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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2005-10-12

NOTÍCIAS DA FRENTE-1

92-01-17- 1985 caracteres – solar –manifest-publicado ac em 1983?

MANIFESTO DOS PROJECTOS DAS TA'S PARA UMA ARQUITECTURA CLIMÁTICA - O SOL NA RATOEIRA

«O pior inimigo do Sol poderão ser os próprios solaristas» -- disse o Prof. Oliveira Fernanes, da Universidade do Porto, referindo-se aos que «negoceiam» em colectores solares sem o mínimo de conhecimentos e de escrúpulos, descurando a qualidade dos materiais e a confecção dos aparelhos. Para testar a qualidade técnica dos colectores solares existem, neste momento, em Portugal dois laboratórios: o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI), em Lisboa, e o Laboratório do Departamento de Engenharia Mecânica, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEUP), onde trabalha a equipa orientada por Oliveira Fernandes.
«Não havendo disciplina -- sublinha este -- qualquer fabricante pode aparecer no mercado, onde não existem critérios de verificação».

COLECTORES SOLARES A AR PARA SECAGEM

Com um subsídio da Junta Nacional de Investigação Científica, aquele departamento da FEUP investiga um projecto de colectores solares a ar para secagem, aplicável nomeadamente no domínio agrícola. Este colector tem para Portugal a vantagem de utilizar materiais nacionais, como por exemplo aglomerados de cortiça e madeira.
Não obstante a constante aplicação da ciência à realidade portuguesa, esta equipa de investigadores partiu da experiência acumulada em centros de prestígio internacional como o Scientific Lab, de Los Alamos, onde trabalha Douglas Belcomb, ou por personalidades como os arquitectos Félix Trombe e Jacques Michel em França. Na Suíça, o Laboratório de Energia Solar (LESO) tem investigado a casa solar. Trata-se, na «casa construída com o clima», de inverter a tendência actualmente em vigor: os edifícios ainda são encarados mais como perdedores do que como «ganhadores» de energia. E é disto que se trata com a arquitectura climática: fazer que as casas sejam verdadeiras «ratoeiras do sol», como diz Oliveira Fernandes.
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92-01-10-ie-2415 caracteres -se-e-a - manifest

10-1-1992

[TEXTO ABERTO OU TEXTO MATRIZ PARA INTRODUZIR ALTERAÇÕES ATÉ À ... PERFEIÇÃO FINAL]

O REALISMO ECOLOGISTA APROXIMA-SE DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO, CORRENTE PARTIDÁRIA MAIS PRÓXIMA DOS SEUS OBJECTIVOS SEM COM ELA SE IDENTIFICAR
[CUMPRIR AS PREMISSAS ECOLÓGICAS DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO]

- Ser ecologista é levar a democracia às suas plenas virtualidades e às suas últimas consequências (vd «aprofundamento da democracia», Maria de Lurdes Pintasilgo)
- Se a Democracia, portanto, é a ideologia da Liberdade,
- se é a ideologia do primado moral sobre o utilitário e o económico,
- se é a ideologia da qualidade e da constante revolução cultural,
- se é a ideologia da tolerância e do cooperativismo fraterno (António Sérgio) contra a competição desenfreada e egoísta
- se é a ideologia da descentralização e da autogestão possível onde quer que seja praticável
- se é a ideologia das alternativas contra os monopólios e a ideologia da abertura a sempre novas hipoteses de trabalho em qualquer encruzilhada do pensamento ou da história
- se é a ideologia da pedagogia cívica permanente (ou «demopedia» como ensinava António Sérgio)
- se é a ideologia do «self-government» e da auto-crítica antes da crítica
- se é a ideologia que privilegia Cristo ou Buda e rejeita Maquiavel
- se é a ideologia da esperança no homem e da fé na condição biológica da espécie
- se é a ideologia da dialéctica e do diálogo, da opção e da tendencialidade como direito dentro de um grupo
- se é a ideologia da verdade problemática contra a verdade dogmática, da aristocracia do espírito contra a burocracia da máquina e do aparelho
- se é a ideologia que preconiza a «reforma da mentalidade» (António Sérgio) como condição para a reforma social e política
- se é a ideologia que preconiza a evolução criadora sem evolucionismo ou luta das espécies pela vida, e que preconiza a reforma em vez de revolução convulsiva e violenta
- se é a ideologia que se define contra o imobilismo corrupto e contra a esclerose burocrática
- trata-se para o Realismo Ecologista, Ecorealismo ou Programa Ecológico Independente de cumprir as premissas ecológicas em perfeita consonância com os objectivos democráticos.
Trata-se de cumprir as premissas ecológicas da democracia pluralista, do socialismo democrático e/ou da social-democracia.
Aprofundar e praticar um programa ecológico na política -- radical no espírito, reformista nos processos -- será a única maneira (??) de a Democracia se afirmar como tal e como tal sobreviver ao cerco das forças dogmáticas e totalitárias, quando não ao cerco feito por terrorismos vermelho e negro.
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antinomi-md-ie-ed-off

diário ac
para a definição de ecorealismo
crítica do discurso reinante

AS ANTINOMIAS

17/11/1990 - [repesc em 17/11/1990: - O MEU HORROR ÀS ANTINOMIAS - sempre que surge uma antinomia, o meu fígado reage, sempre reagiu, como se de brotoeja alérgica se tratasse; porque, de facto, é irritante este vício de partir sempre o mundo em duas partes a que se dedica toda a cultura de herança judaico-helénico-cristã; e porque embarcar nas dicotomias pré-fabricadas por eles, seja, desde logo, humilhante, a mais não poder.
[A ter que me defrontar com antinomias, e se de todo a frequência da reflexão taoísta não me curar dessa doença, então que as antinomias sejam as que eu formulo e não as que o sistema me impinge.
[Recordo, no «Notícias da Amadora», um texto-carta dirigido a Joaquim Benite, onde esta intuição, muito minha e muito estrutural, já era questionada : é urgente repescar também esse texto, fundamento do fundamental, como os anos comprovaram. O texto repescado a seguir é, segundo creio, inédito, e aparece, sem data definida, um tanto desgarrado ]

ESPIRITUALISTAS VERSUS MATERIALISTAS
QUERELA POLÍTICA OU (MERAMENTE) TEOSÓFICA?

É lugar-comum idealista afirmar-se que a «guerra civil» entre os homens, a violência explícita ou implícita nas instituições e nas relações humanas, a agressividade generalizada, et., são consequências:
a) ora da «maldade» do homem onde o animal ainda resiste à carapaça humana e onde está sempre pronta a irromper a marca a ferro e fogo do «pecado original»;
b) ora as posições e opiniões diferentes que os homens revelam entre si e face às questões filosóficas ou ontológicas de fundo.
Qualquer das duas explicações para a «violência» é, de facto, um lugar-comum idealista: a realidade objectiva e a análise materialista dialéctica diz-nos que as lutas entre os homens não são consequência nem da sua biologia, nem da sua genética, nem das suas opiniões necessariamente diversas: ninguém mata por ideologia, ou por fatalismo do ADN; o inverso, até, é que é verdadeiro: as opiniões é que são consequência das lutas de interesses entre classes a a biologia é, também, resultado de condicionantes ecológicas ou ambientais, que muito têm a ver com o processo histórico, desde que neste se inclua e entenda a história natural do homem também...
Enquanto este e outros lugares-comuns retintamente idealistas (ou apenas parvos) enxamearem a maior parte da literatura dita esotérica ou macrobiótica, é evidente que os dogmatismos ditos materialistas têm campo fértil para meter o esoterismo todo no saco da inícua metafísica e do misticismo descabelado.
Enquanto o discurso esotérico ou macrobiótico, veiculado por ilustres ou menos ilustres personalidades teosóficas, oferecer o flanco com afirmações francamente reaccionárias (ou apenas humanistas, românticas, místicas, espiritualistas e que tais), haveremos de assistir ao edificante espectáculo de espiritualistas abominando materialistas e materialistas abominando espiritualistas, que é afinal tudo quanto o Establishment multinacional quer. Abomináveis, afinal, são apenas as mentalidades onde ainda cabem tais e tão tolos dualismos, tais e tão parvas antinomias.
A terminologia - que trai a ideologia - é, de parte a parte, abracadabrante e o grande trabalho dialéctico no meio desta pepineira - materialistas versus espiritualistas e espiritualistas versus materialistas - é manter a lucidez, respirar fundo, contar até dez para não estrangular o que estiver mais próximo, olhar um pouco à frente do que diz um jornal ou zurra a televisão e descobrir os textos, tão antigos, tão antigos, que de todo dêem garantias de ainda não estar inquinados por esta moda de merda que são as antinomias convenientes ao sistema; textos onde a original unidade ainda não está corrompida de especulações dualísticas.
Nem materialistas nem espiritualistas. A parvoíce é que é afinal um enorme obstáculo à evolução da espiral cósmica, que não conhece dualismos nem antinomias...

[Repesc em 17/11/1990: E afinal sou eu que tenho o vício doentio da polémica, não querem lá ver: mas sou eu que, sempre que me foi humanamente possível, fugi das antinomias e não lhes dei troco.
[Ir às fontes mais remotas, pois, não é mania antiquária das antiguidades, nem gosto pelo exotismo oriental, nem teimosia de ficar no contra: constatado o papel demolidor que os dualismos tiveram na construção desta abjecção actual, compreende-se que o reencontro com os discursos não dualistas - nomeadamente com o discurso taoísta - seja uma démarche fundamental para fundamentar o fundamental
[Para a chamada «liberdade de expressão do pensamento» de que os europeus e ocidentais se orgulham como vanguarda (fachada)da rectaguarda (traseiras) de rapinas, pilhagens, matanças, extermínios, genocídios, praticados em nome de qualquer termo de um qualquer dualismo, para essa hipocrisia monumental que se chama «liberdade de expressão de pensamento», a «controvérsia» é permanente: e sempre que se quer meter um supositório imenso às populações - seja central nuclear, autoestrada, gasoduto, explorações petrolíferas, barragens de alqueva, gigantismos e megalomanias -, eis que se arma logo um debate e se combina uma «mesa redonda» na televisão
[A procura de uma «terceira via», de uma dialéctica como terceiro termo para os dualismos, foi assim uma constante deste diário e das minhas movimentações em torno dos ecologismos: por isso fui obrigado a inventar, face aos dualismos reinantes, ás utopias tecnocráticas e às utopias românticas, o terceiro termo do ecorealismo ]
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mep-6-ie-ac ideia ecológica do afonso - ecoequívos – inédito ac de 1989 – diário das siglas – ecos da capoeira

SETE CÃES A UM OSSO:A MULTIDISCIPLINARIDADE

25/1/1989 - "Multidisciplinar", por enquanto, em política do Ambiente, é apenas a multiplicidade dos vários discursos sectoriais, a cargo de profissões que viram no Ambiente e na alegada protecção do dito uma forma de resolver a respectiva crise de emprego e os respectivos problemas no mercado de trabalho, saturado de actividades profissionais rentáveis.
Há muito que a antipoluição, em sentido lato, foi anunciada como a grande indústria do século .
E não faltam empregos para tanta gente interessada.
Uma outra das previsões feitas há muito pelos analistas da actualidade económica é que a Morte e a Doença serão, cada vez mais, a grande indústria do futuro.
"Multidisciplinar", neste contexto de interesses em jogo e de poderes em competição, é a ambição do lucro e um lugar cimeiro na grande indústria que se prepara para ser a exploração do Podre em todas as suas vertentes.
Note-se que "Podre" escreve-se com as mesmíssimas letras de "Poder".
"Multidisciplinar" , nesta inflação de discursos pró-ambientalistas e ambientocratas, é a aflição do jornalista que, tendo de ir a todas, sai de lá com a cabeça feita num figo.

Ágil e sem se deixar incomodar com os telexes do Dr. António Eloy, é o engenheiro Macário Correia, que às 15 horas está no Instituto Superior Técnico, falando a engenheiros civis - a grande esperança das 305 autarquias são agora os engenheiros civis reciclados em engenheiros autárquico-ambientais -, enquanto às 18.30 preside, na sala do Hotel Roma, ao encerramento do seminário promovido pela UGT sobre Educação Ambiental.
"Multidisciplinar" foi a palavra-chave nas conclusões do encontro que permitiu reunir, à sombra da UGT, quase duzentos professores do Básico e do Secundário, "sensibilizando-os" para a temática ambiental.
Aliás, a UGT criou, há ano e meio, o seu novo departamento designado de Ambiente, Condições de Vida e de Trabalho, a braços, certamente, na sua vida sectorial, com o carácter "multidisciplinar" de matéria tão vasta mas tão gratificante.

O Instituto Nacional do Ambiente (INAMB) esteve presente, assim como os vários, muitos, outros organismos sectoriais que pretendem inter-disciplinar o azougado Ambiente: Direcção Geral dos Recursos Naturais, Direcção geral da Qualidade do Ambiente, Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear, etc.

Inopinadamente preocupada com o carácter "multidisciplinar" dos tempos modernos - a que alguns chamam caos - é a Associação 25 de Abril, a quem agradeço a amabilidade do convite para estar presente num colóquio sobre "As lutas actuais pela qualidade de vida", com um programa coordenado por Beja Santos e onde se incluem comunicações de Gonçalo Ribeiro Telles, Pedro Vieira de Almeida, Fernando Micael Pereira, Maria Helena Roseta e Maria Belo.
Assinado por Vasco Lourenço, o convite da Associação 25 de Abril justifica a iniciativa de questionar a "qualidade de vida" com o "modelo de crescimento" quantitativo" posto em causa por intervenientes do processo histórico que não hesitaram mesmo em "questionar as fórmulas adoptadas ate então (anos 70) face ao progresso."

Entretanto , e a demonstrar como é multidisciplinar e pluralista a endiabrada "política do Ambiente", já um grupo de monárquicos fundara, no princípio do ano, o Instituto D. Diniz, "Ecologia e Desenvolvimento", onde, no elenco directivo, se pode notar uma pluralista gama de tendências: para lá de Ribeiro Teles e Luís Coimbra, que já foram deputados na Assembleia da República, registam-se os nomes de Leonel Fadigas (PS e também deputado) e Vasco de Melo (PRD).
O Instituto D. Diniz conta, entre os seus sócios fundadores, como "O Século" revelava, nomes de várias tendências, comprovando que Ambiente é multidisciplinar e multidisciplinar.

A palavra multidisciplinar foi pronunciada e sublinhada várias vezes na sessão realizada no Instituto Superior Técnico, para mostrar às 305 autarquias portuguesas que a Engenharia Civil está a renovar-se, preocupando-se com Saúde Publica e/ou Saúde Ambiental (a mesma coisa?), quer dizer, com as condições sanitárias em que adoecem as populações.

A três quilómetras daquela sala, em que falaram vários especialistas de Ambiente, numa ponta bastante conhecida de Lisboa, existe uma Escola Nacional de Saúde Publica, onde os especialistas aí formados, por sinal, também se reclamam do Ambiente e sua defesa.
Existe, mesmo, nessa Escola Nacional de Saúde Publica, uma cadeira (disciplina), Epidemiologia, dirigida por uma personalidade carismática - Luis Cayolla da Mota - que tem por vocação ocupar-se de questões incómodas mas reais.
Se o Ambiente deteriora o comportamento, se o Ambiente fabrica doenças e morte, se o Ambiente, em suma, condiciona o dia a dia das pessoas e das populações, é necessário (sic) que uma ciência qualquer se ocupe a provar tudo isto, que o produto tóxico é mesmo tóxico, que o veneno é mesmo veneno, que as radiações ionizantes, embora invisíveis, podem provocar danos visíveis, que os ecrãs catódicos são a praga do século XX, que os vírus não existem (porque existiram sempre) e que uma visão multidisciplinar da realidade leve a uma nova classificação das doenças(em função do tipo de ambiente que as provoca):
doenças da alimentação
doenças da poluição
doenças dos consumos tóxicos e provocantes
doenças da fome
doenças da miséria
doenças do pauperismo e da marginalidade social

Neste quadro, as doenças virais deixam de existir, as microbianas incluem-se nas doenças do terreno orgânico e as parasitoses restam como a única categoria de doença específica e até agora realmente existente nos termos em que tem sido definida. As outras doenças são eufemismos.
Esta tendência multidisciplinar da medicina sanitarista - dada à indagação das causas ambientais, - leva os médicos especialistas que tratam o sintoma a ficar irritados e (como são muitos) a fazerem uma campanha danada contra os sanitaristas.
É assim que interesssantes projectos de investigação epidemiológica, no âmbito das acções concertadas da CEE, marcam passo e pouco andam, em Portugal, com grande desgosto do seu líder incansável que é o Prof. Luís Cayolla da Mota
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80-03-28-ed - alqueva-3-ed- encontros e desencontros

SE FOR ALAGADA PELA BARRAGEM DE ALQUEVA
ALDEIA DA LUZ QUER SABER DO SEU FUTURO (*)

[(*) Esta entrevista de Afonso Cautela a Isabel Fonseca foi publicada no jornal «Portugal Hoje», com algumas gralhas, em 28-3-1980 ]
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Que pensa a população da Luz da Barragem de Alqueva?
Como vão receber os seus 455 habitantes a ideia de a aldeia ficar inundada pela albufeira da Barragem, considerada «o maior lago artificial da Europa?»
Que problemas de índole humana, moral, cultural e social se levantam para esta freguesia do concelho de Mourão, nas margens do Guadiana, a mais «sacrificada» em área submersa?
Como vai ser organizado o êxodo da povoação e o que já se fez para ouvir as vozes dos que nela residem e nela têm a memória viva dos seus mortos?

PARA LÁ DO ECONÓMICO EXISTEM PESSOAS...

Muito se têm discutido os aspectos económicos deste grandioso empreendimento hidroeléctrico no Rio Guadiana. Simpósios e colóquios formularam o problema nos seus termos quantitativos. Talvez seja oportuno (ou não?) tentar saber um pouco dos aspectos qualitativos e «sentimentais» que semelhante progresso material provoca.
Sem dramatizar, como nos avisam, saber das pessoas que vão ser afectadas por esta «migração» forçada das suas casas, do seu «habitat», e procurar que o desalojamento se faça com o mínimo possível de traumas. Do mal o menos.
Costuma dizer-se que é «o preço a pagar pelo progresso». Mas convém que não seja um preço muito alto - em vidas e almas - nem que para o problema se faça ouvidos de mercador.

Com o objectivo de dar voz a essas 455 vozes que ali esperam, procurámos a Dra. Isabel Fonseca, formada em Antropologia, que durante 6 meses, em 1978, realizou, na Aldeia da Luz, nascida em 1868, um inquérito destinado a «inventariar os custos sócio-culturais da Barragem».
Será possível qualificar a angústia? Fazer a contabilidade dos sentimentos de um povo que ignora o seu destino porque até hoje ninguém lhe disse claramente o que é que lhe vai acontecer? Será possível saber quanto custa o desgosto e o desespero?
Para tentar obter uma resposta, fizemos a primeira pergunta à Dra. Isabel Fonseca, técnica do Serviço Nacional de Parques mas que realizou o seu trabalho na aldeia do Baixo Alentejo por indicação do Serviço de Estudos do Ambiente:
- «Acha que a população da Luz está informada dos efeitos que sobre a aldeia vai ter a albufeira da Barragem?»
- «A população da Aldeia da Luz - diz-nos - condenada a ficar submersa, continua a nem sequer ser contactada pelas autoridades, vivendo num estado de desestabilização social.»
- «A que chama desestabilização social?» .
- «Dou-lhe um exemplo: algumas casas precisam de fazerobras mas continuam desorientadas, pois as obras ficam caras, gastam o dinheiro e não sabem por quanto tempo a aldeia ainda viverá e se esses investimentos valerão a pena».
- «Quer dizer que as pessoas vivem a prazo e sem horizonte de futuro? Estão, já, encurraladas no tempo?»
- «É angustiante a incerteza que paira na aldeia, que não pode programar o dia de amanhã, vive na incerteza e desconhece o seu futuro e o dos filhos e netos. Vem, por outro lado, ouvindo falar do «triste destino» de outras povoações que por motivos semelhantes passaram por experiências lamentáveis e desastrosas.»
E a nossa interlocutora lembrou o que nunca esquecemos: o caso de Vilarinho das Furnas que o cineasta António Campos ainda foi a tempo de registar para a posteridade - e o caso, ainda em curso, da Foz do Dão, uma das aldeias submersas pela barragem da Aguieira.
No caso do Vilarinho das Furnas, «a população ficou totalmente dispersa, partindo cada um para seu lado face às indemnizações que levaram ao «salve-se quem puder», levantando-se na altura da «abalada» disputas entre os habitantes até aí unidos entre si.»
- A dispersão das pessoas, na sua qualidade de especialista em Antropologia, parece-lhe socialmente errada?
- Claro que sim, e são os próprios habitantes da Luz que nos disseram não querer separar-se. Querem continuar como aldeia, ainda que noutro sitio. De contrário, ficam privados do contacto com parentes e vizinhos, quebrando-se a estrutura social da comunidade, acontecendo aquilo a que os antropólogos chamam «extinção de uma cultura»...
- Um etnocídio, portanto, para usar uma palavra mais doce?... A esse respeito, temos ouvido dizer que a população oferece maior resistência por causa dos mortos que estão na sua terra e dos quais ficarão privados. Verificou esse fenómeno?
- «Muitos me falaram, com lágrimas nos olhos, dos restos mortais dos parentes mais chegados. Pensam que deveria proceder-se à transladação mas, mesmo assim e conforme me afirmaram, «as cinzas ficam ali».
Depois, existe um sentimento histórico muito marcado e a população orgulha-se do seu passado.
A aldeia formou-se na sequência do aparecimento da Senhora da Luz a um vaqueiro de nome Adriano, perto de uma ribeira, nos campos da Lousa.
A este acontecimento seguiu-se a construção de uma igreja no local, a qual chamou peregrinos que se foram fixando. Afirmam que a igreja foi começada várias vezes no Cuteiro do Maroço, aparecendo sempre derrubada, pois a senhora queria a igreja no sítio onde apareceu.
Note-se que a igreja e o cemitério - onde está o coração da aldeia - ficam a 500 metros da povoação num local solitário, rodeado de olivais e estevas bravas.
Transcrevemos breves testemunhos recolhidos pela nossa .entrevistada:
«É aqui que temos o governo, que temos tudo».
«Temos uma vida boa e descansada, que nos deixem em paz»..

- Ninguém ali então vê vantagens?
- «Conforme constatei, a maior parte dos moradores desconhece as vantagens e é frequente ouvi-los dizer: «se as houver, só se para os mais novos».
Outro testemunho recolhido:
«Tenho pena, mas se for bom para os nossos filhos, que venha. Estou disposta a suportar, embora vá estranhar a vida, a largueza, a falta das despensas onde fazer a matança do porco».
E ainda outro, mais progressista:
« Se trouxer proveito para a Nação e vida melhor para as pessoas, desde que se arranje um lugar onde a gente se governe, com espaço e largueza como aqui temos».
«Pré-fabricados, nunca...»
O sentimento generalizado da população é, portanto, de resignação ao que vier. Mas a sua resistência é total à ideia de ser integrada em Mourão (alojada em qualquer bairro pré-fabricado...) ou outra localidade.
A futura aldeia, para a maioria, deverá manter a sua fisionomia peculiar, embora com infraestruturas que esta ainda não tem (porque está à espera da barragem e não vale a pena...).
Rejeitam ser instalados em casas pré-fabricadas («dessas que se montam» dizem eles) ou blocos em altura. Manifestam-se por uma aldeia com a estrutura funcional da actual. Querem materiais de construção usados localmente.
É Isabel Fonseca que nos refere:
«Os habitantes da Luz gostam das suas casas, fazem menção à largueza, às despensas, às comodidades para poderem curar a carne de porco, à cozinha, aos quintais, às tapadas, e à cabana (que hoje serve de «casa de lume»).
Mas nada melhor. do que transcrever os próprios interessados:
«Como esta, espaço para a oficina que é o nosso governo».
«Como esta, onde possa ter gado, que é o nosso governo e meio de vida».
E assim, neste diapasão comum, as várias situações. Os que vivem do comércio, querem uma casa adequada ao seu modo de vida. Outro quer pátio com duas divisões, uma para celeiro e outra para confeccionar queijos.
- E quanto a indemnizações?
- «Só as famílias que já não vivem na Luz mas ainda lá possuem casas desocupadas, pretendem dinheiro. Os que vão perder terras, porém, querem outras e não dinheiro. São claros na “sua” vontade: « O dinheiro gasta-se e nunca mais se vê, a terra vê-se sempre».
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(*) Esta entrevista de Afonso Cautela a Isabel Fonseca foi publicada no jornal «Portugal Hoje», com algumas gralhas, em 28-3-1980
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92-01-17-varios - publicado ac em 27/12/1986??? – os dossiês do silêncio

OS SILÊNCIOS QUE FALAM

PARA UM MANIFESTO[ ECOLOGISTA] DA ESPERANÇA

17/1/1992 - [mais alguns temas proibidos e tabus sobre os quais recai naturalmente o silêncio - dentro da ecologia em geral, assunto já de si pouco popular, a ecologia humana é ainda mais tabu e, dentro desta, a ecologia do trabalho e, dentro desta, o cancro ocupacional ou a iatrogénese, por exemplo]
[ sobre este texto de 1986 repescado em 17/1/1992: mau grado o seu ar despenteado e desordenado, de coisas avulsas, constato que este foi um dos textos que mais deve ter contribuído para eu cair em desgraça no mundo dos media em geral, no mundo trilateral em especial e no meu próprio local de trabalho em particular, especialmente depois da venda do jornal à Sojornal: parece nada faltar nesse compacto de nitroglicerina, nomeadamente a eterna questão da minha terrível linguagem, onde só a palavra tecnofascismo parece não figurar: de resto, palavras como «crime», «assunto tabu», «cancro ocupacional», «doença do trabalho», «iatrogénese», «medicina metabólica», «alimentação saudável», «laboratórios farmacêuticos», «laboratórios de análises», nada falta neste maldito texto para me entregar definitivamente aos ferros dos inquisidores da Democracia.

Tem todo o ar de luta clandestina e, portanto, quixotesca, a resistência que alguns teimam em manter para que não sossobre a esperança das alternativas, a alternativa da esperança. Lendo, por exemplo, o que foi a entrada subreptícia das ideias liberais em Portugal, o paralelo impõe-se.
Hoje, o tempo da liberalização e da perestroika é em relação a outros «absolutismos», mas a clandestinidade da luta é a mesma.
Por exemplo: sempre que alguém fala de Iatrogénese, o olhar do interlocutor afasta-se, finge não ouvir e olha em redor a ver se haverá sinal da polícia do Estado...
A encomenda de livros como a edição da OMS sobre «Medicinas Tradicionais», o tratado sobre Iatrogénese editado em Barcelona, o «Solo, Ervas e Cancro» de André Voisin, os manuais de Acupunctura tradicional chinesa, o Guia de Riscos Químicos no Trabalho, etc. levam meses a chegar, ou não chegam, sob o pretexto infantil de que estão «esgotados». Para invocar o atraso na chegada de livros indesejáveis, invoca-se inclusive o Banco Central e suas demoras na movimentação de divisas.

O SILÊNCIO DOS LABORATÓRIOS E DAS ANÁLISES INCÓMODAS

Ao nível de laboratórios que têm por função oficial (nacional) efectuar análises de produtos, é o silêncio.
Esses laboratórios trabalham, em muitos casos, com dinheiro do estado mas o cidadão contribuinte não tem o direito de saber nada do que esses laboratórios vão debitando,
seja na percentagem de radioactividade encontrada nas águas do Tejo,
seja no nível de chumbo atingido pela gasolina,
seja no grau cancerígeno dos fumos negros dos escapes,
seja na quantidade de hormonas, penicilinas e antibióticos encontrada na carne de consumo corrente, etc. [continuar lista]
É tudo silêncio, é tudo segredo, é tudo tabu.

LABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS [ vd iatrogénese]

O ar lampeiro e rotineiro com que os laboratórios farmacêuticos retiram do mercado medicamentos que eles próprios anunciam perigosos, é de registar com um grande «oh» de espantação.
A rotina sacraliza o acto e perdoa o crime. Culpados nefandos e amigos do anti-progresso são os eternos «out-siders» que denunciam o fenómeno iatrogénico como um dos mais descarados biocídios a que alegremente procede este sistema, sem que ninguém das vítimas diga «basta» e com todos os vendedores a gritar «mais».
O sofisma tem o ar de dogma religioso quando se afirma que o acto de retirar medicamentos do mercado, onde durante meses ou anos estiveram em venda livre, é ainda uma prova da «seriedade» das firmas. Até onde pode ir o sofisma, até se transformar em monstruosidade? E o consumidor come, cala, pois tudo o que lhe dão é, evidentemente, para seu bem. Maus da fita são os raros jornalistas e outros raros que andam no regabofe palerma chamado «defesa ecológica do consumidor».
De facto, higiene e segurança no trabalho é o mais tabu dos assuntos-tabu. Nas seguradoras (que são às dezenas) é o silêncio sobre os pontos mais quentes que são as doenças do trabalho ou doenças ocupacionais. Na Direcção Geral da Higiene e Segurança, o puro silêncio. No Instituto Nacional de Seguros, o silêncio. Na Caixa das Doenças Profissionais, o silêncio.
A informação proliferante sobre as terapêuticas de fundo metabólico para o Cancro, preenche hoje relatórios das próprias Nações Unidas e da própria Casa Branca, mas se a gente tenta dar a notícia no jornal, nunca há espaço.

LUTA CLANDESTINA

Não creio que seja exagero falar em «luta clandestina» quando, de facto, o consumidor ignora tudo das 100 regras básicas para a sua autodefesa contra tubarões e multinacionais da química. Quando os sindicatos derem uma ajuda nessa luta, talvez a relação de forças se altere a favor do consumidor-cidadão indefeso, vítima eterna das prepotências institucionais e corporativas («lobbies» de pressão).

MEDICINA IATROGÉNICA

Os argumentos da medicina química em defesa da sua própria indústria atingem as raias do sofisma e da pouca vergonha - que pode ser ignorância acrescida de arrogância.
Sofisma que interessa aos vendedores de químicas, é o de inventar que a «saúde» é a ausência de determinado sintoma e não um estado global psicossomático (como a própria OMS a define), estado que tem a ver com todos os milhões de células e de vibrações que ligam o micro-cosmos ao macro-cosmos.
Sofisma que acciona todos os negócios, desde a «vacina» aos «medicamentos», consiste em banir as noções lógicas e ecológicas de Biotipologia, de Terreno Orgânico, de Equilíbrio metabólico, de Psicossomática, etc.
Reduzir a globalidade holística do fenómeno humano à carpintaria das ciências ditas humanas, é não só um sofisma mas um crime de 1ª grandeza.

OUTROS ASSUNTOS «PROIBIDOS» NOS MEDIA

Outros exemplos de assunto silenciado: Amputar da história das ideias aqueles autores que convergem na Biotipologia e na fisiologia do terreno,
ignorar que, até hoje, mais de 15 teorias, além da microbiana, foram elaboradas para explicar a dialéctica doença-saúde
ignorar que não há efeito sem causa
ignorar que doenças da civilização não podem ser tratadas com bisturi ou antibióticos -- não será ignorância deliberada a mais?

[ Balanço da Sojornal - Quando leio coisas como esta a seguir transcrita e que publiquei, que tive o arrojo de publicar em 27/12/1986 em «A Capital», como posso pensar que alguma vez seria perdoado? Textos como este contribuíram definitivamente para me arrumar e devem figurar nos arquivos pidescos da Unideologia -- «A assunção do sofisma por quem dela faz religião, não é só uma sacralização da mentira mas um atestado vergonhoso de autoaviltamento. É no auge do autoaviltamento que a gente os vê e ouve a reinar sobre milhares de cadáveres, os consumidores que recorrem à sua (deles) podre ciência! Mais do que sofismas de uma instituição, são um insulto à espécie humana». ]

DESTRUIÇÃO PELO RIDÍCULO

Outro exemplo: No mercado dos produtos alimentares alternativos, à parte o mostruário exuberante dos que não aquecem nem arrefecem, os produtos verdadeiramente radicais e eficazes escondem-se, dificultam-se, são «só por receita médica». (?)
Os lugares onde se come «alternativo» são olhados pelos «media» como um gueto, frequentados só por uma trupe de índios com cavilosos hábitos alimentares ou por fanáticos que fazem disso religião.
O silêncio aqui é imposto pela caricatura e pelo ridículo.

INDÚSTRIA DO DISCO

Principal corruptor de jovens é a indústria do Disco e do teledisco, associada a outras intoxicações menos musicais. Vá lá alguém levantar uma ponta do véu (só que seja) desta evidência tóxica e é logo apanhado, sovado. Sovado mesmo pelas próprias vítimas dessa corrupção e dessa indústria, associada de outras indústrias tóxicas, principais vítimas que são os jovens. Fenómeno sem dúvida curioso na chamada «engrenagem dos consumos» é que a intoxicação colectiva, já propincuada por outros tóxicos antes dos musicais, não permite que ninguém fique de fora desta monumental lavagem de cérebros, quer dizer, não admite que ninguém não esteja tão intoxicado nem esteja sequer a intoxicar-se. Intoxicar-se é preciso. Mais: intoxicar-se é obrigatório.

[OUTRO DOS MEUS ERROS LAPIDARES, QUE PAGAREI POR TODO O RESTO DA VIDA:] « comunicação social justifica a sua rasteira forma de informar pelas exigências de um público também rasteiro. Mas o público está condicionado, pela intoxicação maciça de publicidade e de propaganda que lhe lavam o cérebro. Exige aquilo que o condicionaram para exigir.
Em que ficamos?
Mais do que um sofisma, bem evidente, temos um «ciclo vicioso».

CONTRA RATOS

Ratos são uma praga, só se houver uma firma química que quer desratizar. De contrário, quem liga a tão repugnante bicho nos «media»? Percevejos, idem. Piolho e lêndea começam a ser matéria de «epidemia» (nas escolas, para impressionar mais a opinião pública, alvo destas campanhas) se acaso uma firma lança um novo produto anti-piolhoso e quer vendê-lo, evidentemente, e manda um anúncio para a televisão.
E água, para lavar isto tudo?

PESTICIDAS E TUMORES

Cientistas ainda não conseguiram demonstrar se há ou não há relação de causa-efeito entre o uso de pesticidas na agricultura e o aparecimento de tumores ou mutações hereditárias. Mas como e quando poderão eles vir a demonstrar tal, se a investigação está na dependência de quem paga e os investigadores, hoje em dia, não primam pela independência nem pelo amor à verdade? É caso para concluir: tem 90% de probabilidades de ser verdade, o que os cientistas ainda não conseguiram provar. Claro!

ainda hoje, pela tardinha.

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1-2 - água-1-ds os dossiês do silêncio

O CICLO (VICIOSO) DA ÁGUA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 20/6/1981

20/6/1981 - Não podemos acusar o sistema de estar desatento. Não têm faltado os alarmes e os simpósios. As recomendações. Os relatórios. Os congressos de aflição. Os organismos. Que a água potável iria faltar foi um dos primeiros sinos a tocar a rebate...

«Falta água potável para 200 milhões de pessoas», anunciava em 1973 (Julho/Agosto, 1973) a revista da OMS, «Saúde no Mundo».
O grito da água é um pouco semelhante ao que foi dado para a proteína e para os mortos à fome no mundo.
Mas que ilacções se podem tirar destes avisos alarmistas a que, periodicamente, o sistema se dedica, numa espécie de purga interna ou autopurificação catárctica?
Tomando o exemplo da água, que se concluiu?
Para já, vê-se que:
1 - O sistema reconhece o fenómeno, alerta para a antiguidade dele, assusta-se e assusta-nos com a tendência crescente de cada vez maior escassez;
2 - Para diluir as responsabilidades da sociedade industrial na destruição dos recursos aquíferos, faz uma retrospectiva histórica de há 2000 anos a esta parte, sobre as dificuldades que a humanidade tem tido com faltas de água...
Constata então que sempre houve falta de água, como sempre houve fome e (até) poluição, cancro, etc., constata até que já deve ter havido centrais nucleares...; claramente sofística, esta constatação histórica serve, pelo menos, o objectivo de isentar de culpas os sistemas imperialistas do macro-desenvolvimento actual; por outro lado, convém deixar que os povos se assustem, mas não muito (muito susto, não os deixa trabalhar...), porque, afinal, sempre assim tem sido e sempre assim há-de ser...
3 - Uma vez metida a humanidade entre dois fatalismos, o sistema passa a cultivar com esmero outro tema: e pinta um quadro negro, horrendo, inóspito da escassez hídrica nos subdesenvolvidos, pois assim se desvia mais uma vez a vista dos desenvolvidos e suas culpas: se a água contaminada por bactérias é um facto e as doenças hídricas um flagelo, o sistema tem aí um óptimo alibi-bode expiatório para diminuir a gravidade do outro facto que é a água contaminada por mercúrio, petróleo, chumbo, radioactividade, detergentes, pesticidas, adubos, etc.
4 - A estratégia internacional adoptada e as medidas recomendadas aos governos são, na prática, ora inexequíveis, ora aleatórias, ora contraproducentes: a estratégia de organismos como a O. M. S., dir-se-ia mesmo que está dirigida para agravar o problema da água e de secular fazê-lo passar a milenar;
5 - Se, por um lado, há organizações apaixonadas pela água, outras há, igualmente internacionais e muito amigas da humanidade, que procedem como se nada tivesse sido por aquelas proclamado em solenes cartas dos direitos da Água: tal como a dos Direitos Humanos, até parece escrita para melhor se cometerem as maiores agressões aos direitos internacionalmente reconhecidos (mas isto é um dos mistérios da Santíssima Trindade que ninguém ainda pôde decifrar...);
Os organismos em questão - um que gosta de água e outro que a odeia - até pode ser que coexistam no mesmo edifício, rua ou cidade...
Há a repartição que estraga e autoriza a estragar, como há a repartição que recomenda e aconselha a não poluir...
E nem se pode dizer que o sistema é irresponsável ou hipócrita: era preciso que ele se assumisse como uma consciência e é isso que jamais ele fará. Sendo uma unidade totalitária, é exactamente como unidade intrínseca que ele se recusa a ser visto.
Tal sistema tem, na história, o nome de concentracionário. E muitos já sabem do que ele foi capaz, por volta dos anos 30, na Europa Central.
6-Eis, pois, tudo o que define, especificamente, o problema apocalíptico» da água: universo concentracionário, ciclo vicioso, paradoxo explosivo, beco sem saída, círculo fechado, cerco.
A dominante dessa ciclo vicioso é que se trata de um problema milenar de subdesenvolvimento que, em 1981, não é resolvido por esse lado ao mesmo tempo que se agrava pelo outro que diz vir resolver este: quer dizer, o lado do desenvolvimento e do subdesenvolvimento.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 20/6/1981
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