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2006-01-20

MEP 1987

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TESTEMUNHO PESSOAL SOBRE O MOVIMENTO ECOLÓGICO E ALTERNATIVO EM PORTUGAL

Palestra de Afonso Cautela na Associação Portuguesa Vegetariana, dia 19 de Janeiro de 1987, às 21 horas

19/1/1987 - Não fora a grande admiração que tenho pelo nosso amigo Dr. António Cardoso e pela sua incansável actividade em prol das boas causas, não só nesta Associação Portuguesa Vegetariana como em tantas outras iniciativas de militância naturista, não fora, como digo, esta admiração por uma pessoa que tem dedicado a sua vida a fazer tanto pela vida dos outros e eu teria continuado a dizer não a este seu convite, a inventar desculpas para não vir aqui esta noite.
Dir-me-ão : «Mas então porque veio?»
Já vos expliquei: porque o dr. Cardoso insistiu e porque não lhe soube dizer não.
Mas perguntarão outra vez: «E porque não havia de vir? Não tem andado toda a vida a pregar pelas boas causas ? Não será sua obrigação continuar até cair redondo ou que o vento o leve?».
A resposta é esta: pela parte que me toca, acho que já cumpri, mal mas cumpri, neste país, a minha missão ou quota parte das militâncias.
Acho que o país não merece que a gente se sacrifique por ele, ou que levante sequer o cu da cadeira.
Acho que está tudo do avesso e que os mais perseguidos - movimentos e pessoas - são exactamente os que deviam ser mais ajudados.
Enfim, acho que os próprios consumidores também não têm feito nada em sua própria defesa e, ao fim e ao cabo, estes movimentos todos de naturistas, vegetarianos, amigos do ambiente, defensores da natureza, etc., são movimentos de consumidores que ainda não se assumiram como tal, não conseguiram ainda perceber a sua identidade autónoma, o seu papel, no país e no mundo, não conseguiram organizar-se para dar luta ao inimigo.
Nem sequer ao nível mais elementar da informação para o exterior, conseguiram organizar uma frente unida e uma voz activa.
E é aqui que eu queria chegar, à informação, não só porque escrever notícias é a minha profissão, mas porque me parece que pela informação passa o destino das mais belas ideias e dos mais interessantes projectos naturo-vegetarianos-ecologistas, em que acreditamos, em que dizemos acreditar.
Todos os meses, como sabemos, esta Associação organiza ciclos de actividades. E eu vejo o empenho, a paciência com que o Dr. Cardoso tenta divulgar estas iniciativas, como procura captar sempre novos auditores para estas conferências e viajantes para as suas excursões pela natureza.
Mas sejamos francos e vamos confessar aqui uns aos outros que ninguém nos ouve, que ninguém nos liga: o nosso movimento não anda nem desanda, não tem voz nem cabeça, patina, está afogado num pântano, somos sempre os mesmos, cada vez menos e cada vez mais cansados.
Eu temo recordar um já distante dia de Maio de 1974, em que se fez uma reunião na cooperativa Unimave das correntes que, por minha culpa, chamámos correntes não-violentas, ou seja, de todos os que, neste país, advogam alternativas ecológicas suaves e brandas, alternativas de vida e de amor contra o ódio e a violência estrutural da sociedade industrial.
O que foram os episódios subsequentes desta telenovela, nem quero lembrar, embora tencione não acabar os meus dias sem contar, ponto por ponto, memória por memória, est6a história por vezes macabra, por vezes rocambolesca, por vezes macaca, por vezes patética, de um autodenominado movimento ecológico português que acabaria, sem vergonha e sem remorso para os ladrões que o abarbataram, por ser anexado por um partido que, além de se intitular verde, achou por bem servir-se do título Movimento Ecológico Português (M.E.P.) que em 1975 se constituíra , de acordo com a lei, em associação de fins não lucrativos.
Se me perguntarem porque estou cansado, aí está : estou cansado por não me deixarem fazer o que sonhei fazer, por me virem tirar das mãos as ideias, os projectos, as palavras e até os títulos que ao longo de 15 anos fui atirando à terra.
Estou cansado de um país de merda em que deputados verdes põem, como o cuco, os ovos nos ninhos dos outros.
Se me perguntarem porque estou cansado e porque tive que me violentar para estar aqui esta noite, aí está : é por essas vigarices e por outras, por essas patifarias, por esses partidos amigos do povo e dos animais, por toda esta choldra de oportunistas e vígaros, que assolaram o meio naturo-vegetariano-alternativo-ecológico para sacar, instrumentalizar, sujar, travestir, deturpar, aldrabar, comerciar, traficar.
Em todos eles, menos em nós, militantes alternativos, é patente uma cobiça: o acesso ao monopólio dos meios de informação.
Pois bem: os alternativos, vegetarianos, naturistas, ambientalistas ainda não se organizaram para pôr a funcionar um órgão que seja porta-voz das suas actividades e anseios. Isto apesar das revistas naturistas que se publicam. É que, como podem reparar, essas revistas pouco ou nada falam de nós e das nossas actividades, pouco ou nenhum noticiário têm, enfim, não existem jornalisticamente falando em termos de batalha da informação.
E depois talvez se queixem de que não têm público. Talvez os que desenvolvem actividades se queixem de que os jornais não dão notícias deles.
E não dão, e lógico. Os jornais estão voltados para as fofocas do mundo estabelecido, estão-se nas tintas para as alvoradas e as esperanças do mundo alternativo, das tecnologias brandas, das medicinas suaves, da criação e da vida.
São os militantes deste mundo alternativo que têm de se organizar para ter a sua própria mini-agência de notícias, a sua miniredacção, a sua mini-informação quinzenal ou semanal à comunicação social para a comunicação social finalmente nos levar a sério.
Já perdi o conto das entidades a quem propus o projecto desta mini-agência de notícias para o mundo alternativo. Propus ao Instituto Nacional de Defesa do Consumidor. Propus ao Instituto Médico Naturista. Propus à Natiris. Propus eu sei lá a quantos mais.
Na melhor das hipóteses, nem me leram, nem me ouviram. E, claro, não responderam.
É o que eu chamo morar na travessa do fala-só e ter tirado diploma de falar pró-boneco.
Durante meses sustentei semanalmente no jornal onde trabalho, uma secção noticiosa das actividades alternativas, uma secção intitulada «Grupos em Movimento».
Pedi a vários desses grupos que tomassem em mão a redacção dessa secção, pois eu já me sentia cansado. Eram todos amigos da terra, amigos do verde (tinto)mas nenhum quis aceitar esse encargo anónimo e sem glória, chato e sem brilhe, de fazer, dia a dia, pequenas notícias dos pequenos acontecimentos do nosso movimento para enviar para a grande informação.
Quando, pois, a grande informação se borrifa em nós, o melhor é a gente queixar-se de nós e não da grande informação.
Não temos garra, não temos força, se ainda não conseguimos montar um dispositivo para produzir aquilo que é, na comunicação social, o mais simples de fazer: a notícia.
E se há causas cuja vitória passa integralmente pela notícia, pela informação intensiva, clara, desinibida, alegre, festiva, é a causa naturo-vegetariana-ecologista.
Se formos vencidos na informação, seremos definitivamente vencidos como força alternativa de vida contra as forças de morte, merda e mentira deste tempo e mundo.
Vejam a santa madre igreja como grita, possessa, dizendo que lhe vão tirar o resto do bolo monopolístico das frequências radiofónicas, o resto que lhe faltava para ter o poder absoluto, integral e eterno sobre os delicados espíritos dos radiouvintes.
São assim os movimentos espirituais: só precisam da rádio, da TV e dos jornais para terem o mundo na mão.
Que nós, militantes da verdade alternativa, acordemos a tempo de ver isto, são os meus votos. Mas os meus votos um tanto azedos, dado que já estou rouco de pregar no deserto, de falar pró boneco, de morar na travessa do fala-só, sem ninguém querer ouvir.
Por agora e como diz o anúncio da TV, transformado em ternura diária das nossas consciências, vamos dormir porque amanhã às cinco já tenho de estar a pé para às oito estar no jornal a escrever notícias do mundo de mortos e feridos.
Vamos todos dormir, como diz o Vitinho da televisão, borla que a nossa televisão dá todas as noites à maior multinacional do agrobusiness alimentar.
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