ORDER BOOK

*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-06-11

TRABALHO 1979

trabalho-1> - dossiês proibidos – temas recorrentes – eco-direitos – ecologia humana

DIREITO À VIDA DO TRABALHADOR(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «Correio da Manhã», 11/6/1979

11/6/1979 - Simplesmente «aterrador» é o número revelado recentemente, num manifesto aprovado, durante o Seminário Sindical sobre segurança e higiene do trabalho, pela CGTP-Intersindical: vinte e três em cada 100 trabalhadores portugueses sofrem um acidente de trabalho ou contraem doenças profissionais.
Os nossos «recordes» são regra geral desta ordem: apesar de subdesenvolvidos e de exigirem que alcancemos as metas europeias, eis que, em doentes, mortos e feridos, figuramos quase sempre à cabeça das listas.
Desta feita, quase alcançamos o máximo europeu em índices de acidentes de trabalho: e pouco falta para os vinte e cinco por cento.
Mas talvez mais impressionante do que o próprio facto em si é que ele não tenha determinado, por parte das habituais estratégias sindicalistas, mais preocupações.
O direito à segurança, à saúde e à Vida está sempre esquecido dos longos e exaustivos cadernos reivindicativos: o quantitativo abafa o qualitativo. E ganhar mais, parece ser sempre mais importante do que trabalhar com mais segurança e menos risco de morte ou acidente.
Na perspectiva da higiene do trabalho, aquele número vem pôr em, foco, portanto, posições importantes que, sob pena de se negar, uma estratégia sindicalista sistematicamente tem omitido.
Mas esse número não é menos importante na perspectiva de uma transformação global da sociedade a partir da dinâmica que o sindicalismo representa. Quer dizer: num tempo em que indústrias cada vez mais perigosas, venenosas, tóxicas, poluentes e de objectivos antisociais cada vez mais claros (quando não directamente bélicos), se preparam para inundar o País, a pretexto de que estamos atrasados e temos que «progredir» (sic), assume um papel revolucionário decisivo um movimento sindical consciente, que saiba distinguir um ovo de um espeto: quer dizer, a indústria que serve a sociedade, os trabalhadores enquanto cidadãos e consumidores, o povo português em geral e os objectivos últimos da sociedade; ou, pelo contrário, indústrias que totalmente comprometem todos esses estratos humanos e físicos.
Indústrias que sirvam para fazer a guerra (como a nuclear), não são, com certeza, defensáveis pelo trabalhador, que não pode continuar neutro em relação aos produtos de que é agente importante de fabricação.
E se houver de recorrer a formas de luta, greve ou boicote, que assuma também estes aspectos qualitativos, os objectivos últimos que a luta deve visar. Um movimento sindical não pode tornar-se corporativista no sentido em que se desligue do movimento social e popular em geral.
O caso do cargueiro “Covadonga”, em que estivadores de vários portos de Espanha, França e Portugal se recusaram a descarregar uma caixa com o reactor que se destinava à central nuclear de Vandellós, é exemplar e ficará na história. Para que outros se lhe sucedam, na certeza de que a solidariedade operária deve funcionar fundamentalmente quando está em jogo a totalidade da solidariedade humana. Neste caso, a solidariedade com o povo basco, cuja resistência geral é indissociável da resistência contra o fascismo nuclear que a Tecnocracia Eléctrica lhe quer impor.
A demagogia dos «postos de trabalho» com que a classe exploradora pretende justificar toda e qualquer indústria lesiva, pesada, venenosa ou poluente, tem que ser denunciada por um sindicalismo consciente e evoluído. Não se trata só de defender a Natureza: trata-se fundamentalmente de combater a exploração e a manipulação do homem pelo homem. A qualidade é componente indissociável da revolução. Se quiserem, da revolução cultural.
A reveladora percentagem de trabalhadores atingidos em Portugal por morte e acidente mostra ainda que a luta contra o custo de vida é indesligável da luta pela qualidade de vida.
E que a defesa dos direitos do homem se confunde com a luta pelos direitos do Ambiente e da Natureza.
Um ambiente patogénico, insalubre, perigoso, inabitável (onde as percentagens de invalidez, doença e morte atingem níveis inquietantes ), em suma, alienante e repressivo, não pode ser passivamente suportado sem revolta nem protesto.
Pelo que o ecologismo não é luxo, flor ou desporto: mas a outra maneira, mais dialéctica, que alguns têm de dizer «revolução».
- - - -
(*) Publicado no jornal «Correio da Manhã», 11/6/1979
***