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2005-10-13

RENÉ DUMONT 1976

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RENÉ DUMONT:UMA POLÍTICA REFORMISTA DA NATUREZA (*)


[(*) Este texto deverá ter ficado inédito, para sossego das almas . Vou datá-lo de Julho-1976, número do jornal «Frente Ecológica» onde veio a aludida «Carta à Esquerda Portuguesa», que tenciono scanar ainda hoje, pela tardinha. Vou datá-lo também de Maio-1977, data em que o dito livro foi editado ]

(*) Comenta-se neste artigo o livro « O Crescimento da Fome», de René Dumont, trad.. de Vítor Oliveira, col. «Senso Comum» , Editorial Vega, Maio- 1977



" A monocultura não é forçosamente uma catástrofe, se a cultura foi cuidada e os desperdícios reciclados."
" Na China (...) conhecimentos médicos muito mais precoces e eficazes que no resto do mundo, multiplicam a população."

René Dumont, In " O Crescimento da Fome»

" Convidarei o leitor (...) a reconhecer todos os nossos limites, todos os nossos constrangimentos; e, antes de mais, o da população, de que hesitaremos em
pedir a redução maciça."
Eis a pedra-de-toque em que assenta o pensamento de René Dumont, bem como o inventário da pilhagem capitalista contra o Terceiro Mundo a que procede no seu último livro publicado em português, "O Crescimento da Fome" (1977).
Vedeta dos Franceses em Maio de 1974, quando o Movimento Ecológico o propôs para a Presidência da República, René Dumont volta sempre aos assuntos da sua especialidade e predilecção: a agronomia, a fome, o Terceiro Mundo, a pilhagem capitalista dos recursos planetários, mas, principalmente, a ameaça do crescimento demográfico como perigo número um da humanidade.
No prefácio deste seu livro sobre “O Crescimento da Fome", levanta ele a questão de fundo logo ao abrir:
«Marx não teria previsto uma série de factores e ocorrências que viriam, portanto - diz Dumont - a por as suas teses não totalmente em causa mas, pelo menos, a revê-las e reequacioná-las em termos diferentes».
Resta saber se todos os factores apontados por René Dumont existem realmente, ou se alguns - como a famigerada explosão demográfica - não passam de sofismas bem
engendrados para comprometer e viciar de raiz todos os raciocínios.
Há certas críticas anticapitalistas que servem muito bem o capitalismo e esta é uma delas...
METER MALTHUS E JOSUÉ DE CASTRO NO MESMO SACO

Para dar algum crédito à sua tese, seria preciso, por exemplo, que René Dumont demonstrasse quais são os países do Terceiro Mundo "pilhados" pelo Bloco Socialista.
Se existem, quais são eles?
Não encontramos resposta nas obras de Dumont conhecidas em português, que se limitam a fazer o inventário da pilhagem capitalista, como se dele fosse também responsável o Bloco Socialista.
Meter Malthus e Josué de Castro no mesmo saco maltusiano, eis outra tese que Dumont deveria demonstrar.
Que nos lembre, Josué de Castro foi das vozes mais veementes a denunciar o sofisma "maltusiano" da explosão demográfica e foi ele quem disse que fome era causa da explosão demográfica e não o inverso.
Dumont tem um defeito: deixa os truques e sofismas do seu pensamento demasiado à mostra.
"Arruinámos a Índia e o Sahel, que estão hoje esfomeados" - afirma Dumont.
Mas foi ele próprio quem denunciou os "fabricantes" da catástrofe saheliana em 1973: os latifundiários colonialistas que naquelas áreas da África Central plantaram monoculturas gigantescas de colza e amendoim estariam à cabeça dos responsáveis.
Porque não especifica agora os responsáveis pela catástrofe, englobando-nos a todos num vago e abstracto "nós”?

O FRACASSO DA “REVOLUÇÃO VERDE”

Também não hesita na gritante contradição. Ele, defensor intransigente da Agroquímica, verifica e lamenta o fracasso da “revolução verde” :
"As esperanças postas na Revolução Verde na Índia esboroam-se como castelos de areia, e uma ameaça terrível pesa sobre o futuro da Ásia Meridional, que conhece o início de uma das grandes fomes da História."
Mas não foi ele, Dumont, um dos principais defensores dessa ilusão chamada Revolução Verde e seu obreiro Sicco Mansholt?
Não foi ele a acreditar, como os outros tecnocratas da F.A.O., no mito da produção com base em injecções crescentes de adubo químico, pesticida e energia fóssil sob a forma de mecanização acelerada?
Não foi ele, presidente dos ecologistas, a preconizar uma Agroquímica intensiva que é, em grande parte, responsável pelas enormes quebras de produção actuais?
Porque não se confessam, ao menos, os obreiros desses belos planos da FA.O. para alimentar a fome no Mundo?
Porque se espantam com os fracassos dos próprios métodos que perfilharam?
Porque continuam os prémios Nobeis da leguminosa Seca, tipo Norman Borlaug, da F.A.O., a chamar histéricos aos ecologistas que defendem uma bioagricultura intensiva e porque não deixa Dumont, neste seu livro, como nos anteriores, de fazer o constante panegírico de Borlaug e suas teses?
Mas, acima de tudo, René Dumont insiste em tocar a sineta do apocalipse demográfico. A propósito dos climas e suas alterações, com colheitas cada vez mais catastróficas, se há-de pôr no banco dos réus os principais agentes que contribuem para essa alteração climática - guerra meteorológica, explosões nucleares, produção de CO 2 etc.- lá volta de novo ao "perigo demográfico" :
" Tudo isto merece estudos mais aprofundados, porque a ameaça é terrível."
A guerra meteorológica é um facto e uma ameaça aos pobres e famintos do Terceiro Mundo. A população, pelo contrário, é a arma que o Terceiro Mundo tem para lutar contra essas e outras chantagens do mundo imperialista.

CONTRIBUTOS FRANCAMENTE POSITIVOS

Na obra de René Dumont, porém, abundam os contributos francamente positivos e de indiscutível impacto anti-capitalista:
a crítica à futurologia tecnocrática de Herman Khan e seu balofo optimismo; o elogio ao sistema agrícola praticado na China Popular.
Com o elogio, embora com restrições, à Bioagricultura de Claude Aubert, seu discípulo, ao considerar suicida uma agricultura totalmente apoiada em injecções crescentes de quimismo e energia fóssil, ao acusar os latifundiários e intermediários de travarem as soluções capazes de impedir uma catástrofe à escala mundial, René Dumont redime-se do exagero que o faz considerar o crescimento demográfico um perigo e a maior ameaça contra a humanidade, logo seguida do esgotamento de recursos, dos quais a água e os fosfatos são, em sua opinião, os mais graves.
A crítica de René Dumont à pilhagem capitalista é muito bem feita. Ele inventaria crimes, contradições, absurdos que fazem desse sistema um inato destruidor da Natureza.
Atribuindo a um regime económico, social e político todas as culpas, deixa-nos, no entanto, com a impressão de que a passagem ao socialismo seria a passagem para o paraíso ecológico.
A escolha de René Dumont para encabeçar e dar autoridade "científica" ao movimento ecológico francês é de facto um óptimo serviço prestado ao sistema Ecosuicida e ao tipo de "civilização", entre aspas, que o movimento ecológico contesta e questiona.


"COM O ANTI-CAPITALISMO É AINDA O CAPITALISMO QUEM GANHA..."
REFORMISMO CONTRA REVOLUÇÃO
CRÍTICA ECOLÓGICA OU CRITICA ANTICAPITALISTA?

Atribuindo ao sistema capitalista a culpa quase exclusiva na destruição da Natureza e dos recursos naturais, René Dumont presta um bom serviço à ideologia tecno -cientifista em geral, tal como ela é praticada, a Leste e a Oeste, em sociedades capitalistas e em sociedades anticapitalistas.
Presta um bom serviço à Sofistica do século, aparelho ideológico de apoio ao Biocídio oficial e sistemático.
Presta um bom serviço à metodologia da ciência ordinária, da Tecnologia Pesada e das Indústrias Hiperpoluentes.
Presta um bom serviço ao caos da ciência analítica, incapaz de compreender a ordem cósmica do Universo.
Quer dizer: se a passagem ao socialismo vai minorar ( e vai concerteza) algumas das mais gritantes consequências ecológicas do capitalismo, o risco a que René Dumont nos convida é este: cair na ilusão de ficar muito contentes com um sistema que, eoologicamente, é apenas mais prudente, mais lento na destruição, mais diplomático e mais habilidoso na actuação antinatural, não deixando contudo, basicamente, estruturalmente, de se fundamentar na manipulação, alienação e exploração da Natureza pelo Homem.
Quem lê René Dumont e o seu inventário de malefícios, fica com a ideia (necessária mas não suficiente) de que a Natureza é destruída apenas pelo capitalismo - esse
inato destruidor da natureza - e que basta socializar os meios de produção para
que se viva num paraíso ecológico, onde as leis do equilíbrio ecossistémico serão respeitadas...
Não há dúvida de que o capitalismo é o inato destruidor da Natureza. Com ele não há nada que resista, e por sua culpa a Terra aproxima-se aceleradamente do esgotamento total. .
Mas René Dumont e outros eco-reformistas deixam nos espíritos uma ilusão perigosa: minorados os efeitos da poluição, o socialismo resolverá todos os males e desequilíbrios ecológicos...
Era bom que assim fosse, mas temos de reconhecer que socializar não chega para fazer a Revolução. E muito menos fazer críticas anticapitalistas significa ser socialista.
Por isso é que a crítica ecopolítica ou biopolítica à sociedade vai mais 1onge do que a crítica feita pelo anticapitalismo ao capitalismo; vai até onde esta vai ( estamos todos de acordo com as teses socialistas de René Dumont...) mas vai mais longe e fala da estrutura de todo um sistema caracterizado pela oposição do Homem à Natureza.
Para compreender os remanescentes capitalistas que dão à sociedade anti-capitalista uma fisionomia ainda (muito) pouco ecológica, basta citar o sector-chave dos consumos e dos hábitos; basta lembrar os consumos alimentares de carência por industrialização e os hábitos industriais de refinar, conservar, corar, frigorificar, enlatar, embalar alimentos;
Basta lembrar os consumos supérfluos e a ausência de um princípio revolucionário que indique a hierarquia dos consumos em função de um novo padrão de consumidor, ou seja, em função de um homem não alienado.
Basta lembrar os consumos tóxicos ou venenosos, antibiótico no gado, estrogeno nos frangos, desinfectante no leite, difenil nas laranjas, etc., etc..
Basta lembrar os consumos químicos na vida pessoal e doméstica, na agricultura, na quimioterapêutica.
Basta lembrar o crime das vacinas e dos antibióticos.
Basta lembrar, apenas, o sector dos consumos tóxicos e alimentares para ver em que medida um sistema anticapitalista, embora sem a nota de orgia dada no capitalismo pela publicidade, pilha e destrói a Natureza, contamina o ambiente, compromete a qualidade de vida, ameaça a segurança pessoal, aliena as relações do homem consigo próprio, burocratiza as relações do homem com o alimento, submete a natureza às mesmas violências, enfim, adia a Revolução.
Mas o inventário dos hábitos, comportamentos, serviços, acções, anti-ecológicas deve prosseguir : hábitos de caça e pesca como práticas correntes não desportivas mas industriais, onde está aí o socialismo que mude tais hábitos?
As tecnologias de ponta, principalmente as que alimentam o sonho delirante e paranoico de "melhorar a Natureza" (toda a Biocracia da engenharia genética, da transplantologia, da climatologia, etc) .
A crença supersticiosa e saloia no gigantismo do Tupolev, do superadubo, do superpesticida, do superestádio, da superbomba, do super-regenerador atómico, da super bomba de cobalto, do superantibiótico, etc.
O desenvolvimento sistemático de indústrias pesadas (celulose, cimenteira, refinaría, nuclear, etc.) com desprezo absoluto pelas indústrias médias e tecnologias leves;
As maratonas de prestígio entre potências bélico-imperialistas (espacial, atómica, olímpica, etc. ) são prova, entre outras, de que os mitos capitalistas continuam vigentes dentro de sistemas anticapitalistas: crescimento industrial infinito, agroquímica (a terra é um máquina de produzir), medicina (o homem é uma máquina alimentada a calorias), despovoar os campos e superpovoar as cidades, etc..
Os sintomas de universo concentracionário não deixam de aparecer nas sociedades
anticapitalistas: altas taxas nas doenças do consumo do Ambiente, (cancro, cardiovasculares, reumatismo, tensão arterial., diabetes, desmineralizações, alergias, psicoses, toxicoses, etc. ) provam de que a qualidade de vida não é um mito burguês mas uma realidade estatística mesmo entre os antiburgueses.
Se o concentracionário urbano é muito atenuado pelos hábitos anti-capitalistas, não deixa de vigorar o sistema concentracionário de energia e de indústria, sem que se vislumbre ou seja incrementada a descentralização e a diversificação de unidades produtoras.
O desperdício de materiais, lixos, desperdícios, excrementos, etc. é incrementado, sem que se pratique uma política sistemática de Reciclagem e o fomento das tecnologias alternativas.
Eis apenas alguns aspectos específicos de uma crítica ecológica ao Establishment
mundial, para lá da crítica já feita por René Dumont e demais anticapitalistas ao Establishment capitalista.
Quer dizer: herdadas do capitalismo e refinadas pelo anticapitalismo, temos ainda uma trintena (?) de práticas que, na perspectiva eco-revolucionária, são tão criticáveis como as práticas de pilhagem e chantagem especificamente capitalistas.
Tal como o capitalismo usa estratagemas diversos para prorrogar a sua agonia, eis que o sistema do Desperdício - e seu aparelho ideológico, a Sofística - usa também estratagemas para se manter no poleiro. Um desses estratagemas é o anticapitalismo, que aparece assim como um eco-reformismo para fazer durar mais, (algum) tempo esta morte que (lentamente) nos Nata.

POST SCRIPTUM: Na Carta à Esquerda Portuguesa (Jornal "Frente Ecológica" nº9, Julho, 1976) enumerei mais alguns pontos e aspectos bastante anti-ecológicos.
A essa "Carta Aberta" ninguém até hoje, da Esquerda Portuguesa, respondeu.
Por não me considerarem interlocutor válido - cientificamente válido e ideologicamente de confiança - ou por falta de argumentos?
Tão longo e teimoso silêncio começa a ser suspeito. A operante ausência desta minoria silenciosa começa a ser doença.
Que mais será preciso para os provocar, a eles que mestres são na arte provocatória?
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(*) Este texto de  deverá ter ficado inédito, para sossego das almas e dos esquerdistas . Vou datá-lo de Julho-1976, número do jornal «Frente Ecológica» onde veio a aludida «Carta à Esquerda Portuguesa», que tenciono scanar ainda hoje, pela tardinha.
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UM TECNO-AGRÓNOMO PARA RECICLAR

RENÉ DUMONT ESTEVE EM PORTUGAL(*)


[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal (por ele dirigido), «Frente Ecológica», Nº 3, Novembro de 1975 ]

A convite do Ministério da Agricultura, René Dumont esteve em Portugal, andou a ver da Reforma Agrária, disse que sim, disse que não, e, no final de contas, falou com personalidades do meio ministerial, botou sentenças, disse que tínhamos de produzir para não passar fome, etc...
Dumont tornou-se de agrónomo oficial em coqueluche de certos meios ecológicos e ecopolíticos franceses, quando, aqui há ano e meio, em Maio de 1974, alguém teve a ideia de o propor para candidato à presidência da República pelo Partido Ecológico.
Resultou daí que não foi eleito para Presidente da República, como está bem de ver e de prever, resultou daí alguns milhares de votos rapinados ao senhor Mitterrand e resultou daí o sorriso auto-suficiente de muita gente que quando ouve falar de Ecologia pensa isso ter alguma coisa a ver com poluição.
«Utopia ou Morte», título de um livro de René Dumont, herdado do Maio de 68, foi um dos slogans da campanha eleitoral, que se saldou, afinal, por uma propaganda intensiva de alguns postulados ecológicos e a denúncia de alguns escândalos mais criminosos ou de alguns crimes mais escandalosos ficando a opinião pública com um contra-veneno eficaz para fazer face aos venenos dos outros partidos não ecológicos nem pouco nem mais ou menos.
Muita gente, desde então, cá e lá, começou a comer Ecologia, embora até aí dissessem que não. Não foi agora o Movimento Ecológico Português havido nem achado para a visita do senhor René Dumont mas também não era preciso.
Ninguém nos convidou para um drink com o senhor René Dumont, mas agricultura com pesticida o Movimento Ecológico também não toma.
Há ano e meio aceitou René Dumont o papel de catalisador, mas cada vez mais se verifica que a sua vocação é de agrónomo pesticida, com muitos adubos químicos, do que propriamente uma vocação ecológica radical.
Quer dizer: agricultura sem adubos químicos nem pesticidas, agricultura de reciclagem e de fertilizantes orgânicos, agricultura de independência nacional, em suma, não se ouviu. O que o senhor René Dumont preconizou era que continuássemos a importar adubos e pesticidas, pois o petróleo vai aumentar outra vez e outra vez teremos que pagar os adubos e pesticidas mais caros do que ouro.
O que René Dumont veio dizer a Portugal, poderia tê-lo dito qualquer outro tecnocrata da F.A.O., da O.C.D.E. ou do Mercado Comum, quer fossem arrependidos ou não do estilo Sicco Mansholt.
Pouco menos mau ou pior do que Sicco Mansholt, o agrónomo Dumont ainda acredita que a fome será vencida pela cada vez mais violenta violentação das leis biológicas, orgânicas e naturais da ecologia dos solos. Quer dizer: ele preconiza a fartura defendendo a esterilidade e o deserto.
Ecologia foi um ar que lhe deu. Mas René Dumont é, apesar disso, autor de livros respeitáveis onde denuncia a podre sociedade de consumo e propõe modelos de Economia verdadeiramente revolucionários, quer dizer, de reciclagem.
Em comparação com os tecnofascistas da F .A.O., Dumont até faz figura de avançado, mas cada vez mais se reconhece nele que a circunstância de ter presidido, em Maio de 1974, à candidatura pelo Partido Ecológico, foi uma circunstância fortuita, efémera. Sujeito de pouca confiança para a Ecologia Radical, bem nos tinha avisado disso o semanário “La Guele Ouverte», quando contestou posições reformistas do
mesmo Dumont.
Recomendamos o seu último livro traduzido em português - Utopia ou Morte - desde que seja lido com cuidado e critério de distanciamento crítico. Um tecnocrata arrependido é quase tão mau como um fanático, mas nem tudo é para desperdiçar nem para deitar no lixo. Reciclemos então...

CONTRA A ECONOMIA DO DESPERDÍCIO PELA ECONOMIA DA ECONOMIA
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal( por ele dirigido), «Frente Ecológica», Nº 3, Novembro de 1975
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7040 bytes -antess-7-ds-ie - notas de leitura - páginas de um diário 1971

ANTECEDENTES DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

LEITURAS EM 1971

Leituras de livros e autores que em 1971 suscitavam o interesse de algumas pessoas em Portugal, dão exemplo das ideias que, lentamente, foram confluindo na constelação ecologista e, portanto, no movimento ecologista do pós 25 de Abril.
Teilhard de Chardin, Arnold Toynbee e Theodore Roszack, este último com a sua polémica expressão de «contra cultura», são três autores a sublinhar e que o diário de um militante registava, em Maio e Setembro de 1971.

I
CIÊNCIA E CONSCIÊNCIA EM TEILHARD E TOYNBEE

Lisboa, 24/Maio/1971 - Se os mais eruditos e sábios, se os mais sabedores e prudentes revelam, por vezes, em aspectos decisivos, uma mentalidade retrógrada, como não há-de isso acontecer aos pobres de espírito, entre os quais me incluo?
Admiro Teilhard de Chardin e Arnold Toynbee. A formação básica de ambos é a do cientista, é experimental e positiva, nada de românticos delíquios ou desvios poéticos. Quando extrapolam, fazem-no como prudentes filósofos e pode confiar-se na sua lógica sem sofismas. Iria pensar, portanto, que eles não podiam ter pensamentos retrógrados.
No entanto, em matérias-chave - como  a cirurgia das transplantações - a sua atitude aparece ingénua, incrítica, idolátrica mesmo. Sujeita aos preconceitos mais primários. Aos slogans de massas mais vulgares. Aos estereótipos .
Como é isto? Como é possível que individualidades tão libertas dos lugares-comuns onde se movem as massas, as massas governadas pelos mass media e por eles envenenadas, revelem iguais sintomas de igual intoxicação?
Já escrevi a respeito de Teilhard de Chardin. É a vez de citar Arnold Toybee e de me perguntar com insistência como é possível a cérebros tão esclarecidos, tão informados, tão preparados cientificamente, manifestarem, a respeito de certos pontos-teste, de certos problemas decisivos, atitudes tão pouco elaboradas e opiniões tão pouco críticas?
Será que a preparação científica nem sempre significa preparação crítica? Será mesmo que nada ou pouco tem a ver uma com a outra?
Lembro-me que surpresa igual se pode ter lendo, por exemplo, as páginas de Bertrand Russell sobre moral sexual, ou as de Einstein sobre epistemologia. E concluo que a mentalidade é qualquer coisa que funciona independentemente da ciência ou sapiência de cada um. Que a ciência não é (sempre ) inteligência. Que consciência não pode coincidir e raramente coincide com informação, com especialidade, com técnica.
A tonalidade geral de um pensamento - ou tónica da personalidade - funciona então independentemente da base informacional?
Se personalidades como essas revelam tais falhas de mentalidade, tal estreiteza crítica, que será de nós outros, mesquinhas criaturas e pobres mortais que andam sempre aprendendo sem nada saber?
Por outro lado, se a mentalidade é independente da erudição, dá-nos grande satisfação saber que nós outros, pobres de Cristo, analfabetos de todas as grandes ciências, podemos ao menos beneficiar de uma certa agilidade crítica e de uma latitude mental que aos sábios quase sempre está vedada.
Ainda quando a ciência não é muita e a memória não muito tenaz, que o sentido da marcha seja , ao menos, o mais prospectivamente possível. É uma compensação.

II

A CRÍTICA À CULTURA DE THEODORE ROSZACK

No outro texto, de 19 de Setembro de 1971, sublinham-se autores, ideias e correntes que, mais críticas em relação à ciência e ao sistema nela apoiado, incentivavam já uma consciência ecológica da realidade.

Lisboa, 19/9/1971 - A crítica à civilização pode perfeitamente começar por uma crítica à parte mais representativa, típica e crítica dessa civilização:
a) a medicina tal como a temos e se pratica;
b) a indústria alimentar e as agressões químicas ao consumidor.
O caso da Medicina, como instituição inamovível do Sistema, é típico: se algum doente, na qualidade de doente, ousa ter consciência da situação e exercer o espírito crítico tão elogiado pelos que se dizem cientistas, é imediatamente acusado de «bruxaria» e «charlatanismo».
Esta é a acusação de que a Medicina oficial se serve para reprimir, como parte integrante e magnífica do sistema, toda e qualquer resistência, toda e qualquer crítica, toda e qualquer oposição à sua totalitária actuação.
Tem para isso o melhor alibi do mundo: dizer que defende a saúde e a vida das pessoas. Tudo lhe é, então, perdoado...
Ora, além da medicina oficial, há muitas outras medicinas que podiam e deviam conhecer-se.
Se Roszak pretende alguma coisa e nós (hippies ou não) com ele, é isso: que ao totalitarismo se substitua o diferencialismo, ao dogmatismo a problemática e ao tratado o ensaio.
Ora o que os «hippies» fazem de uma assentada, é isso tudo: a frente de contestação  aos sofismas  do Sistema. Nem sequer o querem derrubar, mas apenas que os deixem viver. À margem do sistema, viver.
Ainda no campo da medicina, repare-se como o intelectual dito progressista de esquerda considera uma afronta o reformismo em matéria de Economia (quem aceita hoje a caridade?) mas aceita,  sem protesto nem críticas, o reformismo na medicina que é a alopatia e a medicina sintomática em geral.
Quando se discute, por exemplo, o preço dos medicamentos ou a socialização dos serviços de assistência médica é como se, no campo da economia Política, preconizássemos a socialização da exploração.

Impedir que o doente se trate(e cure ) a si mesmo - sob o pretexto de que não é técnico - é o mesmo que negar a capacidade para se auto-governarem, auto-gerirem e auto-regularem os indivíduos nos campos da política, da economia e da educação.
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