NIILISMO 1973
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ECOLOGIA É QUESTÃO DE SENSIBILIDADE:OS NIILISTAS POR COMODISMO(*)
26-Julho-1973 - Creio que foram os dadaístas primeiro e certo tipo de surrealistas depois que puseram de moda, nos meios intelectuais e boémios, um novo pirronismo ou niilismo, que na esfera moral se traduziria por uma cínica indiferença - quiçá desespero - em relação à vida e à existência, aos valores da vida e da existência, quase sempre confundidos esses valores com "moral burguesa" (sic, hélas!).
Atitude mais snob do que verdadeiramente sentida, este cinismo nunca foi na prática o que se proclamou, mesmo quando alguns suicidas em gestos de humor negro colocavam dísticos humorísticos no seu próprio cadáver... No fundo, os super-homens que se diziam acima das tristezas, misérias e vanglórias humanas, estavam tão dependentes delas como os outros e temiam tanto como os vulgares mortais a doença, a morte, a dor.
O cinismo é sempre mais uma atitude intelectual do que um comportamento, uma prática.
Há também os desinteressados por angústia, mas esses diferem bastante do "niilista" profissional. "Não bato por maldade, bato por desespero" - dizia um personagem de Máximo Gorki.
Hoje, face à Ecologia e à moral exigentíssima que dela se deduz, surge inopinadamente uma nova onda de pretensos niilistas... por comodismo. E por ignorância, às vezes mesmo camelice pura.
Primeiro, confundem os objectivos últimos de uma ética ecológica com as vulgares medidas de prudência, prevenção ou profilaxia pessoal, com segurança egoísta ganha à custa da insegurança alheia; depois, vangloriam-se do que de facto não sentem: o desprezo que dizem ter pela morte, pela doença, pelo sofrimento, é apenas a mentira com que pretendem abafar a impotência perante um sistema homicida ao qual não vêm saída nem solução, e os hábitos mentais ou físicos que talvez saibam ruinosos mas dos quais, ainda por óbvio comodismo, não querem abdicar nem que os matem.
"Quero lá saber se o tabaco provoca o cancro. Hei-de fumar o que me apetecer e ninguém tem nada com isso. Que não me venham com sermões... ecológicos”.
1º - É ridículo confundir naturista com ecologista. O naturista foi talvez um precursor mas encara os factos com um certo romantismo e fala de Natureza onde tem que se falar de Biosfera;
2º - A Ecologia não predica nada e muito menos dá conselhos anti-tabágicos. Num contexto inteligente, aliás, o tabaco desempenha um papel de parcela a somar a muitas outras e no que respeita aos seus "perigos" nem são tantos como a propaganda insinua; há pelo menos centenas de outros poluentes tão criminosos e perigosos como esse mas de que raramente se fala;
3º - Se é verdade que a Ecologia parte de um respeito básico pela vida e por todas as formas e espécies vivas, não o faz por humanitarismo caritativo, mas por sensibilidade estética, por prazer cientifico, por amor à imaginação e aos valores que efectivamente se opõem à podridão dos consumos & companhia.
Ecologia é sempre mera questão de sensibilidade. O ódio ao ruído é apenas ódio à fealdade, à porcaria, a tudo o que é inestético, grosseiro, violento, estúpido. Não se preconiza a saúde das populações por amor cristão (sic) às populações, mas porque a doença é feia, grosseira, estúpida, violenta e inestética; e também por ódio ao homicídio sistemático que a Industriocracia exerce sobre as populações. É a sua ignorância, a sua alienação, a sua cumplicidade na porcaria que faz correr o ecomaníaco e o revolta. Ainda e sempre, por uma razão meramente estética.
Possivelmente ele acredita tanto nos homens como nos cães, mas é mais normal e menos aberrante gostar pessoas do que de cães...
4º - É contraditório atribuir-se ao ecologista a mania da predicação, quando o político, o economista, o moralista, o educador, o pai de família é que, normalmente, leva a vida a predicar; pois não se preocupam todos muito com o futuro dos filhos e com o futuro da Nação?
O tal cínico que diz não compartilhar os anelos humanistas da Ecologia - e que fumará até morrer, só por birra, mesmo que o tabaco provoque o cancro... - de certeza que faz projectos para si e para os seus rebentos, de certeza que lê o Expresso (Bolsa, Economia, Desporto, culinária), de certeza que acredita num mundo estável onde há-de comprar um terreno e uma casa (de campo, de praia), de certeza que aderiu a um partido político, de certeza que já se informou sobre o próximo plano quinquenal, de certeza que leva muito a sério o desenvolvimento económico, etc , etc.
No fundo, burguês e conformista, eis o cínico que diz estar-se nas tintas para o apocalipse ecológico.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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ECOLOGIA É QUESTÃO DE SENSIBILIDADE:OS NIILISTAS POR COMODISMO(*)
26-Julho-1973 - Creio que foram os dadaístas primeiro e certo tipo de surrealistas depois que puseram de moda, nos meios intelectuais e boémios, um novo pirronismo ou niilismo, que na esfera moral se traduziria por uma cínica indiferença - quiçá desespero - em relação à vida e à existência, aos valores da vida e da existência, quase sempre confundidos esses valores com "moral burguesa" (sic, hélas!).
Atitude mais snob do que verdadeiramente sentida, este cinismo nunca foi na prática o que se proclamou, mesmo quando alguns suicidas em gestos de humor negro colocavam dísticos humorísticos no seu próprio cadáver... No fundo, os super-homens que se diziam acima das tristezas, misérias e vanglórias humanas, estavam tão dependentes delas como os outros e temiam tanto como os vulgares mortais a doença, a morte, a dor.
O cinismo é sempre mais uma atitude intelectual do que um comportamento, uma prática.
Há também os desinteressados por angústia, mas esses diferem bastante do "niilista" profissional. "Não bato por maldade, bato por desespero" - dizia um personagem de Máximo Gorki.
Hoje, face à Ecologia e à moral exigentíssima que dela se deduz, surge inopinadamente uma nova onda de pretensos niilistas... por comodismo. E por ignorância, às vezes mesmo camelice pura.
Primeiro, confundem os objectivos últimos de uma ética ecológica com as vulgares medidas de prudência, prevenção ou profilaxia pessoal, com segurança egoísta ganha à custa da insegurança alheia; depois, vangloriam-se do que de facto não sentem: o desprezo que dizem ter pela morte, pela doença, pelo sofrimento, é apenas a mentira com que pretendem abafar a impotência perante um sistema homicida ao qual não vêm saída nem solução, e os hábitos mentais ou físicos que talvez saibam ruinosos mas dos quais, ainda por óbvio comodismo, não querem abdicar nem que os matem.
"Quero lá saber se o tabaco provoca o cancro. Hei-de fumar o que me apetecer e ninguém tem nada com isso. Que não me venham com sermões... ecológicos”.
1º - É ridículo confundir naturista com ecologista. O naturista foi talvez um precursor mas encara os factos com um certo romantismo e fala de Natureza onde tem que se falar de Biosfera;
2º - A Ecologia não predica nada e muito menos dá conselhos anti-tabágicos. Num contexto inteligente, aliás, o tabaco desempenha um papel de parcela a somar a muitas outras e no que respeita aos seus "perigos" nem são tantos como a propaganda insinua; há pelo menos centenas de outros poluentes tão criminosos e perigosos como esse mas de que raramente se fala;
3º - Se é verdade que a Ecologia parte de um respeito básico pela vida e por todas as formas e espécies vivas, não o faz por humanitarismo caritativo, mas por sensibilidade estética, por prazer cientifico, por amor à imaginação e aos valores que efectivamente se opõem à podridão dos consumos & companhia.
Ecologia é sempre mera questão de sensibilidade. O ódio ao ruído é apenas ódio à fealdade, à porcaria, a tudo o que é inestético, grosseiro, violento, estúpido. Não se preconiza a saúde das populações por amor cristão (sic) às populações, mas porque a doença é feia, grosseira, estúpida, violenta e inestética; e também por ódio ao homicídio sistemático que a Industriocracia exerce sobre as populações. É a sua ignorância, a sua alienação, a sua cumplicidade na porcaria que faz correr o ecomaníaco e o revolta. Ainda e sempre, por uma razão meramente estética.
Possivelmente ele acredita tanto nos homens como nos cães, mas é mais normal e menos aberrante gostar pessoas do que de cães...
4º - É contraditório atribuir-se ao ecologista a mania da predicação, quando o político, o economista, o moralista, o educador, o pai de família é que, normalmente, leva a vida a predicar; pois não se preocupam todos muito com o futuro dos filhos e com o futuro da Nação?
O tal cínico que diz não compartilhar os anelos humanistas da Ecologia - e que fumará até morrer, só por birra, mesmo que o tabaco provoque o cancro... - de certeza que faz projectos para si e para os seus rebentos, de certeza que lê o Expresso (Bolsa, Economia, Desporto, culinária), de certeza que acredita num mundo estável onde há-de comprar um terreno e uma casa (de campo, de praia), de certeza que aderiu a um partido político, de certeza que já se informou sobre o próximo plano quinquenal, de certeza que leva muito a sério o desenvolvimento económico, etc , etc.
No fundo, burguês e conformista, eis o cínico que diz estar-se nas tintas para o apocalipse ecológico.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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