem solução. Ou para os quais eu não sei dizer mais do que o pouquíssimo que sei e que não aprendi nos livros mas com a experiência. Os meus silêncios têm a ver também com a minha incapacidade de falar ao telefone longamente, ficando sempre com a frustração de ter dito ainda menos do que queria (ou mais do que devia). Já sabemos as nossas discordâncias sobre saúde e doenças, mas acho que isso nada impede de a gente minimamente dialogar sobre o assunto. Ou de tentarmos.
No fundo, o que tenho sempre procurado é seguir, aí e no resto, aquela máxima de Alberto Camus: «Diminuir aritmeticamente a dor do Mundo.» Acontece que a medicina tal qual a temos (agora acrescida com a fascismo da Virulogia e da Genética) aumenta exponencialmente a dor do Mundo...Foi por isso que intitulei os meus diários de consumidor de medicinas ( são dez dossiês Fercor, dos maiores!...) com um título muito apropriado: «Mein Kampf». De facto, trata-se da «minha luta» de há uns cinquenta anos para cá!... O que para os meus amigos esquerdistas até é capaz de ser um sacrilégio!!! Somos todos muito democráticos e à esquerda: mas recusar o fascismo da actual biologia, da actual cirurgia, da actual medicina química, tá quieto oh mau.
Fiquei ontem mais tranquilo, quando vi uma carrinha toda pinocas com estes dizeres em letra garrafal: ASSISTÊNCIA GERIÁTRICA DOMICILIÁRIA. Parece um serviço oficial, com carrinha e tudo, mas deve ser uma empresa particular que viu o bom negócio de ajudar os velhinhos nos seus tugúrios. Há um mês, aqui na rua, ardeu completamente um primeiro andar, onde morava uma senhora idosa que nem deu pelo fogo e foi transportada com queimaduras para o hospital. Estas coisas assustam-me, nunca se sabe quando vamos ficar em situação idêntica.
Olha, Maria Rosa: levanta-me esse astral e conta-me como estás a fazer o teu «balanço» pessoal, o deve e haver dos anos vividos: eu poderei ir transmitindo as minhas notícias, até porque nunca como agora os meus projectos de vida são apenas um projecto: como morrer em paz e serenamente quando a hora que nos está programada chegar.
Afonso
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Sábado, 27 de Julho de 2002
Maria Rosa:
Não levo nada a mal que me tenhas enviado as fotos da Cristina, antes pelo contrário: também estou a tentar resolver o destino que darei àquilo que, no meio da papelada inútil, tu classificas, e muito bem, de sagrado. É essa triagem que estou, muito lentamente, a fazer há anos... Aquilo a que chamo os meus «balanços» pessoais.
O que me entristece, sim, é o teu estado de espírito e essa depressão continuada, que eu compreendo muito bem porque também tento defender-me dela. Fui descobrir, na medicina chinesa, que, maltratando o Baço, com abuso de coisas no forno, farinhas e etc, piorava do Baço e, portanto, da depressão. Mas de vez em quando , ela volta a galope e o vazio de tudo também. Não preciso de te explicar o que é isto, porque infelizmente também o conheces bem. Estou reagindo, neste momento, com a ajuda do computador , com o qual se vai matando o tempo, matando em sentido literal.
Calha dizer, a propósito de depressões, que tenho vindo a ficar cada vez mais materialista e menos psicologista. Materialista, no sentido chinês, significa que todo o psiquismo, especialmente o das emoções, tem uma base física (fisiológica) e que nos andamos a carpir uma vida inteira (ou a correr para psicanalistas e psiquiatras) quando o que devíamos fazer era saber qual o órgão que, maltratado por nós, está a manifestar-se (a queixar-se) por aquilo a que chamamos emoções. Na menor das hipóteses, o que alguma vez poderemos ter, neste Ocidente que fabrica doenças, é uma psicosomática, deitando então fora todas as psicologias, psiquiatrias, psicanálises e psicomoralismos em que a chamada «civilização» é estupidamente fértil.
Pedindo desculpa destas minhas filosofias baratas, digo-te então que estou agora a matar o tempo com o computador e com o que o computador pode fazer para matar o tempo. Tendo a sorte de haver quem me ensine (e venha a casa dar lições) estou a aprender como se trabalha num programa «Front Page» que se destina, imagina tu, a fazer «sites» para a Internet. Há dois anos, proclamava eu, com grande arrogância (alguma vez deixaremos de ser arrogantes?) , que nunca me meteria nesse charco da Net. Por coincidência, a Cristina trabalha numa empresa de jovens e também é o que faz. Pode ser que, por isso, um dia venha a interessar-se pelos escritos do pai, o que até agora não aconteceu.
Mas no tal site que se chamará « O Gato das Letras» , irei incluir não só os meus escritos (os menos perigosos, pois a Net é uma exposição sem público-alvo definido) e numa secção especial «Lugar aos Amigos» tenciono incluir, evidentemente, os meus amigos.
Por muitos e prolongados silêncios que eu use, não poderás duvidar da minha amizade. Aliás, sem ela, ainda o balanço de vida seria mais pobre e com saldo ainda mais negativo. Só que cada um tem a sua maneira de mostrar e demonstrar a amizade pelo outro.
Sei que tens muitos livros publicados. Mas se quiseres enviar-me alguns títulos teus (de que ainda tenhas exemplares e que eu possa ainda não ter) seria o momento, pois, como te digo, ando a triar tudo o que se refere aos amigos para o tal «Gato das Letras». Permitirás que eu depois te envie a importância com a despesa do correio: na era dos «euros» é preciso mesmo contar bem os cêntimos.
Sempre que queiras, telefona, nem que seja para relatar problemas sem solução. Ou para os quais eu não sei dizer mais do que o pouquíssimo que sei e que não aprendi nos livros mas com a experiência. Os meus silêncios têm a ver também com a minha incapacidade de falar ao telefone longamente, ficando sempre com a frustração de ter dito ainda menos do que queria (ou mais do que devia). Já sabemos as nossas discordâncias sobre saúde e doenças, mas acho que isso nada impede de a gente minimamente dialogar sobre o assunto. Ou de tentarmos.
No fundo, o que tenho sempre procurado é seguir, aí e no resto, aquela máxima de Alberto Camus: «Diminuir aritmeticamente a dor do Mundo.» Acontece que a medicina tal qual a temos (agora acrescida com a fascismo da Virulogia e da Genética) aumenta exponencialmente a dor do Mundo...Foi por isso que intitulei os meus diários de consumidor de medicinas ( são dez dossiês Fercor, dos maiores!...) com um título muito apropriado: «Mein Kampf». De facto, trata-se da «minha luta» de há uns cinquenta anos para cá!... O que para os meus amigos esquerdistas até é capaz de ser um sacrilégio!!! Somos todos muito democráticos e à esquerda: mas recusar o fascismo da actual biologia, da actual cirurgia, da actual medicina química, tá quieto oh mau.
Fiquei ontem mais tranquilo, quando vi uma carrinha toda pinocas com estes dizeres em letra garrafal: ASSISTÊNCIA GERIÁTRICA DOMICILIÁRIA. Parece um serviço oficial, com carrinha e tudo, mas deve ser uma empresa particular que viu o bom negócio de ajudar os velhinhos nos seus tugúrios. Há um mês, aqui na rua, ardeu completamente um primeiro andar, onde morava uma senhora idosa que nem deu pelo fogo e foi transportada com queimaduras para o hospital. Estas coisas assustam-me, nunca se sabe quando vamos ficar em situação idêntica.
Olha, Maria Rosa: levanta-me esse astral e conta-me como estás a fazer o teu «balanço» pessoal, o deve e haver dos anos vividos: eu poderei ir transmitindo as minhas notícias, até porque nunca como agora os meus projectos de vida são apenas um projecto: como morrer em paz e serenamente quando a hora que nos está programada chegar.
Afonso
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