UTOPIAS 1974
utopia-1> - mein kampf 1974 – diário de um anarquista acidental - circular de um escritor pobrezinho a pedir emprego - chave AC
A UTOPIA PERSONALISTA CONTRA A UTOPIA TECNOCRÁTICA
1/3/1974 - Meu caro amigo e senhor: Farto de meias palavras e meias tintas, de censuras e auto-censuras, de inibições, complexos de culpa e timidez, farto de estar farto, venho submeter à atenção de V.Exª algumas considerações que reputo oportunas e susceptíveis de merecer indignada repulsa de V.Exª , que também deve estar farto daquilo que eu estou.
Antes de mais, o senhor deve estar farto de lhe entrarem em casa cartas como esta, copiografada, tipo circular, pedindo-lhe a esmola de uma assinatura, convidando-o a comprar um livro que se lhe manda pelo correio, violentando-o na sua intimidade e na sua contabilidade.
Deve o senhor, também, estar farto de aceder a pedidos tais, ou não aceder. E deve igualmente estar farto de livros que não lhe interessam, que são só para vaidade do autor, oportunismo do editor, ou.
Mas como, pela minha parte e agora na pele do autor, também estou farto de muita coisa, desculpará V.Exª mas vou fazer de V.Exª mais uma vítima de uma circular que vem pedir uma nota sua de 50$ para livro que mandei imprimir à minha custa, na tipografia Gazeta do Sul e de que desejo enviar-lhe um exemplar.
Título: Manifesto contra o Meio Ambiente - II
Subtítulo: A Utopia Personalista
Páginas: Duzentas e tal
O livrinho em questão será impresso com todas as licenças, não é pornográfico e tão pouco conhece palavrões além daqueles que o seu filho de 5 anos já conhece. O livrinho em questão terá 1000 exemplares de tiragem e não vai ser best seller de livraria; o livro que lhe prometo à cobrança lá para Junho (Dia Mundial do Ambiente) é bem intencionado, puro, angélico, platónico, pacifista quanto baste, radical mas convivente, constestatário mas implacável com a mentira, a demagogia, amigo do pobre, do viúvo e da criancinha diminuída.
Palavra de honra que amo as criancinhas e por isso escrevi este livrinho que ninguém quis editar - no desejo de que não destruam e corrompam mais o mundo onde elas (criancinhas) hão-de querer viver, ainda que diminuídas; o livrinho pelo qual troco 50$ dos seus, é manifesto a favor de tudo o que V.Exª encontrar, no Universo, amável e digno de ser amado; é um livro incurável, mas útil aos incuráveis; não é ficção, poesia, narrativa, já não há tempo a perder com frioleiras, e o livro quer dizer-lhe que não, que o grito Utopia ou Morte é já e já a decisão; um livro urgente e que (lhe prometo) continuará a ser escrito à medida que a humanidade está procedendo ao extermínio de si própria.
Isso lhe juro e garanto sobre o meu cadáver...
É que - saiba V.Exª também - estou farto de escrever para a gaveta; de pregar aos peixinhos, de dar pérolas a porcos, de pensar dentro da tumba.
Farto de truques: o amigo que telefona a dizer que os tecnocratas se vão rir; outro que me chama lunático por vir defender eu o que toda a gente ataca, mata, corrompe; outro que acusa o meu idealismo e o meu amor à Natureza; outro que admira a campanha ecológica mas acha mais utilitário o seu Fiat; outro que disfarça o despeito e a raiva; outro que não responde; outro que responde para elogiar a qualidade do papel do livro que lhe enviei; outro que diz não ter percebido.
Farto de críticos portugueses e da sua nulidade balofa lantejoulada de fantasias circenses; farto dos intelectuais irremediavelmente obedientes ao umbigo dos mito e das conveniências do grupo, do partido, do quintal; farto de me dizerem que não sirvo para darem o trabalho a outro que ainda serve menos graças a Deus; farto de humildade e de modéstia; farto de me dizerem que não sou doutor e que falo por despeito contra os doutores; farto de esperar como o Fernando Pessoa que seja a posteridade a desenterrar os manuscritos da arca.
Daí esta carta a prometer que não desistirei e que, silêncio e hostilidade, nada me afectará.
De facto, não me importa o silêncio e a hostilidade com que recebam este livro ou os que tenciono publicar a seguir na mesma linha de utopia personalista. Nesses ensaios de ecologia humana, ocupo-me de apresentar hipóteses de trabalho que abram horizontes ao desespero da humanidade actual. Pensar é ensaiar, errar, caminhar. Prefiro errar, a pisar caminhos já trilhados.
Se escolhi no I capítulo o petróleo para ensaiar uma dialéctica e ecologia da crise, não foi por oportunismo editorial, mas porque essa matéria (prima) se presta, como ponto de encruzilhada, a levantar questões de método que considero importantes para quem não ande neste tempo e mundo só por ver andar.
Com o relatório do M.I.T. , a polémica dos recursos planetários entrou na fase aguda da controvérsia. Mais uma vez, o sistema recuperou a seu favor as críticas que lhe são feitas como sistema depredatório, ecocida e homicida. Denotando maior ou menor capacidade contra-ofensiva, usou desta vez um estratagema claro já usado em outras ocasiões: se os computadores afirmam que os recursos em matérias-primas e bens de base (água, oxigénio respirável, solos, segurança, silêncio) se encontram à beira do esgotamento devido ao modelo de crescimento utilizado, eis que o «sistema do desperdício» só podia ter uma resposta: encarecer esse bens cada vez mais raros (caros) , em vez de mudar radicalmente o modelo de crescimento que à delapidação sistemática e ao apocalipse ecológico nos tem conduzido.
«Depois de nós, o dilúvio» tornou-se o lema dos que não se importam com quem vier depois, contanto que nada se altere dos costumes mentais vigentes.
É para os que vierem depois que escrevo e continuarei escrevendo, para os que, ao abrirem os olhos, irão encontrar um Mundo queimado e destruído onde será impossível sobreviver. O que hoje parecem teses utópicas tornar-se-ão, em breve, por força dessa inadiável sobrevivência, o pão nosso de cada dia. Saberei esperar o dia (próximo) em que os factos me darão razão, ainda que hoje esteja em esmagadora minoria.
Se cito Ivan Illich, é não só porque encontro no seu radicalismo um aliado do Terceiro Mundo mas porque me agrada o tipo de discurso caquético que os seus livros desafiantes provocam nos adeptos da actual «ideologia do desenvolvimento» (Konrad Lorenz). E tenho a pretensão de me considerar muito mais radical do que Illich, vejam lá...
Mas os meus grandes aliados não são escritores e pensadores, por muito de vanguarda que os considere: são as gerações que vão agora nos 15 e 20 anos, serão dialecticamente o desespero, o congestionamento, a maciça intoxicação, as endemias, o nilismo que eles irão encontrar, que já estão encontrando num mundo onde não é possível nem amável viver. Queiram ou não os que estão teimando nesse modelo e acreditam que o futuro será de centrais nucleares (sic), a ideologia do desenvolvimento terá em cada mês mais noventa mil Sicco Mansholt a contestá-la.
À Sofística do século XX, aparentemente triunfante, irão opor-se os que defendem com alma um modelo de utopia personalista (humanista), de que me preocupa ir desde já descobrindo algumas linhas gerais e alguns pormenores.
A UTOPIA PERSONALISTA CONTRA A UTOPIA TECNOCRÁTICA
1/3/1974 - Meu caro amigo e senhor: Farto de meias palavras e meias tintas, de censuras e auto-censuras, de inibições, complexos de culpa e timidez, farto de estar farto, venho submeter à atenção de V.Exª algumas considerações que reputo oportunas e susceptíveis de merecer indignada repulsa de V.Exª , que também deve estar farto daquilo que eu estou.
Antes de mais, o senhor deve estar farto de lhe entrarem em casa cartas como esta, copiografada, tipo circular, pedindo-lhe a esmola de uma assinatura, convidando-o a comprar um livro que se lhe manda pelo correio, violentando-o na sua intimidade e na sua contabilidade.
Deve o senhor, também, estar farto de aceder a pedidos tais, ou não aceder. E deve igualmente estar farto de livros que não lhe interessam, que são só para vaidade do autor, oportunismo do editor, ou.
Mas como, pela minha parte e agora na pele do autor, também estou farto de muita coisa, desculpará V.Exª mas vou fazer de V.Exª mais uma vítima de uma circular que vem pedir uma nota sua de 50$ para livro que mandei imprimir à minha custa, na tipografia Gazeta do Sul e de que desejo enviar-lhe um exemplar.
Título: Manifesto contra o Meio Ambiente - II
Subtítulo: A Utopia Personalista
Páginas: Duzentas e tal
O livrinho em questão será impresso com todas as licenças, não é pornográfico e tão pouco conhece palavrões além daqueles que o seu filho de 5 anos já conhece. O livrinho em questão terá 1000 exemplares de tiragem e não vai ser best seller de livraria; o livro que lhe prometo à cobrança lá para Junho (Dia Mundial do Ambiente) é bem intencionado, puro, angélico, platónico, pacifista quanto baste, radical mas convivente, constestatário mas implacável com a mentira, a demagogia, amigo do pobre, do viúvo e da criancinha diminuída.
Palavra de honra que amo as criancinhas e por isso escrevi este livrinho que ninguém quis editar - no desejo de que não destruam e corrompam mais o mundo onde elas (criancinhas) hão-de querer viver, ainda que diminuídas; o livrinho pelo qual troco 50$ dos seus, é manifesto a favor de tudo o que V.Exª encontrar, no Universo, amável e digno de ser amado; é um livro incurável, mas útil aos incuráveis; não é ficção, poesia, narrativa, já não há tempo a perder com frioleiras, e o livro quer dizer-lhe que não, que o grito Utopia ou Morte é já e já a decisão; um livro urgente e que (lhe prometo) continuará a ser escrito à medida que a humanidade está procedendo ao extermínio de si própria.
Isso lhe juro e garanto sobre o meu cadáver...
É que - saiba V.Exª também - estou farto de escrever para a gaveta; de pregar aos peixinhos, de dar pérolas a porcos, de pensar dentro da tumba.
Farto de truques: o amigo que telefona a dizer que os tecnocratas se vão rir; outro que me chama lunático por vir defender eu o que toda a gente ataca, mata, corrompe; outro que acusa o meu idealismo e o meu amor à Natureza; outro que admira a campanha ecológica mas acha mais utilitário o seu Fiat; outro que disfarça o despeito e a raiva; outro que não responde; outro que responde para elogiar a qualidade do papel do livro que lhe enviei; outro que diz não ter percebido.
Farto de críticos portugueses e da sua nulidade balofa lantejoulada de fantasias circenses; farto dos intelectuais irremediavelmente obedientes ao umbigo dos mito e das conveniências do grupo, do partido, do quintal; farto de me dizerem que não sirvo para darem o trabalho a outro que ainda serve menos graças a Deus; farto de humildade e de modéstia; farto de me dizerem que não sou doutor e que falo por despeito contra os doutores; farto de esperar como o Fernando Pessoa que seja a posteridade a desenterrar os manuscritos da arca.
Daí esta carta a prometer que não desistirei e que, silêncio e hostilidade, nada me afectará.
De facto, não me importa o silêncio e a hostilidade com que recebam este livro ou os que tenciono publicar a seguir na mesma linha de utopia personalista. Nesses ensaios de ecologia humana, ocupo-me de apresentar hipóteses de trabalho que abram horizontes ao desespero da humanidade actual. Pensar é ensaiar, errar, caminhar. Prefiro errar, a pisar caminhos já trilhados.
Se escolhi no I capítulo o petróleo para ensaiar uma dialéctica e ecologia da crise, não foi por oportunismo editorial, mas porque essa matéria (prima) se presta, como ponto de encruzilhada, a levantar questões de método que considero importantes para quem não ande neste tempo e mundo só por ver andar.
Com o relatório do M.I.T. , a polémica dos recursos planetários entrou na fase aguda da controvérsia. Mais uma vez, o sistema recuperou a seu favor as críticas que lhe são feitas como sistema depredatório, ecocida e homicida. Denotando maior ou menor capacidade contra-ofensiva, usou desta vez um estratagema claro já usado em outras ocasiões: se os computadores afirmam que os recursos em matérias-primas e bens de base (água, oxigénio respirável, solos, segurança, silêncio) se encontram à beira do esgotamento devido ao modelo de crescimento utilizado, eis que o «sistema do desperdício» só podia ter uma resposta: encarecer esse bens cada vez mais raros (caros) , em vez de mudar radicalmente o modelo de crescimento que à delapidação sistemática e ao apocalipse ecológico nos tem conduzido.
«Depois de nós, o dilúvio» tornou-se o lema dos que não se importam com quem vier depois, contanto que nada se altere dos costumes mentais vigentes.
É para os que vierem depois que escrevo e continuarei escrevendo, para os que, ao abrirem os olhos, irão encontrar um Mundo queimado e destruído onde será impossível sobreviver. O que hoje parecem teses utópicas tornar-se-ão, em breve, por força dessa inadiável sobrevivência, o pão nosso de cada dia. Saberei esperar o dia (próximo) em que os factos me darão razão, ainda que hoje esteja em esmagadora minoria.
Se cito Ivan Illich, é não só porque encontro no seu radicalismo um aliado do Terceiro Mundo mas porque me agrada o tipo de discurso caquético que os seus livros desafiantes provocam nos adeptos da actual «ideologia do desenvolvimento» (Konrad Lorenz). E tenho a pretensão de me considerar muito mais radical do que Illich, vejam lá...
Mas os meus grandes aliados não são escritores e pensadores, por muito de vanguarda que os considere: são as gerações que vão agora nos 15 e 20 anos, serão dialecticamente o desespero, o congestionamento, a maciça intoxicação, as endemias, o nilismo que eles irão encontrar, que já estão encontrando num mundo onde não é possível nem amável viver. Queiram ou não os que estão teimando nesse modelo e acreditam que o futuro será de centrais nucleares (sic), a ideologia do desenvolvimento terá em cada mês mais noventa mil Sicco Mansholt a contestá-la.
À Sofística do século XX, aparentemente triunfante, irão opor-se os que defendem com alma um modelo de utopia personalista (humanista), de que me preocupa ir desde já descobrindo algumas linhas gerais e alguns pormenores.
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