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2006-06-23

THREE MILE ISLAND 1979

1-4 - nuclear-4-ie> = ideia ecológica - os dossiês do silêncio – a sociedade do nuclear – os retrocessos do progresso – as datas do século

AINDA «THREE MILE ISLAND»:ENERGIA NUCLEAR MAIS SEGURA DO QUE NUNCA(*)

23/Junho/1979 - Pelo que deixou a claro e a descoberto, mas também pelos enigmas e dúvidas que veio lançar no já obscuro domínio da indústria nuclear, a acidente de Three Mile Island será cada vez mais uma data-chave nos tempos modernos.
Talvez as futuras gerações, as que conseguirem sobreviver ao holocausto nuclear, venham a falar de um tempo «antes» e de um tempo «depois» de Three Mile Island. Por causa deste acidente, muita coisa já mudou mas muito mais coisas ainda irão mudar.
Ainda não se sabia até onde as coisas poderiam piorar e o ambiente já andava saturado de elogios à segurança da indústria electro-nuclear.
«Este acidente permitiu verificar que os meios técnicos de segurança contra semelhantes problemas são suficientes. . . » podia ler-se logo no meio das notícias do dia 29, horas depois dos técnicos confessarem que tinham perdido totalmente o controle sobre o reactor e que tudo a partir de agora, podia acontecer a 16 Km de Harrisburg (cidade de 80.000 habitantes) e a 320 Km de Nova Iorque.
Tudo poderia acontecer quando, já em 29 de Março, «vestígios de vapor radioactivo eram detectados a 25 Km da central».
Em declarações à Televisão Portuguesa, no dia 6 de Abril de 1979, a engª Isabel Torres, da Direcção Geral de Energia e autora do livro editado pela Arcádia «Centrais Nucleares e Meio Ambiente», não só elogiava as condições de segurança em que funcionam as centrais nucleares, como manifestava o seu regozijo por ver as medidas de emergência que os norte-americanos conseguem pôr em prática, em caso de catástrofe iminente.
«Não morreu ninguém» – afirmava a engª Isabel Torres, glosando a mesmísima afirmação feita por James Schlesinger, secretário de Estado da Energia das Estados Unidos, no filme transmitido pelo Telejornal das 20 horas no domingo, dia 8 de Abril de 1979.
Dias antes, milhões de pessoas em todo o Mundo tinham lido as notícias de Three Mile Island:
«Os responsáveis da central lançaram voluntariamente vapor radioactivo para a atmosfera ontem de manhã, sem saberem que estava contaminado.
(France Press, 29.3.79).
«Oito trabalhadores directamente expostos as radiações, foram submetidos a exames...» (Expresso, 31.3.79).
«Mais de 1 milhão e meio de litros de água contaminada vertidos no Rio Susquehanna»
(ANOP, 30.3.79)
« Habitantes locais aconselhados a permanecer em casa com as janelas fechadas»
« Mulheres e crianças evacuadas de um raio de 8 Km do reactor.»
«Guarda nacional e unidades de defesa civil entram de alerta ...»
(F.P., Reuter 30.3.1979).
«400 funcionários dos serviços de saúde entram de prevenção no estado de Nova Iorque»
(F.P. Reuter 31.3.79).
«Serviços de Saúde, em Siracusa (Nova Iorque), a 320 Km de Harrisburg, anunciam níveis de radioactividade 3 ou 4 vezes acima do normal.»
(Reuter, 31.3.79).
«As autoridades advertem que a situação poderá conduzir ao pior possível antes de uma explosão nuclear ...»
(Reuter, 31.3.79).
«Radiações atravessam paredes de cimento com 3 metros de espessura »
(ANOP, 2.4.79)
«Bolha de gás pode transformar-se numa mistura explosiva, cujo ponto crítico poderá ser atingido dentro de 2 dias.»
(ANOP. 2.4.79)
Autoridades federais e estatais organizam plano de evacuação numa escala nunca antes tentada em tempo de paz nos E. U. A 160 Km, serão criados centros de emergência para acolher as pessoas que abandonarão o local por todos os meios, (carros particulares, autocarros de escolas, comboios).»
(Reuter, 2.4.79)
«Enormes depósitos de aço e cimento transportados para o local, toneladas de tijolos e escudos de chumbo, a fim de proteger os cientistas que trabalham perto do reactor.»
(Reuter, 2.4.79)
«Governo envia, como medida de precaução, um milhão de doses de iodeto de potássio, produto químico que permite reduzir o efeito das radiações na glândula tiróide».
(ANOP, 3.4.79)
«Os cientistas crêem que evitaram o acidente mais devastador desde que começou a era nuclear ».
(ANOP, 3.4.79)
A General Public Utilities, filial da Metropolitan Edison, informou não saber ainda que os estragos ultrapassariam a verba coberta pelo seguro de 300 milhões de dólares.»
(3.4.79)
Dr. Georg Wald, biólogo e Prémio Nobel em 1976: «Os efeitos do acidente podem registar-se a longo prazo, daqui a 30 ou 40 anos, podendo verificar-se um aumento de casos de cancro.»
(4.4.79)
« Percentagem de radioactividade regressa à normalidade »
(5.4.79)
«O governo tenciona vigiar estado de saúde da população, durante anos, ainda que não se preveja aumen to de cancros na região.»
(5.4.79) . .
«Mil peritos nucleares encontram-se desde quarta-feira, no local de Three Mile Island».
(4.4.79)
«Será enviada aos Estados Unidos equipa de peritos espanhóis para estudar causas e possíveis consequências do acidente.»
(4.4.79)
«Vão prosseguir, nos próximos dias, as operações de resfriamento.»
(5.4.79)
«O nível de radiações dentro do recinto atinge 30 mil roengtons por hora.» (Harold Denton, director da Comissão Federal de Controle Nuclear).
(5.4.79)
«A espessura de cimento do edifício onde se encontra o reactor não permite reter tal dose de radiações.» (Porta voz da Metropolitan Edison, proprietária da central)
« 50 mil pessoas tinham abandonado a região, desde 4ª feira, dia 29 de Março.»
(5.4.79)
«Nos termos do acordo de 1975, o Brasil irá comprar à RFA, até 1990, reactores nucleares, uma instalação de enriquecimento de urânio e uma unidade de retratamento.»
(5.4.79)

Enquanto os jornais publicavam estas e outras notícias da catástrofe que esteve para acontecer, do acidente que foi o maior da história nuclear, dos planos de emergência e do estado de alarme que esteve para ser decretado, das pessoas que chegaram a ser evacuadas e das que fugiram sem esperar qualquer ordem para isso, enquanto todo o mundo se voltava para Three Mile Island à espera do pior, os mesmos jornais faziam-se eco do que, à mesma hora, acontecia em Lisboa, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde o Prof. Axel Romagna, do Centro de Oceanografia da Bretanha, serenamente, beatificamente, estoicamente, debitava para técnicos portugueses:
«Não temos a menor ideia sobre qual o impacto ecológico de uma central termonuclear no litoral.» (31.3.79).
Para dizer isto foi pago o sr. Axel Romagna , que acrescentou:
«Nem sempre o impacto é negativo e no estuário do Sena, por exemplo, chegou-se à conclusão de que poderia ser positivo para a flora e fauna locais, devido à baixa percentagem do oxigénio na água...»

Enquanto sucediam as fugas de vapor radioactivo, em Three Mile Island, enquanto eram postos de alerta 400 funcionários dos serviços de saúde, enquanto a governo federal determinava exames, durante anos, a todas as pessoas da área, enquanto chegavam camiões de
iodeto de potássio para combater o efeito das radiações na tiróide, enquanto falhavam as três barreiras que na central se opunham à fuga de radiações, eis que a tudo isto chama a Engª Isabel Torres «capacidade que a indústria nuclear demonstra para quaisquer eventualidades.»
Comentando Harrisburg, a revista «Triunfo» de Barcelona, chamava-lhe, com efeito, «Apoteose do cinismo nuclear».
No caso da engenheira e suas sensacionais afirmações à RTP, eu diria que é mesmo a apoteose da apoteose da apoteose.
Num rápido esboço do que poderia acontecer na península ibérica, a revista «Triunfo» escrevia o seguinte, num artigo de Pedro Costa Morata:
«Das três centrais que funcionam em Espanha, é a de Zorita (a mais pequena das três) a que se encontra em situação mais perigosa: a uns 80 Km de Madrid.
«A de Caroña, no Norte de Burgos, tem apenas , a uns 30 quilómetros, a cidade de Miranda do Ebro.
«A de Vandellós, na costa de Tarragona, está na proximidade de numerosas localidades piscatórias principalmente, sendo a primeira que despeja directamente no mar.
« Das quatro centrais em construção (num total de 7 reactores) a de Almaraz está situada em zona de baixa densidade de população; a de Ascó numa comarca bastante povoada; a de Lemoniz , numa das zonas de maior concentração demográfica da Europa; e a de Cofrentes a uns 70 Km de Valência na cabeceira de uma horta rica e povoada.»
«Se um acidente «tipo Harrisburg» se produzisse na central de Zorita e a nuvem radioactiva tomasse a direcção de Madrid, provavelmente toda a população interposta, mais de 3 milhões, se veria submetida a doses de exposição excessivas. Mais do que a evacuação, que é impensável, seria a fuga desordenada, produzindo-se mais vítimas por confusão e pânico do que pela própria radiação.
«Se sucedesse em Lemoniz, no caso de que chegasse a funcionar e se desse o acidente, a mortandade medir-se-ia por dezenas de milhar em poucos dias, tendo em conta que a potência de um reactor é seis vezes superior à de Zorita e que a população bilbaína está concentrada a 15/20 Km.»
(In semanário «Triunfo», de Barcelona, 7.Abril.1979)
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(*) Publicado no semanário «Gazeta do Sul», 23/6/1979
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